A interpretação teológica da Escritura (TIS)
Uma das tendências hermenêuticas contemporâneas mais significativas é o movimento da Interpretação Teológica da Escritura (TIS, na sigla em inglês). O rótulo TIS tem sido aplicado a um corpo diversificado de estudos — liberais e conservadores, protestantes e católicos. Quais são os pontos em comum que caracterizam esse amplo movimento? Uma das principais marcas é a aversão pelo método histórico-crítico e a falta de interesse pelas discussões relacionadas ao contexto histórico ou literário de um texto bíblico. Os autores da TIS desejam explorar o significado teológico dos escritos bíblicos completos, especialmente no contexto de parâmetros confessionais, como os Credos Niceno e Calcedônico.
Daniel J. Treier traça os interesses dos autores da TIS até os precursores desse movimento, como Karl Barth e a “Escola de Yale” (um movimento de crítica literária surgido em Yale).[i] Outros pioneiros mais recentes (da década de 1990) incluem Francis Watson, Stephen Fowl e Kevin Vanhoozer.[ii] No entanto, é difícil encontrar qualquer trabalho acadêmico anterior a 2005 que use o nome “interpretação teológica” no sentido técnico que ele rapidamente adquiriu.[iii] Ao mesmo tempo, os defensores da interpretação teológica não se veem como proponentes de algo novo, mas como um retorno ao estudo bíblico transformador, focado na igreja, que caracterizou gerações de cristãos antes do Iluminismo.[iv] Vários autores da TIS estão especialmente interessados na hermenêutica dos Pais da Igreja,[v] que, com frequência, se engajaram na exegese alegórica, sem se preocupar com a intenção dos autores humanos inspirados das Escrituras. Exalto o fato de os autores da TIS olharem para a Bíblia como um todo unificado, dirigido a uma comunidade de crentes. Contudo, sou cauteloso com aqueles que seguem de maneira acrítica a hermenêutica dos Pais da Igreja.[vi]
História da recepção
A história da recepção foca na forma como um texto bíblico foi “recepcionado” ou entendido pelos cristãos ao longo da história da igreja. Nos últimos anos, alguns estudiosos da Bíblia têm defendido um foco na história da recepção como uma saída para o impasse e a confusão na disciplina da teologia bíblica.[vii] Estudiosos têm de admitir que mesmo muitos dos “especialistas” sabem pouco sobre como os textos bíblicos foram lidos antes do século XVIII. Além disso, a atenção à “história da interpretação” de um texto pode fornecer uma base mais objetiva para discussões contínuas e ajudar a reacender o reconhecimento acadêmico de preocupações práticas e confessionais. Infelizmente, a exaltação da recepção do texto pode ser uma aceitação sutil da polivalência (ou seja, aceitar várias compreensões incompatíveis como igualmente válidas). Esquivar-se da espinhosa questão da veracidade de um texto pode ser uma negação implícita dessa alegação. “História efetiva” é um campo de estudo similar, mas mais amplo, no qual os estudiosos catalogam não apenas as interpretações teológicas de um texto, mas também seus “efeitos” (por exemplo, sobre arte, práticas da igreja, cultura social, governo, política mundial etc.) ao longo de determinado período.
Intertextualidade
Recentemente, em uma cerimônia de formatura no meu seminário, o reitor leu o título de uma dissertação de doutorado que incluía a palavra “intertextualidade”. Um colega se inclinou e sussurrou: “Nunca ouvi essa palavra antes.” Eu respondi: “É um tema muito discutido nos estudos bíblicos.” Em resumo, a intertextualidade se concentra em como um texto bíblico é aludido ou utilizado por outro autor bíblico. Dependendo dos interesses do estudioso, um estudo intertextual pode se inclinar mais para questões literárias, teológicas ou históricas. Ao considerar a Bíblia como um livro unificado, alguns críticos intertextuais estudam o desenvolvimento dos motivos por trás das diferentes perspectivas dos autores bíblicos. Patzia e Petrotta tecem o seguinte comentário:
textos bíblicos foram retrabalhados e nas diferenças entre os textos: os textos foram ampliados em significado, mas também transpostos ou até refutados. A ênfase tende a recair sobre a pluralidade das leituras possíveis, em vez de sobre a conformidade das leituras.[viii]
Outras tendências nos estudos do Antigo e do Novo Testamento
Pessoas não familiarizadas com o campo dos estudos bíblicos frequentemente se perguntam: “Como os estudiosos da Bíblia podem escrever algo novo? Já não disseram tudo o que poderia ser dito sobre um corpus tão limitado de escritos?” Centenas (milhares, talvez?) de novos livros acadêmicos sobre a Bíblia continuam sendo publicados a cada ano. Dentro desses escritos, vemos uma fragmentação contínua das disciplinas e um aumento na especialização — em crítica textual (ou, talvez, especificamente em manuscritos siríacos de um certo período!), estudos de contexto, língua hebraica, língua grega, teologia paulina, a carta de Tiago etc. Novos ramos de conhecimento surgem à medida que disciplinas externas (por exemplo, análise sociológica ou retórica) são aplicadas às Escrituras. A busca pela última tendência ou pelo prestígio secular é um perigo sempre presente, mas, para o estudioso bíblico cristão, a fidelidade deve ser sempre o objetivo. Para que o leitor tenha uma ideia do estado atual dos estudos do Antigo Testamento, recomendo o guia The State of Old Testament Studies. Para uma atualização sobre os estudos do Novo Testamento, consulte The State of New Testament Studies ou A Beginner’s Guide to New Testament Studies: Understanding Key Debates.
O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Hermenêutica fiel: Introdução à interpretação bíblica, de Robert L. Plummer, Editora Fiel (em breve).
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[i] Treier, Introducing Theological Interpretation of Scripture, p. 17-9
[ii] Ibid, p. 11.
[iii] Porém, veja Stephen E. Fowl, ed., The Theological Interpretation of Scripture: Classic and Contemporary Readings (Cambridge: Blackwell, 1997).
[iv] Repare no subtítulo do livro de Treier: Recovering a Christian Practice [Resgatando uma prática cristã].
[v] Veja, por exemplo, Peter J. Leithart, Deep Exegesis: The Mystery of Reading Scripture (Waco: Baylor University Press, 2009); Hans Boersma, Scripture as Real Presence: Sacramental Exegesis in the Early Church (Grand Rapids: Baker Academic, 2017); Keith D. Stanglin, The Letter and Spirit of Biblical Interpretation: From the Early Church to Modern Practice (Grand Rapids: Baker Academic, 2018).
[vi] Para uma crítica útil à apropriação acrítica da hermenêutica dos Pais da Igreja, veja Iain Provan, The Reformation and the Right Reading of Scripture (Waco: Baylor University Press, 2017).
[vii] Por exemplo, Judith Kovacs e Christopher Rowland, Revelation: The Apocalypse of Jesus Christ, Blackwell Bible Com- mentaries (Oxford: Blackwell, 2004), p. 1-38.
[viii] Arthur G. Patzia e Anthony J. Petrotta, Pocket Dictionary of Biblical Studies (Downers Grove: InterVarsity, 2002), p. 63.