segunda-feira, 4 de agosto
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Subjetivismo, filosofia do eu

O colapso da verdade objetiva

A última tendência epistemológica encontrada na história da filosofia é a subjetivista.De modo geral, o subjetivismo pode ser definido como “a doutrina que reduz a realidade ou os valores a estados ou atos do sujeito (universal ou individual)”.[1] Em outras palavras, é o entendimento de que o conhecimento não passa de mero estado psicológico de um sujeito.

Essa parece ser a alternativa diante do fracasso das tendências racionalista e empirista. Se a razão não pode fornecer o conjunto todo abrangente de certezas que promete, e a experiencia é limitada em seu escopo, além de ter sua interpretação atrelada a fatores que estão para além dela, o que resta parece ser a conclusão de que conhecimento é uma questão de subjetividade.

Para entender a lógica subjetivista, imagine um debate teórico. Alguém pode deparar com um argumento logicamente válido — isto é, que possui coerência interna, no qual as premissas são verdadeiras e conduzem adequadamente à conclusão —, mas não ser persuadido da hipótese defendida pelo argumento. Por que isso acontece? A resposta mais óbvia parece ser a de que o processo de validação do conhecimento envolve, determinantemente, aspectos relacionados à nossa subjetividade.

Agora, pense no contrário: o que acontece quando alguém é finalmente persuadido de uma hipótese? Veja o que diz John Frame, discutindo essa questão:

Posso me defrontar com um argumento sólido, e ainda pensar que não é sólido, em razão de várias objeções que me ocorrem. Contudo, às vezes, quando comparo o argumento com as objeções, nalgum ponto me convenço da solidez do argumento. As objeções se tornam menos convincentes para mim, o argumento se torna mais convincente, e em dado momento decido afirmar o argumento e rejeitar as objeções. O que me leva a fazer isso? É difícil dizer. É tão somente algo que acontece dentro de mim — uma mudança psicológica talvez — um crescente sentimento amistoso para com uma conclusão e uma hostilidade para com a outra. A mudança pode ter diversas causas. O raciocínio lógico é uma delas, mas, que é que torna o raciocínio lógico persuasivo para mim? A experiência sensorial é outra, mas que é que me faz aceitar uma interpretação da experiencia sensorial em preferência a uma interpretação diferente? Pressuposições religiosas, lealdades a grupos, gosto estético, tendências raciais e socioeconômica — um sem-número de fatores bons ou maus podem influenciar o processo de persuasão. Parece-me, pois, que, em última análise, as alegações de conhecimento são estados psicológicos, e cada um de nós avalia essas alegações por uma ampla gama de critérios altamente individuais e pessoais.[2]

Embora essa tendência tenha se tornado muito popular nos últimos anos, sendo defendida por pensadores como Friedrich Nietzsche, William James, Jean Paul Sartre, Michel Foucault e Jacques Derrida, ela sempre existiu. Talvez, a versão mais antiga do subjetivismo na filosofia ocidental seja aquela encontrada entre os sofistas — pensadores que viveram na Grécia Antiga, no período socrático, aos quais Sócrates se opôs. Seu mais conhecido expoente foi Protágoras, a quem é atribuída a famosa afirmação de que “o homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, das que não são enquanto não são”. Salomão estava certo quando escreveu, no livro de Eclesiastes, que “não há nada novo debaixo do céu” (Ec 1.9).

Neste capítulo, examinaremos a tendência subjetivista, seguindo o mesmo caminho que seguimos na apresentação das duas tendências anteriores.

Características do subjetivismo

Essa terceira e última tendência epistemológica possui algumas características marcantes.

A primeira delas, mais básica, é a defesa de que o conhecimento é construído pelo sujeito, baseada em uma ontologia antirrealista. Para o subjetivista, não há uma realidade objetiva de significados, anterior ao sujeito, à qual ele deva se submeter, mas uma realidade vazia de sentido, sendo interpretada de maneiras diferentes por diferentes indivíduos ou culturas. Em outras palavras, o sujeito não descobre a verdade, mas a cria. Afirmações cotidianas como “cada um tem sua verdade” ou “o que é verdade para mim pode não ser para você” indicam como, em nossos dias, essa tendência extrapolou os limites do ambiente acadêmico.

