quarta-feira, 17 de abril

A queda da humanidade: causa (2/5)

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Talvez não exista questão mais difícil a respeito da história da Queda, nem mesmo tão questionada por cristãos e não-cristãos, do que quem ou o que a causou. Por um lado, queremos saber quem é o culpado. Por outro lado, ter certeza de que não somos nós. A Bíblia não nos revela tudo o que gostaríamos de saber sobre a causa da Queda, porém ela esclarece duas coisas que nos desafiam a entender tanto o mundo quanto a nós mesmos.

Primeiro, a Queda foi instigada pela malícia e mentira de Satanás. A Bíblia não nos dá muita informação sobre Satanás, tão somente que ele é um anjo caído, e portanto é, em si mesmo, uma criatura. Ainda que seja um ser sobrenatural e poderoso, ele não é “Deus ao inverso”, como se fosse um gêmeo maligno de Deus. Como criatura, o seu poder é limitado. Porém o seu poder é real, e esse poder foi utilizado de modo devastador no Jardim do Éden. O apóstolo Pedro o descreve como um “leão que ruge procurando alguém para devorar;” (1Pe 5.8). Em Gênesis 3, na primeira aparição de Satanás, nós somos informados de sua sagacidade e esperteza. Nós o testemunhamos mentindo, manipulando e seduzindo com o objetivo de frustrar, se possível, os bons propósitos de Deus, buscando precipitar a queda da humanidade para a morte. Desde o começo, a Bíblia deixa evidente que Satanás é implacavelmente hostil contra Deus e possui ódio sem fim pela humanidade.

Uma das coisas que precisamos entender é que nós não vivemos em um universo espiritualmente neutro. Este mundo e as nossas vidas são um campo de batalha, e não um playground. Como mentiroso que foi desde começo, Satanás nos seduz a pensar que nada está realmente errado, nada que não pudéssemos dar conta por nós mesmos. Ele nos seduz a pensar que somos bem melhores sem Deus, que o nosso supremo bem-estar é servido por buscarmos os nossos próprios desejos e expandirmos a nossa liberdade de qualquer um que nos restrinja a encontrar esses desejos e satisfazê-los. Todavia Satanás estava mentindo naquele dia quando enganou Adão e Eva, e ainda está mentindo. Satanás não deseja a nossa liberdade, mas a nossa escravidão. Ele não deseja o nosso progresso real; a sua intenção real é apressar a nossa morte. Ele deseja nos matar, tanto o corpo quanto à alma, e nos arrastar com ele à sua própria condenação. Ao pregarmos e ensinarmos, nós precisamos expor o falso senso de paz que o mundo oferece – paz através do prazer, da riqueza ou da autonomia. Tal paz não é a paz do Paraíso, mas sim uma paz do necrotério.

Devemos, também, considerar atenciosamente a advertência da Bíblia de que Satanás seduziria até mesmo os eleitos se pudesse. Não são somente não-cristãos que ouvem as mentiras de Satanás. Cristãos também ouvem mentiras: mentiras sobre o evangelho, sobre Deus, sobre o mundo, sobre a igreja e os cristãos com quem temos comunhão, sobre nós mesmos. Nós precisamos treinar os nossos ouvidos, e os ouvidos daqueles que pastoreamos, a ouvir a verdade e agarrar firmemente à sã doutrina. Os nossos ouvidos precisam estar saturados com a Bíblia e as nossas mentes, moldadas pela cosmovisão criada pela Bíblia, de modo que reconheçamos a mentira no exato momento em que é suave e gentilmente suspirada em nossos ouvidos.

Segundo, a Queda não foi instigada somente por Satanás, ela também foi voluntariamente decidida por Adão e Eva. As Escrituras são dolorosamente claras a respeito de quem é o responsável definitivo pelo desastre em que nós nos encontramos. Satanás pode ter mentido, porém ninguém forçou Adão e Eva a comer daquele alimento proibido. É isso que faz do pecado deles tão hediondo e o que o torna responsável por consequências tão duradouras e devastadoras. Você e eu pecamos, em parte, porque é da nossa natureza o pecar. Nós também estamos cercados por um mundo corrupto e corruptível. Contudo, não era assim com Adão e Eva. Eles estavam no meio do Paraíso. Não tinham falta de nada, e tudo à sua volta testificava que Satanás mentia e que Deus era bom e merecia ser confiado. Pela primeira e última vez na história, lá no jardim, humanos pecaram em plena liberdade.

