Ao ler Lucas 15, é fácil esquecer o contexto, especialmente ao ler a parábola do filho pródigo. O capítulo começa com os fariseus e os escribas criticando Jesus por comer com publicanos e pecadores (versículos 1-2). A comunhão à mesa de Jesus com os pecadores significa o evangelho da graça. Todos aqueles que se convertem dos seus pecados e colocam sua fé em Deus desfrutarão do banquete messiânico para sempre. Jesus conta aos seus oponentes três parábolas para defender a sua comunhão à mesa com os pecadores: a parábola da ovelha perdida (versículos 3-7), a parábola da dracma perdida (versículos 8-10) e o que eu chamo de a parábola dos dois filhos perdidos (versículos 11-32). Ao abordar os fariseus e os escribas através de parábolas, Jesus lhes dá uma direção indireta. Ele não os critica diretamente por suas atitudes de justiça própria e falta de amor. Em vez disso, ele subverte o entendimento próprio deles por meio das parábolas para que compreendam o amor de Deus e vejam a si próprios no filho mais velho que crê na sua própria justiça.
A parábola da ovelha perdida relata a história do universo do homem (versículos 3-7). Se um pastor perde uma das suas cem ovelhas, ele a procura até encontrá-la. Ao encontrar a ovelha perdida, “reúne os amigos e vizinhos”, convocando-os para se alegrar com ele (versículo 6). A alegria terrena de encontrar uma ovelha perdida reflete a alegria no céu por um pecador que se arrepende. Uma vez que os fariseus e os escribas não estavam alegres, mas sim resmungando sobre a comunhão à mesa de Jesus com os pecadores, eles não estavam refletindo a atitude de Deus diante daqueles que se arrependem.
A próxima parábola aborda o mundo das mulheres (versículos 8-10). Se uma mulher perde uma de suas dez moedas de prata, ela procura diligentemente até encontrá-la. Quando a moeda é achada, ela reúne suas amigas e vizinhas para comemorar. Da mesma forma, os anjos no céu estão cheios de alegria quando um pecador se arrepende. Tanto essa parábola quanto a anterior refletem o caráter de Deus. Ele busca os pecadores, chamando-os e convidando-os a se converterem de seus pecados e viverem. Pensamos em Ezequiel 18:23: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? – diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?”. Da mesma forma, Romanos 10:21 diz que Deus estende as mãos para aqueles que se rebelaram contra ele, pedindo-lhes para voltar. Os fariseus e os escribas não refletem o caráter de Deus. Ao invés de desejar o arrependimento dos pecadores, eles resmungam e reclamam da conversão dos pecadores.
A última, a mais longa e a mais famosa parábola do capítulo é a parábola dos dois filhos perdidos (versículos 11-32). O filho mais novo, o filho pródigo, representa todos os pecadores. Ele não teve nenhum respeito por seu pai, pedindo sua herança mesmo antes de seu pai morrer. Sua “viagem para uma terra distante” simboliza o estilo de vida de pecadores, pois eles vagavam longe do amor de Deus. Como o filho mais novo, os pecadores perdidos de forma imprudente buscaram uma vida de perversidade. No entanto, a fome mudou tudo ao redor do filho pródigo, o que indica que os prazeres do pecado são efêmeros e temporários. O desespero tomou conta dele. Ele aceitou qualquer trabalho que pôde conseguir e trabalhou na alimentação de suínos. A comida era tão escassa que ele desejava comer o que era dado aos porcos. A ironia não passou despercebida para os ouvintes de Jesus. Os porcos eram animais considerados imundos e, ainda assim, o homem foi forçado a trabalhar entre eles, e chegou ao nível mais baixo, pois ele daria qualquer coisa para ter a comida daqueles porcos. Trabalhar entre os porcos imundos também reflete a vida das pessoas designadas como pecadores pelos fariseus. Eles eram impuros e contaminados, uma vez que violaram a Torá – a lei de Moisés – e não seguiam as normas de pureza.
O filho pródigo, no entanto, caiu em si, percebendo que poderia ao menos ter o suficiente para comer, se ele trabalhasse como servo de seu pai. No entanto, ele também sabia que não podia se aproximar de seu pai sem admitir seus pecados. Seu arrependimento não foi encenado ou superficial. Ele reconheceu que havia pecado contra Deus e seu pai, e que ele não tinha direito (como alguém que tinha perdido a sua herança) de ser filho de seu pai, e pediu apenas para viver como um dos seus servos. Decidido em seu coração, ele retornou ao seu pai, à espera de ser repreendido por seu jeito esbanjador. Seu pai, no entanto, não censurou ou repreendeu seu filho, mas correu e abraçou-o, beijando-o. Não era digno que os pais corressem naquela época, mas o pai não se importava com o seu status, pois o seu coração estava cheio de misericórdia disponível para o seu filho rebelde.