A segunda característica do subjetivismo, consequência da primeira, é a negação natureza objetiva da verdade. Embora divirjam em inúmeros pontos, tanto o racionalismo quanto o empirismo pressupõem que a verdade possui estatuto ontológico, ou seja, a verdade é algo objetivo e que deve ser buscada pelo sujeito, individual e coletivamente. O subjetivismo, porém, nega o estatuto ontológico da verdade. Para ele, não há conhecimento que seja válido para todos os sujeitos, mas apenas conhecimento que faz sentido para um determinado indivíduo ou grupo.

Consequentemente, o subjetivismo se caracteriza pela abertura ao relativismo absolutoe peladesconfiança em relação a qualquer sistema fechado de conhecimento. Se o conhecimento depende exclusivamente do sujeito, e não há critério para determinar o que é verdadeiro ou falso, o universo do conhecimento é apenas o ambiente de um conflito de opiniões. Isso significa que qualquer ideia pode ser considerada válida, desde que seja recebida como autoridade por um indivíduo ou grupo. O contrário também é verdadeiro. Se o conhecimento depende exclusivamente do sujeito, não havendo critério para determinar o que é verdadeiro ou falso, toda e qualquer pretensão de verdade objetiva deve ser vista como uma tentativa de dominação de um sujeito ou grupo sobre outro. Isso explica por que o ambiente acadêmico, antes visto como um esforço de construção conjunta, apesar das divergências de ideias, se tornou uma arena de guerra, uma batalha de narrativas.

Finalmente, a quinta característica da tendência subjetivista é a sua preferência pelo critério pragmático de verdade.Uma vez que não existe um padrão externo para validar o conhecimento e a verdade, estes acabam sendo definidos com base na utilidade que têm para o sujeito, individual ou coletivamente. A pergunta que o subjetivista faz para validar uma crença não é se ela é coerente com as demais crenças de um edifício teórico nem se corresponde à realidade externa, mas se funciona, se traz benefícios práticos.

Podemos distinguir entre dois tipos de pragmatismo: um que pode ser chamado de pragmatismo não epistêmicoe outro que pode ser chamado de pragmatismo epistêmico. Eles se distinguem pela interpretação do que significa funcionar ou ser útil.

O pragmatismo não epistêmico recebe essa denominação por entender “funcionamento” ou “utilidade” sem relação com quaisquer valores epistêmicos. Para esse tipo de pragmatismo, uma crença é verdadeira se o comportamento baseado nela produz resultados benéficos para quem a assume ou o se ela produz ações de resultados benéficos ou desejáveis. Resultados benéficos ou desejáveis, aqui, “podem ser identificados com coisas tais como a maximização da felicidade, o resultado positivo no balanço entre prazer e dor, entre tecnologia e controle sobre a natureza, e assim por diante”.[3]

Já o pragmatismo epistêmico recebe esse nome por entender “funcionamento”ou “utilidade” em relação a valores cognitivos. Nesse caso, uma crença é verdadeira, por exemplo, se é aquilo que uma comunidade científica pode aceitar ou se tende a predições bem-sucedidas etc. “De um modo ou de outro, as versões epistêmicas do pragmatismo identificam a verdade de uma proposição com seu sucesso epistêmico”.[4]

Como percebemos, o subjetivismo rompe radicalmente com as tradições filosóficas que afirmavam a existência de critérios universais para o conhecimento e a verdade. Adota uma abordagem altamente individualista e relativista, bem como questiona até mesmo a possibilidade de um conhecimento confiável, tornando-se, em muitos casos, autodestrutivo. É o que veremos a seguir.

Este artigo é um trecho adaptado com permissão do livro Filosofia essencial para cristãos: o mínimo que você precisa saber sobre a realidade, o conhecimento e os valores , de Filipe Fontes, em breve pela Editora Fiel.


[1] Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, trad. Alfredo Bosi et al., 5ª ed. (São Paulo: Martins Fontes, 2007), p. 1089.

[2] John M. Frame, A Doutrina do Conhecimento de Deus, trad. Odayr Olivetti (São Paulo: Cultura Cristã, 2010),p. 135.

[3] J. P. Moreland e William Lane Craig, Filosofia e Cosmovisão Cristã, trad. Sueli Silva Saraiva et al., 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 2021),p. 227.

[4] Ibid.


Autor: Filipe Fontes

Bacharel em Teologia pelo Seminário JMC e licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção. É mestre em Teologia Filosófica pelo Andrew Jumper, mestre e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor do Andrew Jumper e JMC. Casado com Lenice e pai de Ana Lívia e Daniel.

Ministério: Editora Fiel

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