“O amor é espontâneo, mas deve ser sustentado pela disciplina.” — Oswald Chambers
Betty passou o verão de 1948 na Universidade de Oklahoma. Lá, através do Summer Institute of Linguistics [Instituo de Linguística de Verão], sob os auspícios da Wycliffe Bible Translators [Associação Wycliffe para a Tradução da Bíblia], ela estudou estruturas linguísticas, sintaxe, fonética e outras habilidades de que precisaria para traduzir o Novo Testamento para línguas tribais que ainda permaneciam ágrafas.
Muitos recém-formados podem simpatizar com o fato de ela muitas vezes se sentir isolada, sem o calor, a agitação e a comunidade da vida universitária. E ela se sentia um pouco ao léu; talvez tivesse imaginado uma linha reta, um caminho alinhado, eficiente e direto do Wheaton College até o campo missionário. Como a maioria de nós, a vida de Betty se desenrolou em capítulos que às vezes pareciam não ter relação com seus objetivos mais elevados. Como ela escreveu do ponto de vista de algumas décadas depois,
“A verdade é que nenhum de nós conhece a vontade de Deus para a sua vida. Eu digo para a sua vida — pois a promessa é ‘à medida que andares passo a passo, eu abrirei o caminho diante de ti’. Ele nos dá luz suficiente para o dia de hoje, força suficiente para um dia de cada vez, maná suficiente, o pão nosso de ‘cada dia’”.
Ela prosseguiu descrevendo a multidão corriqueira e banal de passos na longa jornada dos filhos de Israel enquanto se dirigiam para a Terra Prometida. “Cada uma das etapas de sua jornada, a maioria enfadonha e monótona, era uma parte necessária do movimento em direção ao cumprimento da promessa.”[i]
Assim era a sua tediosa vida enquanto estudava linguística no campus da Universidade de Oklahoma, depois de se formar em Wheaton. Nas noites de verão, ela subia ao topo das arquibancadas no estádio de futebol americano vazio. Lá ela lia e orava, uma figura alta e solitária debruçada sobre sua Bíblia, descobrindo que gastava tempo demais “pensando em J.”, contudo ansiando “por aquela paixão ardente cujo único objeto é Cristo!”.
O fato de o irmão de Jim, Burt, também estar estudando linguística naquele verão era ao mesmo tempo um conforto e uma provocação. Eles andavam juntos por tempo suficiente para que as pessoas começassem a supor que eram um casal. Betty, incapaz de deixar Burt saber sobre seus verdadeiros sentimentos por seu irmão, deleitava-se na semelhança física entre ele e Jim. (Enquanto isso, ironicamente, Jim estava falando em campi universitários no Meio-Oeste com Dave Howard, irmão de Betty.)
A correspondência entre Betty e Jim Elliot explorava, no ritmo lento dos selos postais, o intrincado funcionamento interno de suas mentes e espíritos, reflexões metafísicas, sua paixão física não saciada e sua busca meticulosa pela vontade de Deus em relação ao casamento ou à solteirice. Talvez seja quase tão excruciante ler sobre esse cortejo quanto foi vivenciá-lo, embora aqueles que o vivenciaram e suportaram em tempo real estivessem sendo santificados ao longo do caminho — e não tenho certeza se o mesmo é verdade para o resto de nós.
Betty e Jim passaram alguns raros dias juntos no final do verão de 1948, enquanto ela se dirigia para o Prairie Bible Institute [Instituto Bíblico Prairie]. Jim lhe disse que a amava, o que para ambos não era simplesmente uma declaração de emoção, mas uma declaração destinada a pavimentar o caminho para o casamento. Mas ambos também sabiam que a intenção mais profunda dele era ir para o campo missionário enquanto solteiro.
Jim era um ano mais novo que Betty e, à medida que o verão se esvaía, ele retornou a Wheaton para seu último ano. Ele voltou para a escola determinado a viver ao máximo a experiência da faculdade. Ele lamentou as “regrinhas meticulosas pelas quais eu costumava governar minha conduta […] Estou experimentando uma nova comunhão, uma nova liberdade, um novo deleite”.[ii]
Ele vinha refletindo sobre 1 Timóteo 6.17: “‘Deus […] tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento’, [e] acordou para o fato de que havia muito dessa vida gratuitamente dada por Deus de que ele não estava desfrutando”.
