segunda-feira, 7 de abril
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Definição de ética cristã

O estudo da ética centrada em Deus e na Bíblia

Definição para este livro. Para o propósito deste livro, a seguinte definição de ética cristã será usada:

Ética cristã é qualquer estudo que responda à pergunta: “O que a Bíblia, como um todo, nos ensina sobre os tipos de ações, atitudes e traços de caráter pessoal que Deus aprova ou desaprova?”[1]

Essa definição indica que nosso estudo da ética cristã será centrado em Deus e na Bíblia. Para cada assunto ético, o objetivo deste livro é reunir e resumir o ensinamento de todas as passagens bíblicas relevantes sobre o assunto e, depois, aplicá-lo com sabedoria a diversas situações da vida.

Minha abordagem aqui é a mesma que apresentei em meu livro Teologia Sistemática, onde defini a teologia sistemática como: “Qualquer estudo que responda à pergunta: ‘O que a Bíblia como um todo nos ensina hoje acerca de qualquer tópico?’”[2] Mas, como expliquei no mesmo lugar:

A ênfase da teologia sistemática está no que Deus quer que creiamos e conheçamos, enquanto a ênfase da ética cristã está no que Deus quer que façamos e nas atitudes que ele deseja que tenhamos… Dessa forma, a teologia concentra-se em ideias, enquanto a ética concentra-se em situações na vida. A teologia nos diz como devemos pensar, enquanto a ética nos diz como devemos viver.[3]

Este livro, então, diz respeito à maneira como devemos viver enquanto cristãos em nossos dias.

O primeiro capítulo tem diversos paralelos com o capítulo 1 da minha Teologia Sistemática. O motivo é que minha abordagem é parecida: estou perguntando o que a Bíblia inteira diz sobre diversos assuntos nos dois livros.

Relacionamento com outras disciplinas. A ênfase deste livro não será a ética histórica (um estudo sobre como cristãos em diferentes períodos da história entendiam diversas questões éticas) ou a ética filosófica (um estudo dos assuntos da ética sem o apelo bíblico, usando as ferramentas e os métodos do raciocínio filosófico e analisando o que pode ser conhecido sobre o certo e o errado moral a partir da observação do mundo).

Esses dois assuntos, que valem a pena ser estudados pelos cristãos, são, às vezes, inclusos em uma definição mais ampla do termo ética cristã. De fato, algumas considerações sobre questões históricas e filosóficas serão encontradas ao longo deste livro. O motivo é que o estudo da história nos informa sobre as coisas que foram aprendidas e os erros que foram cometidos por outras pessoas no entendimento da ética, especialmente à luz da Escritura. E o estudo da filosofia nos ajuda a entender as teorias sobre o certo e o errado quanto à moral, as quais são comuns em nossa cultura e que foram comuns em outras culturas ao longo da história, o que frequentemente nos ajuda a raciocinar com cuidado sobre difíceis situações éticas. No entanto, essas duas áreas de estudo não são o foco deste livro, o qual enfatiza a interação direta com o texto bíblico, a fim de entendermos o que a própria Bíblia nos ensina sobre diversos assuntos éticos. Embora os estudos históricos e filosóficos contribuam para a nossa compreensão de diversas questões éticas, minha convicção (que pretendo explicar no capítulo 3) é que somente a Escritura tem autoridade absoluta para definir quais ações, atitudes e traços de caráter pessoal são aprovados por Deus e quais não são. Por isso, é apropriado passar uma quantidade significativa de tempo analisando o ensino da própria Escritura.

