Se um dia você acordasse em uma poça de sangue, provavelmente você mudaria o seu estilo de vida. Foi o que aconteceu com Arianna Huffington, do Huffington Post, depois de colapsar de exaustão e esmagar o osso de seu rosto em sua escrivaninha, e, logo após, cair no chão. Ela estava no ápice do sucesso, com abundante dinheiro e poder, mas algo não estava certo. Ela disse em seu livro bestseller, Thrive: “Eu não vivia uma vida bem-sucedida que se encaixasse em qualquer definição saudável de sucesso. Sabia que algo tinha de mudar de modo radical. Não podia continuar daquele jeito”.1[i] Ela realmente mudou, especialmente na área de dormir mais, tanto que ela às vezes se descreve como evangelista do sono. Com certeza ela me converteu e, como novo prosélito do sono, espero conseguir convertê-lo a um estilo de vida com um sono mais saudável e humilde.
Em um artigo para a BBC, intitulado “A ‘arrogância’ de se ignorar a necessidade de dormir”,[ii] importantes cientistas advertiram sobre a suprema arrogância de tentar viver sem dormir o suficiente. Descobriram que estamos dormindo entre uma e duas horas menos por noite do que o faziam as pessoas sessenta anos atrás, e duas horas e meia menos do que cem anos atrás. Isso está tendo um impacto devastador em todas as áreas de nossa vida.
Porém, quando foi a última vez que você ouviu um sermão sobre dormir? Gastamos cerca de trinta por cento de nossa vida dormindo, e nada nos impacta mais que isso. Será que os cristãos dominaram tanto o sono que não precisam mais instruções a esse respeito?
Talvez você esteja pensando: “Instruções sobre sono? Está falando sério? Isso é tão complicado assim? Fecha os olhos. Escuridão. Abre os olhos. Luz. Aprender o quê?” Muito mais do que provavelmente você tenha pensado!
Em oficinas anteriores neste livro, avaliamos os danos e revisamos as causas. Agora estamos entrando no estágio de reparos, e isso começa com ir para a cama. Sim, uma vida pautada pela graça começa com parar e aceitar a graça de dormir bem. Muitos homens acham que podem omitir esta oficina, mas os que o fazem acabam gastando muito mais tempo na garagem, e alguns nunca saem dela.
O sermão que pregamos quando dormimos
Poucas coisas são tão teológicas quanto o sono. Mostre-me como você dorme e eu lhe mostrarei a sua teologia, porque todos pregamos um sermão em e por meio do nosso sono. Por exemplo, se nós nos orgulhamos por dormir apenas cinco horas por noite, estamos pregando as seguintes verdades: Não confio em Deus em relação ao meu trabalho, minha igreja ou minha família. Claro, creio que Deus é soberano, mas ele precisa de toda a ajuda que eu possa dar a ele. Se eu não fizer o trabalho, quem o fará? Embora Cristo tenha prometido edificar a sua igreja, quem está no turno da noite?
Não respeito o jeito que meu Criador me fez. Sou forte o bastante para lidar com as coisas, sem desfrutar do dom de Deus de um tempo suficiente de sono diário (Sl 3.5; 4.8). Eu me recuso a aceitar as minhas limitações como criatura e as necessidades de meu corpo (Sl 127.1-2). Eu me vejo mais como máquina do que como ser humano.
Não acredito que a alma e o corpo estejam ligados. Posso negligenciar o meu corpo e a minha alma não vai sofrer. Posso enfraquecer meu corpo e não enfraquecer minha mente, consciência e vontade.
Não preciso demonstrar descanso em Cristo. Apesar da Bíblia repetidamente mostrar a salvação como sendo um descanso, vou deixar outros descansarem. Quero que as pessoas saibam o quanto eu sou ocupado, importante e zeloso. Isso é muito mais importante do que a demonstração diária da salvação de Cristo no modo quando e como eu descanso.
Adoro ídolos. O que faço em vez de dormir lança o holofote sobre os meus ídolos, sejam eles: assistir futebol até tarde da noite, navegar na Internet, conquistar sucesso no ministério, ou obter uma promoção. Por que dormir quando isso não faz nada para polir minha reputação ou demonstrar a minha glória?
Qual o sermão que você prega enquanto está dormindo?