Mais tarde, Dave Howard disse: “Ele percebeu que sua restrita atitude de ‘mais santo do que você’ era enganosa, a si e a seus amigos, e o afastava de muita diversão. Então, o pêndulo balançou para o outro extremo, e Jim começou a pedir parada em todas as estações e aproveitar a vida ao máximo. Ele escreveu em seu diário: ‘Onde quer que você esteja, esteja plenamente lá. Viva plenamente todas as situações que você acredita serem a vontade de Deus’”.[iii]
Assim, Jim estudou a Bíblia com todo o seu coração, alma e mente. Ele mergulhou na vida acadêmica e se graduaria em grego, summa cum laude. Ele se jogou ainda mais na luta livre, de corpo e alma, ganhando muitas medalhas. Ele amou seus amigos, foi a festas e praticou trotes. Quanto a estes últimos, algumas vezes ele não soube a hora de parar. (Em sua correspondência, Betty, que tinha ouvido rumores de algumas de suas aventuras, teve algumas observações selecionadas sobre essa tendência.)
Durante seu último ano, Jim atuou como presidente da Student Foreign Missions Fellowship [Comunhão Estudantil de Missões Estrangeiras]. Ele criou uma tabela de oração dividida em segmentos de quinze minutos; os alunos podiam se inscrever para orar pelo campus do Wheaton College, pedindo a Deus que despertasse homens e mulheres a se comprometerem com missões estrangeiras.
Um resultado tangível desse esforço de oração, relatou Dave Howard, foi que “nos 150 anos de história do Wheaton College, mais alunos formados entre o final dos anos 1940 e início dos anos 1950 foram para o campo missionário do que em qualquer outro período”.[iv]
Jim também recrutou pessoas de maneiras mais diretas. Seu amigo Ed McCully era um jogador de futebol americano e estrela do atletismo — alto, bonito, presidente da turma dos formandos, e vencedor do campeonato nacional de oratória universitária em seu último ano. Ele planejava ir para a faculdade de direito.
Um dia, quando Jim e Dave estavam no vestiário depois de um treino, eles avistaram Ed. Jim o agarrou pelo pescoço e disse:
“Ei, McCully! Você ganhou o campeonato nacional, não foi? Fantástico, McCully. Você tem muito talento, não tem? Você sabe quem lhe deu esse talento, não sabe? Então, o que você vai fazer com isso — passar a vida ganhando dinheiro para si mesmo? Você não tem o direito de fazer isso. Você deveria ser um missionário, e estou orando para que Deus o faça um!”[v]
O determinado Ed acabou indo para a faculdade de direito por um ano… mas então creu que Deus realmente o estava chamando para se tornar um missionário em tempo integral. Ele deixou a faculdade de direito para estudar missões e, mais cedo ou mais tarde, foi para o Equador… onde iria servir — e morrer — com seu amigo Jim Elliot.
Enquanto Jim enfrentava seu agitado ano em Wheaton, Betty chegou ao Prairie Bible Institute. Na época, era um austero conjunto de edifícios de madeira em uma triste pradaria em Three Hills, Alberta. Certa tarde, ela estava se sentindo deslocada e solitária quando alguém bateu em sua porta. Ao abri-la, ela encontrou uma bela mulher de bochechas rosadas, seu rosto emoldurado por cabelos brancos, evidentemente uma espécie de madrinha de dormitório. Ela falou com um charmoso sotaque escocês: “Você não me conhece, mas eu conheço você. Tenho orado por você, querrida Betty. Sou a Sra. Cunningham. Se você quiserr uma xícara de chá e um scone escocês, basta descerr ao meu pequeno apartamento”.[vi]
Betty passou muitas tardes invernosas nas acomodações aconchegantes da Sra. Cunningham. A velha senhora vertia chá nas xícaras, e Betty vertia sua própria alma diante dela. O rosto rosado da Sra. Cunningham demonstrava simpatia, amor e compreensão enquanto a ouvia. Ela bebericava silenciosamente o chá, balançando a cabeça. Então ela orava, erguia os olhos e fortalecia Betty não com sentimento, mas com palavras fortes, palavras extraídas diretamente das Escrituras.
A Sra. Cunningham permaneceu uma encorajadora e um modelo para Betty pelo resto de sua vida. E não era só porque a Sra. Cunningham tinha palavras sábias a dizer. Era por causa de quem ela era. “Acima de tudo, ela mesma era a mensagem.”[vii] (Por exemplo, Betty refletiria mais tarde que ser missionária não era uma questão de declarar uma mensagem. Era uma questão de encarnar o evangelho, como a “Sra. C.” fizera com ela.)
Durante a faculdade, a mentora anterior de Betty, Srta. Cumming, já a alertara sobre sua “indiferença” e como sua postura de distanciamento a fizera machucar involuntariamente George Griebenow. Agora, no Canadá, a mãe de Betty lhe escreveu sobre o mesmo assunto. Katharine Howard se sentia rejeitada e isolada porque Betty compartilhava tão pouco de sua vida, e ela se perguntava se seria culpada dessa distância.