Minha ênfase neste livro também é diferente de uma terceira abordagem, que chamarei de ética teológica. Em vez de buscar entender e aplicar o que a Bíblia toda nos ensina sobre como viver (que é a minha abordagem), a ética teológica começa com algumas doutrinas cristãs principais e chega aos princípios éticos com base nessas doutrinas. Por exemplo, Oliver O’Donovan começa com a doutrina da ressurreição de Cristo e, partindo daí, defende diversas conclusões éticas significativas.[4] Outro exemplo é Richard B. Hays, que começa com as doutrinas do Novo Testamento de comunidade, cruz e novo nascimento e, a partir delas, defende determinadas conclusões éticas.[5] Eu concordo que as doutrinas que eles usam como pontos de partida são claramente enfatizadas no Novo Testamento, mas, em vez de limitar o nosso estudo ao que pode ser deduzido dessas doutrinas, eu me esforçarei, neste livro, para levar em consideração os ensinamentos de toda a Bíblia sobre cada assunto ético — e isso inclui levar em consideração passagens bíblicas que contêm ensinamentos éticos que não podem ser diretamente deduzidos dessas importantes doutrinas.

Embora eu concorde que um estudo sobre as implicações éticas de diversas doutrinas cristãs possa ser útil para compreendermos nossas responsabilidades éticas, minha preocupação é que os resultados desses estudos são necessariamente mais limitados em escopo, menos conclusivos e mais tendenciosos em relação às conclusões éticas pessoais do teólogo, pois não são baseados nas riquezas de todo o conteúdo bíblico e não lidam com a restrição de ter que se basear em cada passagem relevante, e não somente naquelas passagens claramente relacionadas ao tema escolhido.

A ética cristã, da maneira como a defini aqui, também é diferente de ética do Antigo Testamento[6] e de ética do Novo Testamento.[7] Essas duas disciplinas enfatizam o estudo cuidadoso de diversos temas éticos no Antigo ou no Novo Testamento, mas coloca menos ênfase na tentativa de extrair ensinamentos da Bíblia como um todo sobre os diferentes assuntos e sobre a maneira como esses assuntos se aplicam aos cristãos de nossos dias. Em muitos momentos, farei uso do cuidadoso trabalho realizado por especialistas em ética do Antigo Testamento ou em ética do Novo Testamento e, depois, eu me esforçarei em usar esse material para chegar a conclusões sobre o que a Bíblia, em sua totalidade, nos diz hoje sobre diversos assuntos.

Principais categorias para o estudo da ética. Este livro divide-se em sete seções principais que lidam com sete áreas de decisões éticas. Embora eu não creia que a Antiga Aliança seja moralmente vinculante para nós hoje (porque agora nós estamos sob a Nova Aliança; veja o capítulo 8), continuamos tendo que usar algum tipo de sistema para organizar o estudo de assuntos éticos, e eu entendo que os Dez Mandamentos oferecem uma estrutura útil para esse tipo de estudo. Ao usar essa estrutura, sigo uma longa tradição de cristãos que escreveram sobre ética e também procederam assim.[8] As categorias amplas que utilizo seguem a estrutura dos Dez Mandamentos (Ex 20.1-17) da seguinte maneira:[9]

Parte 1: Introdução

Parte 2: Protegendo a Honra de Deus

Mandamento 1: “Não terás outros deuses diante de mim.”
Mandamento 2: “Não farás para ti imagem de escultura.”
Mandamento 3: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão.”
Mandamento 9: “Não dirás falso testemunho.”
Mandamento 4: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar.”

Parte 3: Protegendo a Autoridade Humana

Mandamento 5: “Honra teu pai e tua mãe.”

Parte 4: Protegendo a Vida Humana

Mandamento 6: “Não matarás.”

Parte 5: Protegendo o Casamento

Mandamento 7: “Não adulterarás.”

Parte 6: Protegendo a Propriedade

Mandamento 8: “Não furtarás.”

Parte 7: Protegendo a Pureza de Coração

Mandamento 10: “Não cobiçarás.”

Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Ética Cristâ, de Wayne Grudem, Editora Fiel (em breve).

CLIQUE AQUI para ler mais artigos que são trechos deste livro.


[1] Essa definição de ética cristã é uma adaptação da definição de John M. Frame, The Doctrine of the Christian Life: A Theology of Lordship (Phillipsburg: P&R, 2008), p. 10 [edição em português: A Doutrina da Vida Cristã (São Paulo: Cultura Cristã, 2019)].

[2] Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical, 2ª ed. (Londres: Inter-Varsity; Grand Rapids: Zondervan, 2020), p. 1 [edição em português: Teologia Sistemática: Completa e Atual, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 2022)].