O filho começou a contar os seus pecados, mas o pai o interrompeu no meio do caminho. O pai sabia que o seu filho estava profundamente arrependido. Ele não fez do filho um servo, mas deu a ele a melhor roupa, um anel e sapatos. Além disso, deu um banquete, matando um novilho gordo para a comemoração. O pai explicou o porquê: “porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (versículo 24). Claramente, o pai representa Deus na história, e o filho pródigo simboliza os pecadores. Jesus, em seu ministério, reflete o caráter e os propósitos de Deus, pois ele acolhe com compaixão os pecadores que se arrependem e se voltam para o Senhor. A parábola, é claro, não é abrangente. Os liberais, por vezes, dizem que o perdão pode ser concedido além da cruz com base nesta parábola. É uma falha hermenêutica exigir que uma parábola nos ensine tudo sobre soteriologia. Na verdade, a parábola é parte da história do evangelho de Lucas, que termina com a morte e a ressurreição de Jesus. É com base na sua morte expiatória e ressurreição que o perdão é oferecido a todos os pecadores.
A festa começou com o retorno do filho mais novo. Enquanto isso, o filho mais velho estava trabalhando na propriedade, sem saber do retorno do filho mais novo. Quando ele se aproximou da casa, era evidente que uma festa estava acontecendo. A música e a dança pulsavam de dentro da casa. Ao perguntar para um servo sobre o que estava acontecendo, ele descobriu que seu pai estava dando uma festa e matou um novilho gordo, porque seu filho mais novo havia voltado em segurança.
O filho mais velho não reagiu com alegria, mas com raiva. Ele ficou ressentido e amargurado que seu pai estava dando uma festa para o “seu irmão devasso”. Mas o pai também amava o filho mais velho, o qual, com teimosia, recusou-se a ir à festa. O pai insistiu com ele que participasse da comemoração.
O filho mais velho, porém, foi mal-humorado, amargurado e confiante em sua própria justiça, dizendo que nunca havia transgredido a vontade do pai e, ainda assim, o pai nunca havia dado uma festa para ele. Os fariseus e os escribas tinham o mesmo senso de justiça, pois eles estavam convencidos de que eles eram a minoria moral de cumpridores da lei, e agora Jesus estava se associando aos publicanos e pecadores. Eles não achavam que a comunhão com Deus era um dom da graça, mas algo que ganhavam por sua piedade e obediência (ler Lucas 18:9-14).
O filho mais velho, portanto, explodiu com veneno em direção a seu pai, exclamando: “vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado” (versículo 30). Ele não podia sequer suportar o reconhecimento de que o filho mais novo era seu irmão. Ele era simplesmente “esse teu filho”. Ele não queria ter nada a ver com o filho mais novo, descartando-o como uma desgraça total, visto que ele havia desperdiçado a riqueza do pai e andado com prostitutas. Aqui vemos a atitude dos fariseus e dos escribas em relação aos pecadores de fama duvidosa a quem Jesus recebia. Eles os desprezavam e difamavam, vendo-os como indignos de uma segunda ou terceira chance. Eles não acreditavam em arrependimento, perdão, compaixão e achavam que nenhuma festa deveria ser dada àqueles que viveram perversamente.
Porém, o pai da parábola também amava o filho mais velho, lembrando-lhe que toda a sua riqueza e propriedade estavam à sua disposição. O filho mais velho precisava reorientar o seu pensamento. Ele precisava ver que eles tinham algo para comemorar. O pai lembrou-lhe que o filho mais novo era seu irmão (“esse teu irmão”, versículo 32).
Tinha que haver uma festa, porque aquele que estava morto espiritualmente havia encontrado a vida. Aquele que estava perdido, agora havia sido encontrado. Os pecadores vieram para a festa, porque o Pastor os havia encontrado. O pai também estava convidando o filho mais velho para a festa, suplicando-lhe para entrar. Será que o irmão mais velho reconheceria sua justiça própria, arrogância e falta de amor, e viria para a festa, ou ele continuaria a recusar o convite por causa de sua teimosia e coração duro? A parábola termina com um convite para o irmão mais velho vir à festa. Da mesma forma, Jesus estava convidando os fariseus, os escribas e os pecadores para responderem ao amor de Deus em Cristo.