“Você jamais falhou comigo de nenhuma maneira”, escreveu Betty para a mãe. Qualquer distância entre elas era culpa de Betty. Ela pediu perdão… e então, corajosamente, passou a revelar coisas sobre si mesma que nunca havia articulado no papel.
“A senhora apenas precisa entender que minha natureza é reservada, meus sentimentos ficam basicamente reprimidos. Eu tenho sido uma hipócrita de marca maior, orgulhando-me há muito tempo na vida com o fato de que ninguém sabia como eu me sentia ou o que eu estava pensando. Muitas vezes eu não revelava meus verdadeiros sentimentos para que as pessoas pensassem que eu era… talvez mais sábia ou mais madura do que realmente era.”
“Muitas vezes, eu mesma tinha um pouco de vergonha de que as coisas me afetassem emocionalmente, então não admitia isso. Considerava que demonstrar sentimentos ou revelar pensamentos era pura fraqueza, e eu desejava tanto ser forte!”[viii]
Obviamente, ela não achava que alguém devesse divulgar tudo para todas as pessoas indiscriminadamente. Mas ela havia levado sua própria discrição longe demais. Jim lhe havia dito, em setembro do ano anterior, que faria qualquer coisa no mundo para vê-la chorar. “Então, a senhora vê que ele conhece um pouco dos seus mesmos sentimentos”, Betty consolou a mãe. “Eu nunca derramei uma lágrima na presença dele.”[ix]
Tendo assim aberto uma janela em seu coração, Betty continuou, e agora as comportas se abriram. Seus sentimentos sobre Jim se derramaram. “Eu o amo, como nunca pensei que pudesse amar alguém”, clamou para a mãe. Ela não conseguia pensar nele sem ansiar pelo casamento. Se ela não se casasse com Jim, não se casaria com ninguém mais. E achava que o último cenário era muito mais provável. “Eu nunca disse a Jim que o amo — na verdade, eu nunca contei a ninguém, nem mesmo meu diário. Não é fácil prosseguir em tal escuridão, amando-o, mas contemplando o futuro sem ele.”[x]
Então, ela pediu à mãe que orasse para que ela não fosse enfraquecida por “sentimentalismo e imaginações vãs”.[xi]
Após seu período acadêmico no Prairie Bible Institute, Betty passou a trabalhar no campo. Ela morava em um trailer caindo aos pedaços em uma fazenda na pequena aldeia de Patience, Alberta. Galos a despertavam às 4h30 da manhã; ela saía de bicicleta por estradas empoeiradas para convidar pessoas das fazendas para as reuniões de escola dominical. Os moradores locais eram pobres, sem instrução e encontravam alívio para suas vidas difíceis no álcool, brigas e fofocas vulgares. Betty às vezes chorava enquanto seguia na bicicleta. Certa noite, o vento da pradaria era tão forte que ela mal conseguia pedalar; ela escreveu: “Cheguei à minha casinha escura, com frio e muito cansada. ‘Nenhuma recompensa, exceto a de saber que faço a Tua vontade’”.
Sobrecarregada, ela se consolou com as palavras do ícone missionário Hudson Taylor: “Não é aquilo que nos dispusemos a fazer que de fato se torna em bênção, mas o que Deus está fazendo através de nós quando menos esperamos, se apenas estivermos em permanente comunhão com ele”.
No final de seu tempo sombrio naquele lugar, apropriadamente chamado Patience, um dos ásperos fazendeiros se tornou mais caloroso para com ela: “Passei a manhã fazendo as malas e limpando o trailer. Foi triste ver o pobre Sr. K. se despedir de mim. Ele tem sido gentil e educado, mas tentou se desculpar por qualquer coisa ‘ruim’ que dissera. […] As crianças todas choraram muito quando partimos. Eu também!”.
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Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Moldada por Deus, de Ellen Vaughn, o qual é o volume 1 do box Elisabeth Elliot: uma biografia autorizada (em breve pela editora Fiel).
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[i] Elisabeth Elliot, Deixe-me ser mulher: lições à minha filha sobre o significado de feminilidade (São José dos Campos, SP: Fiel, 2021), p. 60.
[ii] Elisabeth Elliot, Shadow of the Almighty (Nova York: Harper, 1958), p. 98.
[iii] Dave Howard, https://urbana.org/blog/my-roommate-jim-elliot.
[iv] Ibid.
[v] Ibid.
[vi] The Elisabeth Elliot Newsletter, set./out. 1989, “A Call to Older Women”.
[vii] Ibid.
[viii] EH para “Minha própria queridíssima Mãe”, 9 de fevereiro de 1949.
[ix] Ibid.
[x] Ibid.
[xi] Ibid.