Por que o evangelho da prosperidade prosperou? Qualquer um envolvido no ministério hoje está ciente do quão difundido é esse novo ensino. Ele alcançou quase todas as nações. Eu fiquei surpreso ao encontrá-lo até mesmo em Cuba, em uma de minhas muitas viagens para a ilha caribenha.
Por que essa heresia? E por que agora?
Seria fácil dizer que a propagação do evangelho da prosperidade é simplesmente o resultado de uma falta de conhecimento bíblico, e certamente ninguém pode negar isso. O movimento interpreta erroneamente a Escritura, seletivamente se utiliza de textos bíblicos negligenciando outros, perdendo a visão balanceada do completo conselho de Deus sobre a saúde e a riqueza. Em uma era em que muitos mestres da Palavra não estão pregando expositivamente, todo tipo de heresia tende a surgir.
Mas duas perguntas permanecem: por que essa heresia? E por que agora? Eu sugeriria que há profundas raízes malignas nos corações das pessoas e fortes ideias seculares no coração da nossa sociedade — e até mesmo na igreja — que servem como fertilizantes para essa semente nociva.
1. Do meu jeito!
Primeiro, criaturas caídas desejam ser independentes de Deus. Se você pensar bem, a mensagem da antiga serpente era uma versão do evangelho da prosperidade. O que Satanás poderia oferecer a um casal que havia recebido o planeta inteiro para usar e dominar? Nada! Bom, nada material. Mas o mais astuto dos animais da terra ainda tinha uma carta na manga… prosperidade espiritual: “Sereis como Deus” (Gn 3.5). Satanás ofereceu uma maneira de eles aprimorarem sua já abençoada condição, algo conquistável independentemente do Criador, para que eles pudessem dizer: “Eu fiz do meu jeito”.
Hoje, Satanás oferece prosperidade material para criaturas caídas e destituídas: “Você pode ser mais rico”. E você pode fazer isso do seu jeito, agora mesmo. A desobediência inicial do primeiro casal e a subsequente desobediência de seus descendentes, parece ser um clamor de independência do seu Criador.
Satanás sabe bem como explorar esse aspecto da nossa humanidade. Ele encontrou Cristo no deserto após ter Cristo deixado para trás a sua glória, seus direitos como a segunda pessoa da Trindade, e após tomar sobre si a fraqueza da carne humana. Nessa condição, o que a antiga serpente ofereceu a ele? “Riquezas, glória, poder possível de ser conquistado do seu jeito, Jesus, e aqui mesmo. Você não tem que esperar, você não tem que trabalhar por isso, você não tem que sofrer para obter os reinos deste mundo, e você não tem que depender do seu Pai. Apenas me adore, Jesus!” O Filho de Deus resistiu, mas a humanidade repetidas vezes se curva a mamon. O homem caído pensa que dinheiro é a fonte de felicidade, poder, conforto e até mesmo saúde. Talvez seja por isso que Gordon Fee diga que “De fato, a teologia nesse novo ‘evangelho” parece muito mais adequada ao “Sonho Americano” do que o ensino daquele que não tinha ‘lugar para repousar a cabeça’”.[1]
A fome por independência (Gn 3.1-7), a fome por riquezas (Js 7.16-21), a fome por imortalidade (Ec 3.11) e a impaciência da criatura (1Sm 13.8-15) tornam o homem especialmente suscetível a esse tipo de evangelho herético. Como podemos ver, as ofertas de Satanás naquela época e agora são similares em seu conteúdo, mas ele é um mestre em mudar o embrulho de seus “presentes”.
2. Narcisismo e a cultura do direito
Abordamosa natureza do coração humano, e agora vamos lidar com o coração da nossa geração. Narcisismo é um termo que muitos usam para descrever pessoas cuja busca na vida é a autogratificação à qual elas sentem ter direito. De fato, toda a indústria de marketing é dominada por este sentimento: “Você merece o luxo deste carro”; “Cuide de você mesmo, porque ninguém mais vai cuidar”; “Você merece férias em um resort”, e centenas de outras frases similares. Se as pessoas estão dispostas a acreditar em tais mentiras, imagine como elas se sentem quando ouvem um pastor pregando que Deus quer que você seja rico e saudável, ou que você deveria ter o melhor que a vida pode te proporcionar agora. Membros dessa cultura do direito podem concluir que até mesmo Deus acredita que nós merecemos riquezas e saúde incondicionais. Então o crente não se aproxima de Deus com um coração humilde e contrito, buscando a sua graça, mas com uma postura orgulhosa, esperando as bênçãos merecidas.