[3] Ibid, p. 26. No mesmo livro, defini a ética cristã com outras palavras: “Ética cristã é qualquer estudo que responda à pergunta: ‘O que Deus exige que façamos e que atitudes ele exige que tenhamos hoje com respeito a qualquer situação?’” (ibid.). A nova definição que adoto neste livro muda a ênfase do que Deus requer para o que ele aprova, pois há inúmeras ações específicas na vida (como o ato de contemplar um lindo pôr de sol ou espontaneamente cantar um hino de louvor) que Deus não exige de nós naquele momento, mas que ele certamente aprova. Eu também acrescentei traços de caráter pessoal (às vezes chamados de virtudes) à definição, depois de algumas conversas com David Horner (da Talbot School of Theology), nas quais ele chamou minha atenção para a frequente ênfase do Novo Testamento na importância das virtudes cristãs (veja o capítulo 4).

[4] Confira o aclamado livro de Oliver O’Donovan, Resurrection and Moral Order: An Outline for Evangelical Ethics, 2ª ed. (Leicester: Apollos; Grand Rapids: Eerdmans, 1994), para aprender mais sobre essa abordagem.

[5] Confira o influente livro de Richard B. Hays, The Moral Vision of the New Testament: Community, Cross, New Creation: A Contemporary Introduction to New Testament Ethics (Nova York: HarperSanFrancisco, 1996). O livro de Hays cita muito mais textos bíblicos, especialmente textos do Novo Testamento, do que o livro de O’Donovan, enquanto o método de argumentação de O’Donovan é mais distintivamente filosófico. Mas, para os dois autores, o ponto de partida não é a Bíblia inteira vista como uma unidade coerente, e sim alguns temas teológicos importantes extraídos da Bíblia.

[6] Confira, por exemplo, Walter C. Kaiser Jr., Toward Old Testament Ethics (Grand Rapids: Zondervan, 1983); Christopher J. H. Wright, Old Testament Ethics for the People of God (Downers Grove: InterVarsity Press, 2004); Gordon J. Wenham, Story as Torah: Reading Old Testament Narrative Ethically (Grand Rapids: Baker, 2000); Gordon J. Wenham, Psalms as Torah: Reading Biblical Song Ethically (Grand Rapids: Baker, 2012).

[7] Veja, por exemplo, Thomas R. Schreiner, 40 Questions about Christians and Biblical Law (Grand Rapids: Kregel, 2010); Frank Thielman, The Law and the New Testament: The Question of Continuity (Nova York: Herder & Herder, 1999); Frank Thielman, Paul and the Law: A Contextual Approach (Downers Grove: InterVarsity Press, 1994).

[8] Outros autores que também estruturam suas análises da ética cristã com base nos Dez Mandamentos incluem  João Calvino, Institutas da Religião Cristã, Tomo 1 (São Paulo: Editora UNESP, 2008), p. 349-399; CMW (1647), Perguntas 98–148; Charles Hodge, Teologia Sistemática (São Paulo: Hagnos, 2001), p. 1216-1364; Frame, A Doutrina da Vida Cristã; David W. Jones, An Introduction to Biblical Ethics, B&H Studies in Christian Ethics (Nashville: B&H, 2013); e Robertson McQuilkin e Paul Copan, An Introduction to Biblical Ethics: Walking in the Way of Wisdom, 3ª ed. (Downers Grove0: InterVarsity Press, 2014).

[9] Confira a discussão do capítulo 8 sobre a estrutura e a numeração dos Dez Mandamentos.


Autor: Wayne Grudem

É professor pesquisador de Teologia e Bíblia no Phoenix Seminary. É bacharel em ciências humanas (Harvard), mestre e doutor em teologia (Westminster Seminary, Philadelphia) e PhD em Novo Testamento (University of Cambridge). Foi tradutor da Bíblia English Standard Version, editor geral da ESV Study Bible e presidente da Evangelical Theological Society. Publicou mais de vinte livros, entre eles Ética Cristâ, publicado pela Editora Fiel.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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