quinta-feira, 28 de março

Uma introdução à pregação e à teologia bíblica (parte 4)

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Direção – Como Fazer Teologia Bíblica ao Pregar (cont.)

Olhe para o Todo – Pregação Canônica

Como pregadores, nós não devemos nos limitar apenas à teologia antecedente. Nós também devemos considerar o todo da Escritura, o testemunho canônico que agora possuímos no ministério, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Se nós pregarmos apenas a teologia antecedente, não estaremos dividindo acuradamente a palavra de Deus; tampouco estaremos levando a mensagem do Senhor ao povo de nossos dias.

Quando pregamos nos primeiros capítulos de Gênesis, portanto, nós também devemos proclamar que a semente da mulher é Jesus Cristo, e que a queda da criação na futilidade será revertida por meio da obra de Jesus Cristo (Rm 8.18-25). Nossos ouvintes devem ver que a velha criação não é a palavra final, mas que há uma nova criação em Cristo Jesus. Nós devemos mostrar-lhes pelo livro de Apocalipse que o fim é melhor do que o começo, e que as bênçãos da criação original serão alargadas (por assim dizer) na nova criação.

Do mesmo modo, o que nós como pregadores diremos ao pregar em Levítico, se não pregarmos Levítico à luz do cumprimento havido em Jesus Cristo? Certamente nós devemos proclamar que os sacrifícios do AT se cumpriram na obra de Jesus Cristo na cruz.

Além disso, os regulamentos concernentes às leis alimentares e à purificação devem ser interpretados canonicamente, de modo a compreendermos que o Senhor não nos chama para seguirmos as leis alimentares ou os regulamentos de purificação. Esses regulamentos apontam para algo maior: a santidade e a nova vida que devemos possuir como crentes (1Co 5.6-8; 1Pe 1.15-16).

Tampouco é o caso, como o Novo Testamento claramente ensina, de que os crentes ainda estejam sob a lei Mosaica (Gl 3.15-4.7; 2Co 3.7-18). A antiga aliança foi planejada para estar em vigor por um período determinado na história da salvação. Agora que o cumprimento em Cristo se manifestou, não estamos mais sob a aliança que o Senhor instituiu com Israel. Então, é um erro pensar que as leis às quais Israel estava obrigado como nação deveriam servir como paradigma para os estados nacionais atualmente – como defendem os teonomistas em nossos dias. Nós devemos reconhecer, em nossa pregação, a diferença entre Israel como povo de Deus e a igreja de Jesus Cristo. Israel era o povo teocrático de Deus, representando tanto o povo da aliança de Deus como um ente política. Mas a igreja de Jesus Cristo não é um ente político com um código de leis para os estados nacionais. A igreja é composta de pessoas de todo povo, língua, tribo e nação. Uma falha em compreender essa diferença entre a antiga e a nova aliança devastaria nossas congregações.

Se nós não entendermos as diferenças entre a antiga aliança e a nova, teremos dificuldade, por exemplo, em proclamar a conquista da terra em Josué. Certamente, a promessa para a igreja de Jesus Cristo não é que nós possuiremos a terra de Canaã algum dia! Diversamente, ao lermos o Novo Testamento, nós aprendemos que a promessa da terra é entendida tipologicamente e também expandida para um cumprimento final no Novo Testamento. A epístola aos Hebreus explica que o descanso prometido sob Josué nunca foi planejado pra ser o descanso final para o povo de Deus (Hb 3.7-4.13). Paulo explica que a promessa da terra a Abraão não pode ser confinada a Canaã, mas se universaliza para incluir o mundo inteiro (Rm 4.13). Descobrimos em Hebreus que nós, como cristãos, não aguardamos uma cidade terrena, mas uma cidade celestial (Hb 11.10; 14.16; 13.14), uma cidade por vir. Ou, como João coloca em Apocalipse 21-22, nós aguardamos a Jerusalém celestial, a qual não é outra coisa senão uma nova criação. E, outras palavras, se nós pregarmos em Josué e não enfatizarmos a nossa herança em Cristo e a nova criação, então teremos falhado miseravelmente em comunicar o enredo da Escritura na exposição do livro. Teremos truncado a sua mensagem de modo que o nosso povo falhará em ver como toda a Escritura se cumpre em Cristo, e como todas as promessas de Deus são “sim” e “amém” em Cristo Jesus (2Co 1.20).

