domingo, 15 de dezembro
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Os dois construtores e as duas casas

Em Mateus 7.24-27 Jesus profere uma parábola. A parábola dos dois construtores.

Esse texto fala de dois construtores, duas casas e de uma forte chuva, que se lança contra as casas construídas.

Para nós que vivemos no Brasil e estamos agora no início do ano, não é preciso uma imaginação muito fértil para compreender os efeitos de uma chuva caudalosa em edifícios frágeis. São Paulo sofre todos os anos com as chuvas, que castigam as casas mal construídas e deixam muita gente desabrigada. Nos últimos anos, ouvimos falar sobre tragédias muito tristes que aconteceram em Angra dos Reis, em Teresópolis e na região montanhosa do Rio de Janeiro.

Essa parábola foi o encerramento do famoso sermão da montanha, que está registrado em Mateus, do capítulo 5 ao 7. Neste famoso sermão, encontramos os principais ensinos éticos de Jesus.

Esse sermão foi proferido por Jesus em um monte ao norte de Israel, durante o período de seu ministério na região da Galiléia.

Neste ponto de seu sermão, ele conta a história de dois homens que resolveram construir para si uma casa.

O que significa uma casa? O que ela representa?                                                 

Algumas ideias imediatas vêm à mente:

Abrigo: É o lugar onde nos protegemos do frio, do calor, da chuva, do vento, de intrusos. Nossa casa é nosso abrigo.

Segurança: Também é o lugar onde nos sentimos protegidos; onde guardamos nossos bens, onde colocamos as coisas que gostamos;

Lar: “Não há lugar como o lar” é uma frase famosa e que foi proferida pela jovem atriz Judy Garland no final do filme de 1939, “O Mágico de Oz”, no qual ela interpretava a órfã Dorothy Gale. Essa frase era a chave para que ela voltasse ao lugar que representava seu reduto; sua segurança. A casa é um lar. É onde nossas histórias se desenvolvem e onde nossa memória mais remota se estabelece. Ao fim de um dia agitado ou de uma longa viagem, tudo o que queremos é voltar para casa. Quando sofremos uma enfermidade ou um acidente, o que queremos é voltar para casa. A casa exerce essa força sobre nós. Ela é o nosso reduto.

Nesse texto temos a história de dois homens que construíram uma casa para si e para suas famílias. Podemos inferir que ambos os homens tinham o mesmo propósito e que eram, inclusive, semelhantes. Não há muito, externamente, que possa distinguir esses dois homens.

A Construção:

Jesus também nos diz que ambos trabalharam para construir uma casa.

O processo de construção de uma casa é longo e, muitas vezes, difícil. Envolve planejamento, tempo, dedicação, diligência, dinheiro e muito, muito trabalho. O texto dá a entender que eles mesmos construíram a sua.  Certamente tinham sonhos, aspirações e propósitos com sua casa.

A Casa:

O texto também nos sugere que as casas eram bem semelhantes e que foram construídas provavelmente vizinhas uma da outra. Afinal, ambas passaram pelo mesmo evento de enchente, o que indica sua proximidade. Isso sugere que, olhando de fora, elas eram muito parecidas e não se podia fazer distinção uma da outra.

Os Alicerces:

Aqui parece que chegamos no âmago do ensino de Jesus sobre as casas e os construtores.

Na Palestina do primeiro século, a região do mar da Galiléia era bem arenosa, mas, no verão, esse chão de areia era muito firme, muito sólido.

O texto nos diz que um dos construtores construiu sua casa neste solo duro, sem alicerces profundos.

O outro homem, porém, cavou uma profunda vala, até chegar a um terreno rochoso, e então ele construiu sua casa.

A Tempestade:

Veio uma tempestade de vento e chuva; os rios transbordaram; houve enchente e ela se arremeteu contra ambas as casas. Uma ficou de pé e a outra foi arruinada.

Tempestades assim não eram um assunto estranho para os ouvintes de Jesus. Era comum que chuvas fortes transformassem uades e córregos secos em correntes fortíssimas, que arrasavam o que estava pelo caminho. Esses eventos da criação tinham o poder de causar muita apreensão e medo – especialmente no homem pré- guerra nuclear. Vale lembrar que foi através da fúria de uma tempestade que Deus trouxe destruição ao mundo. Essa linguagem era muito vívida e forte no imaginário do ouvinte de Jesus – ele entendia o que isso significava.

Vamos agora entender o que Jesus quer mostrar com sua parábola:

  1. Jesus não estava fazendo distinção entre o pagão e o cristão. Sua palavra foi dirigida para pessoas religiosas – para seus discípulos e para os judeus, os filhos da aliança. Jesus falava com o homem que frequentava a sinagoga, que levava seu sacrifício ao templo, que migrava para Jerusalém durante as festas, enfim, para o homem religioso. Os construtores do texto são homens que expressam publicamente sua fé.Pensando em nossa própria realidade, podemos dizer que Jesus estava falando com o homem que frequenta a igreja. Que gosta da ética cristã, que gosta do ambiente cristão, de seus valores, de sua mensagem.

    Sua casa é sua vida, é sua trajetória, suas escolhas, seus caminhos, seus desejos e aspirações.

    Não dá para distinguir, num primeiro momento, a casa do construtor sábio da casa do construtor imprudente, insensato. Elas são muito semelhantes, estão perto uma da outra – no mesmo lugar e sujeitas aos mesmos problemas.

