O texto abaixo foi extraído do livro Por que a Reforma ainda é importante?, de Michael Reeves e Tim Chester, lançamento da Editora Fiel.
A mensagem reformada de Lutero acerca da salvação somente pela graça não poderia ter parecido mais diferente em comparação com seu antigo ensinamento pré-reformado sobre a salvação pela graça. E foi assim que ele começou a falar: “Não é justo aquele que muito faz, mas aquele que, sem obras, crê muito em Cristo”. Aqui, a graça não trata de Deus construir sobre nossas obras justas ou de nos ajudar a realiza-las. Lutero começava a ver que é Deus quem “justifica os ímpios” (Roma nos 4.5), e não apenas quem reconhece e recompensa aqueles que conseguem tornar-se piedosos. Deus não é quem tem de edificar sobre nossos fundamentos; ele cria a vida para nós. E, em vez de buscar ajuda e, finalmente, depender de si mesmo, Lutero voltava a depender inteiramente de Cristo, em quem toda a justiça é realizada. “A lei diz: ‘faz isso’, e isso nunca é feito. A graça diz: ‘crê nisso’, e tudo já foi feito.”
Aqui, Lutero encontrou uma mensagem tão boa que quase parecia incrível. Era uma boa-nova para o fracasso repetido, notícia de um Deus que vem, não para o justo, mas para os pecadores (Mateus 9.13). Hoje em dia, não existem muitas pessoas que vestem agasalhos e passam a noite em vigília, congelando de frio, para conseguir o favor de Deus. Contudo, no fundo de nosso psiquê, está a presunção de que seremos mais amados quando (e somente quando) nos tornarmos mais atraentes – tanto para Deus como para o próximo. Nisso, Lutero fala palavras que cortam a melancolia como um raio de sol glorioso e totalmente inesperado:
O amor de Deus não encontra, mas cria, aquilo que lhe agrada […]. Em vez de buscar o seu próprio bem, o amor de Deus flui adiante e concede o bem. Portanto, os peca dores são atraentes porque são amados; não são amados por serem atraentes.
Segundo o pensamento da Reforma, a graça não era mais vista como uma espécie de energético espiritual. Era mais como um casamento. De fato, quando Lutero procurou explanar, de início, sua descoberta reformada em mais detalhes para o mundo, contou a história de um casamento como pano de fundo do que disse. Apoiando-se no romance do amante e de sua amada em Cantares de Salomão (especialmente em 2.16, “Meu amado é meu, e eu sou do meu amado”), contou o evangelho como a história do “Cristo, noivo rico e divino” que “se casa com a pobre e perversa meretriz, redimindo-a de todo mal e adornando-a com toda a sua bondade”. No casamento, ocorre uma troca maravilhosa na qual o rei assume toda a vergonha e a dívida de sua noiva, e a meretriz recebe toda a riqueza e todo o status real de seu noivo, pois, para Jesus e para a alma unida a ele pela fé, funciona assim:
Cristo está cheio de graça, vida e salvação. A alma está cheia de pecado, morte e condenação. Agora que a fé venha entre eles e os pecados, morte, e a condenação serão de Cristo, enquanto graça, vida e salvação serão da alma, pois se Cristo é o noivo, ele toma sobre si as coisas que são da noiva, e concede sobre ela aquilo que é dele. Se ele lhe dá o seu corpo e seu próprio ser, como não dará também tudo que pertence a ele? E se ele toma o corpo da noiva, como ele não tomará também tudo que é dela?
Na história, a prostituta descobre que foi feita rainha. Isso não quer dizer que ela sempre se comporte como condiz a uma rainha, mas, qualquer que seja seu comportamento, seu status é a realeza. Ela agora é a rainha. Assim também ocorre com o crente: ele permanece como pecador e continua a tropeçar e vaguear, mas tem o status justo de seu noivo perfeito e real. É – e até a mor te permanecerá assim – ao mesmo tempo totalmente justo (em seu status diante de Deus) e pecador (em seu comportamento). Isso quer dizer que é simplesmente errado o crente olhar aquele comportamento como medida acurada de sua justiça diante de Deus. Seu comportamento e seu status são distintos. A prostituta se tornará mais semelhante a uma rainha quando for viver com o rei e sentir segurança em seu amor, mas nunca se tornará mais rainha do que já é. Assim também o crente crescerá mais em semelhança com Cristo com o passar do tempo, mas nunca será mais justo. Portanto, por causa de Cristo, e não devido a seu desempenho, o pecador pode conhecer uma confiança que esmaga qualquer desespero.
Seus pecados já não podem mais destruí-la, pois foram colocados sobre Cristo e absorvidos por ele. Ela possui essa justiça em Cristo, seu esposo, da qual pode jactar-se como dela e, com confiança, exibir seus pecados na face da morte e do inferno, dizendo: “Se eu pequei, ainda meu Cristo, em quem creio, não pecou, e tudo que é dele é meu, e tudo que é meu é dele.
Para o resto da vida, Lutero levou essa mensagem como uma boa-nova que precisa ser continuamente reaplicada ao coração do crente. De sua própria experiência, descobriu que somos tão instintivamente auto dependentes que, enquanto nos subscrevemos, felizes, à salvação pela graça, nossa mente é como uma pedra puxada para baixo pelo empuxo gravitacional do pecado, para longe da fé, somente na graça. Assim, ele aconselhava seu amigo conforme segue:
Eles tentam, por si mesmos, fazer o bem, a fim de se encontrar de pé diante de Deus, revestidos de suas próprias virtudes e méritos. Mas isso é impossível, ou melhor, um erro. Assim estava eu, e ainda estou lutando contra o erro sem tê-lo conquistado.
Portanto, meu querido irmão, aprenda Cristo e a ele crucificado. Aprenda a orar para ele e, sem esperar em si mesmo, diga: “Tu, Senhor Jesus, és minha justiça, mas eu sou o teu pecado. Tu tens tomando sobre ti o que é meu e deste a mim o que é teu. Tu tomaste sobre ti o que não eras e me deste aquilo que eu não era.”