Muitas boas razões para dormir mais
Antes de falar sobre como dormir melhor e mais tempo, considere algumas das consequências devastadoras do sono reduzido. Ou, em termos mais positivos, aqui temos múltiplas boas razões para dormir mais.
Consequências Físicas
Numerosos estudos nos advertem sobre resultados a longo prazo da privação crônica do sono (com média de menos de seis horas por noite). Apenas uma semana dormindo menos do que seis horas por noite resulta em mudanças danosas a mais de setecentos genes, estreitamento coronário, e sinais de perda do tecido cerebral.[iii] Este último é em parte porque o sono ativa o sistema de jogar fora o lixo do cérebro, limpando as toxinas e produtos nocivos.[iv] A falta crônica de dormir aumenta o risco de infecções, derrames, câncer, pressão alta, doenças cardíacas e a infertilidade. A perda do sono aumenta a fome e o desejo por porções maiores de comida, e preferência por alimentos de altas calorias e altos carboidratos, resultando em maior risco de obesidade.[v] Em suma, dormir não é uma perda inútil de tempo, mas uma necessidade biológica essencial que previne a infecção e nos ajuda a manter o peso de corpos saudáveis.
Consequências nos Esportes
As consequências físicas de pouco sono podem ser mais bem entendidas e apreciadas quando examinamos a ciência esportiva e aprendemos porque cada vez mais atletas de elite aumentam seu sono e até mesmo contratam treinadores para o sono, a fim de melhorar seu desempenho. Dois dias de redução do sono levam a uma redução de mais de vinte por cento no nível de atenção, nas horas de reação, força, capacidade de suportar esforços, precisão e velocidade.
Não é de admirar que o tempo médio de sono dos melhores atletas está bem acima da média.[vi] O campeão de tênis Roger Federer dorme onze a doze horas por noite; o corredor Usain Bolt, oito a dez horas; a estrela do basquete Lebron James, doze horas; e o campeão de tênis Rafael Nadal, oito a nove horas. O jogador de golfe Tiger Woods dorme apenas cinco horas, o que pode explicar muita coisa! A antiga estrela do time nacional de basquete, Grant Hill, afirmou: “Acho que dormir é tão importante quanto dieta e o exercício”. Federer explicou: “Se eu não dormir onze a doze horas por dia, não estarei bem”.
Consequências Intelectuais
“É, mas eu não sou Roger Federer”, você diz, “eu fico sentado ao computador o dia inteiro, e não preciso de desempenho em nível físico tão alto”. Verdade, mas o sono é igualmente importante para os trabalhadores do conhecimento. Em “Sleep Is More Important than Food” (O sono é mais importante que a comida), Tony Schwartz diz que é unânime o resultado das pesquisas — quanto melhor você dorme, mais você aprende: Mesmo pequenas quantidades de privação de sono minam significativamente a saúde, a disposição, a capacidade cognitiva e a nossa produtividade… Muitos dos efeitos que sofremos são invisíveis. O sono insuficiente, por exemplo, prejudica profundamente nossa capacidade de consolidar e estabilizar o aprendizado que ocorre durante as horas do dia em que estamos acordados. Noutras palavras, falta de dormir faz grandes estragos à memória.[vii]
Um estudo da Universidade Luebeck na Alemanha descobriu que aqueles que dormiam mais de oito horas resolviam um problema duas vezes mais rapidamente, em comparação com aqueles cujo sono era interrompido.[viii]
Os pesquisadores concluíram que não era só por eles es- tarem mais descansados, mas porque o cérebro deles tinha sido fisicamente renovado durante a noite, fazendo novas conexões neurais para que pudessem alcançar mais em menos tempo.