Se nós pregarmos as Escrituras canonicamente, usando a teologia bíblica, então proclamaremos Cristo tanto a partir do Antigo Testamento como do Novo Testamento. Devemos evitar o perigo, é claro, de fazer alegorias simplistas ou conexões forçadas entre os testamentos. Nós não cairemos em tais erros se tivermos realizado adequadamente o trabalho da teologia bíblica e seguido a hermenêutica dos próprios escritores apostólicos. Os escritores apostólicos, afinal, criam que o Antigo Testamento apontava para Cristo e se cumpria nele. E eles aprenderam essa hermenêutica do próprio Jesus Cristo, no momento em que ele abriu as Escrituras para Cleopas e seu amigo no caminho de Emaús (Lc 24). Sob esse aspecto, alguns têm defendido que a hermenêutica dos apóstolos era inspirada, mas não deveria ser imitada hoje. [2] Tal visão não se sustenta porque sugere que o cumprimento do Antigo Testamento visto pelos apóstolos não confere com o que os textos verdadeiramente significam. Se esse é o caso, as conexões apontadas entre os testamentos são arbitrárias, e os apóstolos (e o próprio Cristo!) não servem como modelos de interpretação do Antigo Testamento hoje.

Se nós cremos, contudo, que os apóstolos foram leitores inspirados e sábios do Antigo Testamento, então nós temos um padrão para lermos todo o Antigo Testamento à luz do cumprimento realizado em Jesus Cristo. O enredo e as estruturas do Antigo Testamento todos apontam para ele e são aperfeiçoados nele. [3] Quando nós lemos sobre a promessa de Abraão no Antigo Testamento, nós percebemos que ela se cumpriu em Cristo Jesus. As sombras dos sacrifícios do Antigo Testamento encontram a sua substância em Cristo. Por exemplo:

  • Festas como a Páscoa, o Pentecostes e os Tabernáculos apontavam para Cristo como o sacrifício pascal, para o dom do Espírito e para Jesus como a Luz do mundo.
  • Os crentes não estão mais obrigados à observância do shabbat, pois ele também era uma das sombras da antiga aliança (Cl 2.16-17; cf. Rm 14.5) e pertence à aliança do Sinai que não está mais em vigor para os crentes (Gl 3.15-4.7; 2Co 3.4-18; Hb 7.11-10.18). O shabbat aponta para o descanso que já começou para nós em Cristo e que será consumado no descanso celestial do último dia (Hb 3.12-4.11).
  • O templo antecipa Cristo como o verdadeiro templo, enquanto a circuncisão é consumada na circuncisão do coração ancorado na cruz de Cristo e protegido pela obra do Espírito.
  • Davi, como rei de Israel e um homem segundo o coração de Deus, não representa o ápice do reino; Davi é um tipo de Jesus Cristo. Cristo, o superior Davi, era impecável. Ele é o rei messiânico que, por meio de seu ministério, morte e ressurreição, inaugurou as promessas que Deus fizera ao seu povo.

Se não pregarmos o Antigo Testamento considerando todo o cânon, nós estaremos nos restringindo a lições morais do Antigo Testamento, ou, o que é igualmente provável, nós raramente pregaremos no Antigo Testamento. Como cristãos, nós sabemos que muito do Antigo Testamento não fala mais diretamente à nossa situação hoje. Por exemplo, Deus não prometeu nos libertar da escravidão política como libertou Israel do Egito. A terra de Israel é politicamente volátil nestes dias, mas os cristãos não creem que a sua alegria virá pelo fato de viverem em Israel, tampouco pensam que a adoração consiste em ir ao templo para oferecer sacrifício. Contudo, se não pregarmos o Antigo Testamento canonicamente, à luz da teologia bíblica, ele frequentemente será negligenciado na pregação cristã. E, ao fazê-lo, nós não apenas nos privamos de maravilhosos tesouros da palavra de Deus, mas também falhamos em ver o caráter profundo e multifacetado da revelação bíblica. Nós nos colocamos em uma posição na qual não lemos o Antigo Testamento do modo como Jesus e os apóstolos faziam, e assim não vemos que as promessas de Deus são “sim” e “amém” em Jesus Cristo.

