O livro de Gênesis lança os fundamentos para uma compreensão e interpretação adequada de toda a Bíblia. Se a Igreja precisa ter uma boa e completa visão das doutrinas bíblicas básicas que envolvem tópicos como pecado, juízo, salvação, o caráter de Deus, o Messias e inúmeros outros assuntos relevantes e centrais, ela deve começar com o estudo de Gênesis. Muitas das doutrinas são encontradas de forma embrionária em Gênesis e precisam ser identificadas ao longo do restante da Bíblia à medida que se desenvolvem e se desdobram.
Embora essa ideia seja simples, na realidade, ela recebe pouca atenção nos estudos bíblicos hodiernos1. Por exemplo, quando se lê sobre eclesiologia — e, em particular, sobre presbíteros —, é surpreendente quão pouca atenção os autores prestam ao ofício de presbítero (ancião) no Antigo Testamento. É importante que se trabalhe a protologia quando se consideram ideias e temas bíblicos. Assim, se quisermos discernir o papel adequado do trabalho na vida do crente, deveríamos estudar o mandamento para o trabalho dado por Deus a Adão no Jardim do Éden. Esse mandamento cultural é tão relevante hoje como foi no primeiro ambiente humano.
O Novo Testamento, em sua história, teologia e doutrina, não surge em um vácuo; ele se desenvolve a partir dos ensinamentos do Antigo Testamento. Esse método de interpretação espelha o de Jesus, que, por exemplo, quando perguntado sobre a natureza do casamento, respondeu citando Gênesis 2.
Além de estabelecer os fundamentos para a compreensão do restante da Bíblia, Gênesis também prenuncia o evento central das Escrituras: a vida, morte e ressurreição de Cristo. Já mencionamos a palavra profética dada em Gênesis 3.15, que fala de um descendente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente e resgataria a humanidade. O próprio Novo Testamento, com frequência, se refere ou alude a Gênesis ao explicar os caminhos do Evangelho. Da apresentação dos patriarcas como modelo de fé nas promessas de Deus em Hebreus 11 à conexão explícita que Cristo faz entre a preservação divina de Noé no dilúvio e a preservação do seu povo quando o juízo vier (Mt 24.36-44), Gênesis inclui muitas imagens que prefiguram o Evangelho. Uma das mais significativas é a imagem do pecado de Adão no jardim, o que trouxe morte sobre todas as pessoas. O apóstolo Paulo comenta que Adão era um tipo daquele que haveria de vir (Rm 5.14). Esse segundo Adão, Jesus Cristo, traz vida para seu povo, e não morte. Como Paulo comenta ainda: “Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos” (Rm 5.15).
Poderíamos explorar mais desses paralelos, mas a mensagem é clara: Gênesis lança os fundamentos para a Bíblia como um todo, tanto como um prólogo histórico e teológico quanto como uma sombra do Evangelho que seria tornada visível na pessoa e obra de Jesus Cristo.
1. Considere as seguintes obras importantes de Graeme Goldsworthy: According to Plan: The Unfol- ding Revelation of God in the Bible (Leicester: InterVarsity Press, 1991); Gospel and Kingdom: A Chris- tian Interpretation of the Old Testament, nova ed. (Carlisle: Paternoster, 1994); e, para uma aplicação dessa metodologia na pregação, Preaching the Whole Bible as Christian Scripture: The Application of Biblical Theology to Expository Preaching (Grand Rapids: Eerdmans, 2000). Sobre pregação a partir do Antigo Testamento, veja também Dale Ralph Davis, The Word Became Fresh: How to Preach from Old Testament Narrative Texts (Fearn: Mentor, 2006).