Consequências Emocionais
Ao dormir menos e trabalhar mais, a quantidade de nosso trabalho pode aumentar a curto prazo, mas a qualidade diminui definitivamente, como também diminui nosso prazer naquilo que fazemos. Isso é porque a perda de sono interrompe o fluxo de epinefrina, dopamina e serotonina do cérebro, substâncias químicas associadas de perto ao humor e ao com- portamento. Assim, pessoas com insônia são dez vezes mais propensas a desenvolver depressão e dezessete vezes mais propensas a ter ansiedade significativa. Estudos conduzidos por Torbjörn Åkerstedt da Universidade de Estocolmo descobriram que menos sono reduz os níveis de empatia, mas aumenta os níveis de medo.[ix] Em Play It Away, Charlie Hoehn escreve:
Toda pessoa ansiosa que conheço ou está em estado de negação quanto a pouca quantidade de sono, ou despreza o fato de que vai dormir em horas aleatórias a cada noite. Um de meus leitores escreveu esta mensagem depois de rever uma versão anterior deste capítulo: “Quando comecei a me forçar a dormir oito horas por noite, meus problemas de saúde física acabaram, minhas emoções se equilibraram e minha ansiedade desapareceu. A minha mente pode funcionar melhor e desapareceu a sensação de aperto em volta dos olhos. Dormir oito horas é um comprimido milagroso”.[x]
Consequências na Sociedade
Pergunta: Qual dos Dez Mandamentos você consegue guardar quando dorme? Resposta: O sexto: Não matarás (Êx 20.13), porque dormir o suficiente é um ato de amor ao próximo, conforme demonstram as estatísticas a seguir.
O prejuízo no trânsito que resulta de estar acordado por vinte e quatro horas é maior do que dirigir embriagado em todos os estados dos Estados Unidos. De acordo com a Administração Nacional de Segurança no Trânsito, dormir enquanto dirige é responsável por pelo menos cem mil batidas, setenta e um mil feridos, um mil quinhentos e cinquenta mortes a cada ano nos Estados Unidos.[xi] Desastres como o derrame de petróleo da Exxon Valdez e a explosão da nave espacial Challenger, bem como o acidente do Metro North, da cidade de New York, estavam todos ligados à privação de sono.
Em nível mais corriqueiro, noto (como também minha família) que fico muito mais irritado, de mau humor e propenso a entrar em conflito quando durmo pouco. Não existe produtividade que valha tais danos aos relacionamentos preciosos.
Consequências Financeiras
Por colocar em jogo a segurança, criatividade, capacidade de resolver problemas e a produtividade, estima-se que o tempo de sono insuficiente custa às empresas norte-americanas sessenta e três bilhões de dólares por ano. Estudos mostram que consumidores e clientes tendem a considerar como pouco saudável e sem ânimo um vendedor a quem faltou horas de sono, reduzindo assim as vendas.
Também, apesar das piadas contrárias, muitos empresários construíram seu sucesso sobre o sono. Jeff Bezos, da Amazon, afirmou: “Estou mais alerta e penso com maior clareza. Eu me sinto muito melhor o dia todo após ter dormido durante oito horas”.
Embora um dos fundadores da Netscape, Mark Andressen, costumasse dormir pouco, ele aprendeu a lição: “Sete [horas] e começo a degradar. Seis é insuficiente. Cinco é um grande problema. Quatro horas significa que sou um zumbi”.[xii]
Consequências Morais
Estudos mostram que a falta de dormir esgota e enfraquece o centro de autocontrole do cérebro, levando a níveis mais altos de comportamentos antiéticos. Em um estudo em grupo sobre as pessoas trapacearem ou não, dadas tentações idênticas, as pessoas que não trapacearam dormiram uma média de vinte e dois minutos mais do que aquelas que cometeram trapaças. A diferença entre atos morais e imorais foi de apenas vinte e dois minutos de sono! O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, disse certa vez que todo erro maior que ele cometeu coincidiu com ter perdido o sono. Se isso não o fizer dormir mais, nada mais vai fazê-lo.
Um homem me procurou para aconselhamento, depois de ter sido provado que dirigia sob influência de álcool, e admitiu que dormia somente três a quatro horas por noite, e que bebia cada vez mais a cada semana. Uma vez que aumentou seu tempo de dormir, o seu desejo pelo álcool diminuiu.
Consequências Espirituais
Existe mais que moralidade em jogo; nossa espiritualidade também está em jogo. Pense neste parágrafo de Don Carson:
Se você for um dos que se tornam desagradáveis, cínicos ou mesmo cheio de dúvidas quando perdem o sono, você está moralmente obrigado a procurar conseguir o sono que necessita. Somos seres inteiros e complicados; a existência física está ligada ao bem-estar espiritual, à percepção mental, aos nossos relacionamentos com os outros, inclusive o relacionamento com Deus. Às vezes, a coisa mais piedosa que se pode fazer no universo é conseguir uma noite de sono reparador — não orar a noite toda, mas apenas dormir. Com certeza, não nego que haja ocasião para orar a noite inteira; estou apenas insistindo que no decurso normal das coisas, a disciplina espiritual nos obriga a obter o sono de que o corpo necessita.[xiii]
Consequências no Ministério
Não é surpresa que todos os danos delineados acima inevitavelmente levam também a problemas no ministério. Um pastor compartilhou que tinha sido criado e treinado a pensar que “se punirmos ou negligenciarmos nosso corpo no serviço do reino, Deus magicamente anulará quaisquer consequências negativas”. Ele advertiu: “Pode ser que não percebamos que acreditamos nisso até que as consequências se materializam e ficamos confusos e amargurados contra Deus”.