Ler o Antigo Testamento canonicamente não significa que o Antigo Testamento não seja lido em seu contexto histórico-cultural. A primeira tarefa de todo intérprete é ler o Antigo Testamento em si mesmo, discernindo o significado pretendido pelo autor bíblico ao escrevê-lo.      Além disso, como defendemos acima, cada livro do AT deve ser lido à luz de sua teologia antecedente, de modo que o enredo da Escritura é compreendido. Mas nós também devemos ler toda a Escritura canonicamente, de modo que o Antigo Testamento é lido à luz da história completa – o cumprimento que veio em Jesus Cristo.

Em resumo, nós deveríamos sempre considerar a perspectiva do todo – do autor divino – ao fazer teologia bíblica e ao pregar a Palavra de Deus. Nós deveríamos ler as Escrituras tanto de frente para trás como de trás para frente. Nós deveríamos sempre considerar a história que está se desenvolvendo bem como o fim da história.

Conclusão

A nossa tarefa como pregadores é proclamar todo o conselho de Deus. Nós não cumpriremos o nosso chamado se, como pregadores, nós falharmos em fazer teologia bíblica. Nós podemos receber muitos elogios de nosso povo por nossas lições morais e nossas ilustrações, mas não estamos servindo nossas congregações fielmente se elas não entendem como toda a Escritura aponta para Cristo, e se elas não obtêm de nós um melhor entendimento do enredo da Bíblia. Que Deus nos ajude a sermos mestres e pastores fieis, de modo que cada pessoa sob nossos cuidados seja apresentada perfeita em Cristo.

Notas:

1. Walter Kaiser, Jr., Toward an Exegetical Theology: Biblical Exegesis for Preaching and Teaching (Grand Rapids: Baker, 1981), 134-40.

2. Richard N. Longenecker, Biblical Exegesis in the Apostolic Period (2. ed.; Grand Rapids: Eerdmans, 1999).

3. Sobre a importância da centralidade em Cristo na nossa pregação, ver Graeme Goldsworthy, Preaching the Whole Bible as Christian Scripture: The Application of Biblical Theology to Expository Preaching (Grand Rapids: Eerdmans, 2000); Sidney Greidanus, Preaching Christ from the Old Testament: A Contemporary Hermeneutical Method (Grand Rapids: Eerdmans, 1999); Edmund P. Clowney, Preaching Christ in All of Scripture (Wheaton: Crossway, 2003). [N.T.: Dentre tais obras, apenas o livro de Sidney Greidanus foi publicado em português, pela Editora Cultura Cristã, com o título Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento.]

 

Este artigo foi extraído e adaptado do The Southern Baptist Journal of Theology [Jornal de Teologia Batista do Sul] 10.2 (2006) e é usado com permissão. Thomas Schreiner serve como pastor de pregação na Clifton Baptist Church em Louisville, Kentucky. Ele é também professor de Novo Testamento no Southern Baptist Theological Seminary [Seminário Teológico Batista do Sul] e escreveu Romans [Romanos] (Baker, 1998) e Paul, Apostle of God’s Glory in Christ: A Pauline Theology [Paulo, o Apóstolo da Glória de Deus em Cristo: Uma Teologia Paulina] (InterVarsity, 2001), entre muitos outros títulos.


Autor: Thomas R. Schreiner

Thomas R. Schreiner serve como pastor de pregação na Clifton Baptist Church em Louisville, Kentucky. Ele é também professor de Novo Testamento no Southern Baptist Theological Seminary e escreveu Romans (Baker, 1998) e Paul, Apostle of God’s Glory in Christ: A Pauline Theology (InterVarsity, 2001), entre muitos outros títulos.

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