Houve um tempo em que até mesmo a população em geral no ocidente confiava na providência de Deus para orquestrar a história e até prover para o povo. Mas a cultura hoje não é essa. Agora sentimos que devemos ter o que quisermos e quando quisermos, porque é meu direito constitucional ser feliz. Se o governo não pode prover isso, então outros deveriam. E se eles não podem, então o Deus que me criou deveria ser esse fornecedor. Alguns até mesmo se iram com Deus por não fornecer o que eles desejam. Ravi Zacharias escreve: “Nós estamos vivendo em um tempo em que a máxima de G.K. Chesterton provou ser verdadeira. A insignificância não vem de fatigar-se da dor, mas de fatigar-se do prazer. Nós nos exaurimos nesta cultura indulgente”.[2]
3. Ceticismo e pragmatismo
Ao mesmo tempo em que essa cultura de direito surgiu, o movimento pós-moderno das últimas décadas produziu um vácuo da verdade, lançando fora os absolutos. Na ausência da verdade, as pessoas começaram a ficar cada vez mais céticas e, portanto, mais pragmáticas. Muitos pregadores abraçaram essa mentalidade. Em vez de nos chamarem para seguir Jesus como a Verdade, o Caminho e a Vida, eles proclamam um pragmático evangelho do “como fazer” que nos diz como resolver os nossos problemas, especialmente aqueles relacionados às finanças e enfermidades.
Quando o pragmatismo invade o púlpito, a exposição é colocada de lado e a ignorância bíblica se torna seu fruto. Agora as ovelhas se tornam mais vulneráveis a todo tipo de mentira. O pragmatismo tem por alvo o homem e a sua vida conveniente; já a exposição da Palavra tem por alvo Deus e a sua glória.
Leia atentamente o que Joseph Haroutunian, um teólogo presbiteriano do passado recente (1904-1968), disse: “Antes, a religião era teocêntrica. Antes, o que quer que não conduzisse à glória de Deus, era infinitamente mau; agora o que não conduz à felicidade do homem é mau, injusto e impossível de atribuir à Deidade. Antes, o bem do homem consistia, em última análise, em glorificar a Deus; agora, a glória de Deus consiste no bem do homem”.[3] A nossa sociedade se tornou utilitária até o âmago.
Ora, de algumas maneiras isso não é novo, visto que não há pecados novos debaixo do céu. Mas a remoção da sociedade de certas limitações como pudor, culpa e dever, deixou o campo aberto para tais tendências do coração humano correrem soltas. Para uma geração tão egocêntrica e gananciosa como a nossa, o evangelho da prosperidade é a receita certa.
Quando os membros desta sociedade se convertem, eles precisam de uma transformação total de cosmovisão que só o evangelho pode fornecer. Infelizmente, muitos pregadores concluíram que não-cristãos hoje não ouviriam o evangelho de Cristo com todas as suas demandas. “Quem iria querer ouvir uma mensagem sobre o custo do discipulado?” eles pensam. “Quem quer ouvir sobre o fato de que neste mundo você terá tribulações?” O verdadeiro evangelho foi substituído por um que seria mais apropriado para a nossa geração: um evangelho de riquezas, saúde e felicidade. E muitas pessoas estão comprando o “evangelho” que esses pregadores estão vendendo.
4. Uma maior distribuição de riquezas
Em 1999, Angus Maddison, professor emérito na Groningen University, publicou um artigo intitulado “Poor until 1820” (Pobres até 1820, em tradução livre), no qual explicou que “após a queda do Império Romano, o ocidente entrou em uma recessão que durou cerca de um milênio. Após a Revolução Industrial, devido à produção em massa, a renda per capita começou a crescer regularmente”.[4] Isso é verdade até mesmo para o continente africano, embora em um grau menor. Conforme esperado, maior renda criou maior demanda. Conforme a produção crescia, cresciam também as alternativas para satisfazer o gosto e as preferências das pessoas.
Isso sem dúvida fomentou o materialismo. Novamente, as estratégias de marketing foram projetadas para vender produtos baseando-se na satisfação que eles trariam ao consumidor. Portanto, quanto mais eu possuísse, mais feliz eu seria. Mas eu preciso de dinheiro para comprar os produtos que eu quero, e se o dinheiro pode ser provido por Deus através do evangelho da prosperidade, então eu não seria apenas rico, mas também me sentiria abençoado. “Por que não?” muitos perguntariam. Afinal, nós somos filhos do Rei, portanto merecemos viver como seus príncipes. Qualquer um familiarizado com a pregação da prosperidade já ouviu essa fala comum.
Como Salomão teria testificado, maior renda nem sempre resulta em maior satisfação, mas apenas em possessão de mais coisas. Contudo, muitas pessoas não concluem que coisas não podem trazer felicidade. Em vez disso, pensam que o problema se deve ao fato delas não possuírem o suficiente do que quer que desejam. Eis aqui o conselho de Salomão para aqueles que ainda não estão convencidos:
Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade. Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos? Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir. (Ec 5.10-12)
Imagine viver em um bairro muito carente, vendo gente rica vivendo de um jeito muito diferente do seu. A conclusão no passado era: “Eu preciso trabalhar mais para que, um dia, eu possa viver daquele jeito”. Hoje, muitos desejariam o mesmo sonho, e eles desejam alcançá-lo com mais facilidade. A maior distribuição de renda não produziu uma melhor ética de trabalho, mas simplesmente um apetite maior por mais.