  2. Jesus ensina, todavia, que um homem é sábio e o outro é insensato.A Escritura tem muito a dizer sobre a sabedoria.

    Diz que o princípio da sabedoria é o temor do Senhor. O Salmo 111.10 diz que “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, revelam prudência todos os que o praticam.” Provérbios 1.7 afirma a mesma coisa quando diz que “o temor do SENHOR é o princípio do saber”, e, em 9.10, ele repete a mesma ideia, dizendo: O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência.

    O ponto é que, tanto nos inúmeros provérbios que falam da sabedoria, como neste ensino do Senhor Jesus, a sabedoria está relacionada com a obediência à vontade de Deus, com a prática da ética ensinada pelo Senhor Jesus, com a conduta de seus ouvintes.

    O termo sábio neste texto “phronimos” representa aqueles que praticam as palavras de Jesus; aqueles que constroem suas casas para que resistam a qualquer coisa – qualquer baque, qualquer impacto.

    O insensato não é assim.

    A Escritura também tem muito a falar sobre o insensato.

    Provérbios 12.15 diz que “O caminho do insensato aos seus próprios olhos parece reto…”, diz também o sábio que “no juízo, a boca do insensato não terá palavra” (Pv. 24.7).

    O insensato é precipitado. É ávido por resultados. Dá valor às aparências. Ele se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo. Seus princípios são rasos e sua vontade é fraca. O insensato sabe, mas não conhece. Ouve, mas não entende. Quer, mas não se esforça. Vivemos tempos em que há muitos insensatos. Homens querem frutos, mas não querem arar, semear e plantar, regar, proteger e ceifar.

    Os que parecem ter fé em Jesus, mas exibem apenas aqueles sinais externos de religiosidade – aquilo os satisfaz ou satisfaz algum senso de culpa ou de relação de troca com Deus – esses não têm estrutura para suportar as tempestades da vida. A casa sem estrutura não pode enganar a Deus.

  3. A tempestade: Jesus fala das tempestades.Aqui podemos interpretar como dois tipos de tempestades possíveis.
  4. Pode ser as tempestades da vida: enfermidades, pobreza, fracassos, frustrações, problemas (no trabalho, na família, na própria vida), dramas pessoais, crises existenciais, depressões, tristezas, aflições, temores, tragédias, morte. Esses ventos, essas enchentes, podem chegar na vida do homem – e note, ela chega e se arremete contra as duas casas. A casa do homem insensato e a do homem sábio também. Ambos estão sujeitos às tempestades da vida; ambos estão sujeitos a problemas sérios.Devemos estar atentos ao fato de que Jesus dedica boa parte de seu ensino para demonstrar que muitos de seus discípulos passariam por aflições. Todavia o cristão é afligido, mas resiste – como bem disse o apóstolo Paulo: “Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos“. (2 Co 4.8).
  5. Há também nas palavras de Jesus, no alerta que ele fez sobre a vinda de tempestades, a ideia escatológica da tempestade final, daquela que colocará à prova a qualidade de construções dos homens e o caráter do construtor. Aquela tempestade final, que será trazida pelo SENHOR e que revelará a força de nossas estruturas. O apóstolo Paulo lembra desse dia terrível, com as seguintes palavras: “O Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus… estais inteirados de que o Dia do Senhor vem como ladrão na noite. Quando andarem dizendo Paz e segurança, eis que lhes sobrevirá repentina destruição, como vêm as dores de parto para a que está para dar a luz; e de modo nenhum escaparão. Mas irmãos, não estais em trevas, para que esse dia como ladrão nos apanhe de surpresa.“Qual casa ficará firme nesse dia final?
  6. Os alicerces: Jesus fala finalmente dos alicerces. A diferença da construção está nos alicerces. A diferença do construtor está em quão fundo ele cavou para fazer a base de sua vida – de sua casa. O apóstolo Paulo lembra à igreja em Corinto que Jesus deve ser o alicerce da vida do cristão. Ele diz: “Segundo a graça que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor (…), porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.

Conclusão:

O sermão do monte é um chamado para aplicarmos o espírito da lei de Deus em nossas vidas. O princípio que dá forma à lei, e sua aplicação, é o que o Senhor Jesus ensina neste sermão, com suas instruções e alertas. Ele foi dirigido aos discípulos de Jesus e ele demonstra, especialmente na parte final de seu sermão, que só quem é discípulo, quem é sal e luz, quem pode chamar a Deus de “Pai nosso” é que está apto para obedecer às exortações do sermão do monte.

É possível admirar a ética e a sabedoria do sermão da montanha, mas é preciso atender ao seu chamado de submissão e obediência.

Esse texto trata do senhorio de Cristo na vida do cristão. Se Cristo é o nosso Senhor, ouvimos à sua voz. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz e me seguem”. Trata também de obediência. A entrada no reino tem a ver com obediência – não a obediência que conquista méritos e favor diante de Deus,pois isso é impossível – mas aquela obediência que curva-se ao senhorio de Cristo e é resultado da regeneração promovida pelo Espírito de Deus no coração do homem.

Nesse texto, Jesus chama seus ouvintes a avaliar suas vidas – suas construções. A avaliar seus alicerces, se estão cravados em uma rocha sólida, capaz de fazê-los resistir às tempestades.


Autor: Tiago Santos

Tiago Santos é Diretor Executivo do Ministério Fiel, um dos pastores da Igreja Batista da Graça e co-fundador e diretor do programa de estudos avançados no Seminário Martin Bucer. É bacharel em direito pela Universidade do Vale do Paraíba e estudou teologia no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e na Universidade Luterana do Brasil. Casado com Elaine e pai de três filhos: Tiago, Gabriel e Rebeca.

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