Muitos são tentados a culpar Deus pelo caos em que este mundo está. Eu compreendo esse sentimento. No entanto, precisamos entender que de acordo com as Escrituras essa é mais uma das sutis mentiras de Satanás. Adão e Eva foram criados numa condição em que eram capazes de dizer não ao pecado e à tentação de Satanás. Eles tinham a seu dispor qualquer ajuda ou auxílio natural que alguém quisesse. Eles estavam no Paraíso. Eles tinham um ao outro. Eles tinham um mandamento claro, simples e inequívoco vindo de Deus. Não era complicado entendê-lo. Não, não há nada de vantajoso em tentar virar a mesa e colocar a culpa em Deus. Nós estamos nesse caos porque os melhores exemplares da raça humana que já respiraram neste mundo o tornaram uma completa e total confusão. É somente a arrogância que murmura: “Se eu estivesse lá, eu teria feito agido melhor. Eu teria escolhido diferente.”

Como cristãos essa reflexão deve nos conduzir a um senso de profunda humildade. Frequentemente, somos corretamente acusados de hipócritas e arrogantes. Contudo, nós, de todos, deveríamos saber melhor. Estamos nesse caos porque nós nos colocamos nele. Quando testemunhamos o pecado de alguém, nós sabemos que como disse John Bradford: “Senão pela graça de Deus, prossigo”. A compreensão da Queda deve produzir cristãos humildes.

Em última análise, a Queda resultou dos impulsos idólatras de Adão e Eva. A frase que denuncia esse fato se encontra em Gênesis 3.6: “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu.” Não havia nenhum outro fruto no Jardim que era agradável ao paladar, atraente aos olhos? É óbvio que existia, em todas as árvores. No entanto, Adão e Eva escolheram comer dessa árvore pois creram na mentira de Satanás. Satanás lhes disse: “Se vocês comerem desta árvore, então os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecendo o bem e o mal.” Aqui está a causa da Queda. Não contentes em serem meras criaturas; não contentes em serem superiores à todas as criaturas, governando toda a criação de Deus; não contentes em terem um mero relacionamento com Deus, refletindo para Deus a sua glória, Adão e Eva desejaram ser como Deus. Em outras palavras, Adão e Eva desejaram ser páreos com Deus, e ainda por cima, desejaram que eles mesmos fossem deuses.

A Bíblia chama isso de idolatria: a substituição da criatura pelo Criador como objeto de nossa lealdade, desejo e culto. Não foi o caso de Adão e Eva passarem fome ou necessidade ou carecerem de informação. Simples assim, eles não eram Deus e decidiram que queriam ser. Eles quiseram definir as suas próprias regras, ser a sua própria autoridade e buscar a sua própria glória. Aquele foi um ato de culto a si mesmo, e consequentemente um evidente ato de rebelião total contra Deus, o único que é digno de ser adorado e obedecido.

Assim como Adão e Eva, na maioria das vezes, o alvo do nosso louvor não são as criaturas que existem por aí, mas esta criatura que somos nós. A verdade é que a minha idolatria é centrada em mim mesmo. E tem mais: se eu conseguir persuadi-lo ou oprimi-lo ou manipulá-lo, a minha idolatria incluirá a sua adoração também.

Essa é a razão pela qual o julgamento de Deus ao pecado não é uma reação irracional e exagerada de um pai de cabeça quente. Enquanto considerarmos o pecado como uma mera quebra de regras, nós não iremos nunca compreender a monstruosidade do pecado; a incrível ofensa que ele é para Deus; e a retidão da sua resposta. Fundamentalmente, o pecado não é uma questão de comportamento, ainda que eventualmente ele apareça em nossas ações. Fundamentalmente, o pecado é uma questão de coração, pois, como criaturas caídas, o desejo que nos governa é de remover Deus do seu trono e nos assentarmos nele. Se isso não fosse tão devastadoramente real seria hilário, assim como uma criança brincando de se vestir no armário do pai. Se isso não fosse tão maligno seria patético, assim como Don Quixote atacando um moinho de vento. No entanto, a idolatria não é nem hilária nem patética, pois os seus efeitos são devastadores e as suas consequências são terríveis. O pecado não é uma mera bobagem. Não há mentira mais mortal que Satanás queira que você acredite do que essa.

 

Tradução: Paulo R. de A. Santos
Revisão: Vinicius Musselman


Autor: Michael Lawrence

Michael Lawrence é o pastor principal da Hinson Baptist Church em Portland, Oregon, EUA, e o autor de Biblical Theology in the Life of the Church (publicado em inglês pela editora Crossway, sem tradução em português).

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