Quando dava uma palestra sobre Charles Spurgeon ter sofrido com depressão, John Piper disse:
Emocionalmente, sou menos resistente quando perco o sono. No passado, quando eu trabalhava sem me importar em dormir, ainda assim me sentia animado e motivado. Mas nos últimos sete ou oito anos, o meu limiar para desânimo está bem mais baixo. Para mim, o sono adequado não é apenas questão de manter-me saudável. É questão de permanecer no ministério. É irracional que meu futuro pareça mais triste quando eu durmo apenas quatro ou cinco horas de sono por várias noites seguidas. Mas, isso é irrelevante. São estes os fatos. Tenho de viver dentro dos limites dos fatos. Eu recomendo a você dormir o suficiente, por amor de sua comunhão com Deus e das suas promessas.14
Você notou como Piper ligou o tempo no travesseiro com confiança nas promessas de Deus?
Este artigo é um trecho adaptado do livro Reset, de David Murray, Editora Fiel
[i] Arianna Huffington, Thrive: The Third Metric to Redefining Success and Creating a Life of Well-Being, Wisdom, and Wonder (New York: Harmony, 2015)
[ii] James Gallagher, “‘Arrogance’ of Ignoring Need for Sleep”, BBC, May 12, 2014, http://www.bbc.com /news/health-27286872.
[iii] Muitas das estatísticas e citações desta seção foram tiradas do livro Sleep Disorders and Sleep Deprivation: An Unmet Public Health Problem (Washington DC: National Academies Press, 2006).
[iv] L. Xie et al., “Sleep drives metabolite clearance from the adult brain”, National Center for Biotechnology Information, October 18, 2013, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/24136970.
[v] Christine Gorman, “Why We Sleep”, Scientific American, October 1, 2015, http:// www.scientificamerican.com/article/sleep-why-we-sleep-video/.
[vi] As seguintes estatísticas e citações vêm de “You Are What You Sleep”, Athlete Kinetics, February 9, 2016, https://blog.athletekinetics.com/2016/02/09/you-are- what-you-sleep/and Jordan Schultz, “These Famous Athletes Rely on Sleep for Peak Performance”, The Huffington Post, August 13, 2014, http://www.huffingtonpost. com/2014/08/13/these-famous-athletes-rely-on-sleep_n_5659345.html.
[vii] Tony Schwartz, “Sleep Is More Important than Food”, Harvard Business Review, March 3, 2011, https:// hbr.org/2011/03/sleep-is-more-important-than-f.html.
[viii] Ullrich Wagner et al., “Sleep Inspires Insight,” Nature 427 ( Jan. 22, 2004): 352-55, www.nature.com/nature/journal/v427/n6972/full/nature 02223.html. An additional study supports the idea: Michael Hopkin, “Sleep Boosts Lateral Thinking”, Nature, January 22, 2004, www.nature.com /news /2004 /040122/full/news 040119-10.html
[ix] Veja um resumo de Åkerstedt’s research at Karolinska Institutet, Department of Clinical Neuroscience, http://ki.se/en/cns/torbjorn-akerstedts-research-group.
[x] Charlie Hoehn, Play It Away: A Workaholic’s Cure for Anxiety (CharlieHoehn.com, 2014), Kindle edition, locs. 1081–89.
[xi] “Drowsy Driving and Automobile Crashes”, NCSDR/NHTSA Expert Panel on Driver Fatigue and Sleepiness, http://www.nhtsa.gov/people/injury/drowsy_driv- ing1/Drowsy.html.
[xii] Nancy Jeffrey, “Sleep Is the New Status Symbol for Successful Entrepre- neurs”, The Wall Street Journal, April 2, 1999, http://online.wsj.com/article/ SB923008887262090895.html.
[xiii] Don Carson, Scandalous: The Cross and Resurrection of Jesus (Wheaton, IL: Cross- way, 2010), 147.