O ´Sonho Americano´ em Exposição
Toda heresia nasce em algum lugar. O evangelho da prosperidade nasceu nos Estados Unidos, e há algo na história desse país que ajudou a promover esse movimento. Em seu livro de 1931 The Epic of America (A Epopéia Americana, em tradução livre), James Truslow Adams afirmou que o Sonho Americano é “aquele sonho de uma terra em que a vida seria melhor, mais rica e mais plena para todos, com oportunidades para todos de acordo com as suas habilidades ou conquistas”.[5] Essa ética nacional criou uma nação próspera.
Anos atrás, as pessoas ouviam falar da prosperidade nos Estados Unidos e queriam vir e ver essa prosperidade, assim como a rainha de Sabá queria ver o reino de Salomão (1 Reis 10). Hoje, você não tem que vir aos Estados Unidos para ver a prosperidade, você pode simplesmente ligar a sua televisão, não importa em qual distante ou pobre lugar você viva. O programa de televisão “Lifestyles of the Rich and Famous” (O Estilo de Vida dos Ricos e Famosos, em tradução livre) se tornou muito popular, não apenas nos Estados Unidos, mas também fora deles; não apenas por causa da curiosidade, mas porque ele deu às pessoas a capacidade de sonhar por um momento.
Países poderosos exportam muitos produtos, mas também exportam as suas crenças e culturas. E em nossa época, nós exportamos até mesmo o evangelho da verdade e o evangelho do engano ao mesmo tempo através dos mesmos canais. Desde quando os Estados Unidos se tornaram uma nação rica, onde todos parecem prosperar, qualquer mensagem que vem de lá deve ser verdadeira, especialmente essa mensagem de prosperidade. Essa é a mentalidade de muitos na América Latina, e suspeito que em muitos outros lugares também.
Infelizmente, quando as pessoas assistem à televisão, elas não apenas sonham em ter um estilo de vida com o qual elas não podem arcar, mas se tornam mais gananciosas. A ganância é uma característica do coração que obscurece o entendimento e escraviza a vontade. Quando tal mente é exposta ao evangelho da prosperidade, ele encontra solo fértil para essa semente maligna. Os produtores conhecem o efeito da televisão nas vidas das pessoas, então eles gastam grandes somas de dinheiro para nos servir de imagens. Os produtores sabem disso muito bem; os consumidores não. Se um membro de igreja adota os mesmos hábitos televisivos de uma pessoa na rua, no final ele pode acabar se parecendo mais com um pagão do que com um cristão. Isso pode ajudar a explicar o motivo de até crentes legítimos terem sido capturados por tais falsos mestres.
Quer ouçam, quer deixem de ouvir
O evangelho da prosperidade é o resultado dos desejos de um coração caído, que vive no meio da abundância, em uma cultura que reivindica o “eu primeiro”, que valoriza o conforto, os bens materiais e escolhas, em busca de desfrutar a vida aqui e agora. Uma vez que esse “evangelho” (que não é evangelho algum) nasceu, foi facilmente disseminado devido à globalização. Todos os meios de comunicação e de transporte foram usados para carregar as boas novas e essas más novas. Hoje temos que dizer não apenas que ideias têm consequências, mas também que ideias viajam rapidamente. Também precisamos lembrar que é mais fácil disseminar uma mentira do que desfazer seu estrago.
Para deixar as coisas piores, tudo isso foi acompanhado por uma fome da Palavra de Deus no púlpito e uma falta de confiança na Palavra para destruir os ídolos do coração e mudar as mentes das pessoas. Em vez disso, muitos fizeram o que Arão fez no deserto: ele deu ao povo o que o povo queria; um bezerro de ouro para adorar.
Então, o que devemos fazer? Pregar o evangelho “quer ouçam, quer deixem de ouvir” (Ez 2.5), e confiar no poder da Palavra de Deus para fazer repetidas vezes o que ela sempre fez: converter a alma, iluminar a mente, quebrar o jugo do pecado e trazer alegria para a pessoa como um todo.
Notas:
[1] Gordon D. Fee, The Disease of the Health and Wealth Gospels (Vancouver: Regent College Publishing, 2006), edição para kindle, Loc 28. [2] Ravi Zacharias, “An Ancient Message, Through Modern Means to a Postmodern Mind,” em Telling the Truth, editado por D.A. Carson (Grand Rapids: Zondervan, 2000), 28. [3] Citado por Erwin Lutzer em 10 Lies about God and the Truth that Shatter Deception, (Grand Rapids: Kregel, 2009), 8. [4] Per Capita Income in World History, http://www2.econ.iastate.edu/classes/econ355/choi/rankh.htm; acessado em 15 de novembro de 2013. [5] The American Dream; Biblioteca do Congresso, (http://www.loc.gov/teachers/classroommaterials/lessons/american-dream/students/thedream.html), acessado em 15 de novembro de 2013.
Tradução: Alan Cristie