segunda-feira, 29 de setembro
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A finitude e limitações humanas

Aprendendo a viver como criaturas finitas

“O resultado de uma vida ocupada é que ela raramente permite que um indivíduo forme um coração.”

Søren Kierkegaard, registro de diário

Muitos de nós não conseguimos entender que nossas limitações são um presente de Deus e, portanto, são boas. Isso produz em nós o fardo de tentarmos ser algo que não somos nem podemos ser. 

Fora do controle

A finitude da condição de criatura é menos uma ideia que descobrimos e mais uma realidade com a qual nos deparamos. 

Todd e Liz estavam casados há muitos anos e não tinham filhos, então a gravidez repentina de Liz os encheu de alegria e expectativa. Iriam ter um bebê, mas ainda não tinham descoberto se era menino ou menina, muito menos escolhido seu nome. No entanto, sem mais nem menos, as coisas saíram do controle. O bebê nasceu prematuro, com apenas 25 semanas, três dias após o Natal. A alegria deles havia se transformado em alarme. Sem saber quanto tempo ele viveria, imediatamente lhe deram o nome de Findley Fuller, em homenagem aos sobrenomes de solteira de suas mães. Liz e Todd me disseram que, sem saberem se ele viveria ou morreria, escolheram um nome para o filho que refletisse seu lugar em uma família maior e uma história maior. Ele não estava sozinho; os pais confiaram seu filho e sua história ao Deus dos vivos. 

A medicina de séculos ou mesmo décadas anteriores não teria sido capaz de salvar a vida de Finn. Ele precisava de cuidados 24 horas por dia e, mesmo com os avanços médicos, o prognóstico não parecia tão bom. Ele sobreviveria a mais uma noite, uma semana? Seu sistema era muito frágil: mostrava dificuldades com tudo, de respiração a convulsões, de infecções a perigos para seus olhos tão jovens. Cada dia trazia não apenas uma nova esperança, mas também novos obstáculos. Finn era um garotinho forte e um guerreiro, porém as probabilidades não pareciam boas. 

Depois de algumas semanas com seu filho lutando pela vida, apesar de sua exaustão, Todd encontrou forças para escrever uma atualização sobre a condição do bebê no site CarePage,  comentando: “Tudo isso traz muitos novos medos e ansiedades para Liz e para mim. Mas confiamos na fidelidade, misericórdia e no amor de Deus. E temos confiança na equipe médica da UTI neonatal. Reconhecemos o medo, porém nos apegamos à esperança.” Todd então nos lembrou que estava escrevendo no Dia de Martin Luther King Jr. e citou esse ministro americano defensor dos direitos civis, o qual declarou certa vez: “Devemos aceitar uma decepção finita, mas nunca devemos perder a esperança infinita.”  Todd então finalizou: “Deus é capaz.” Ele não mencionou nossos limites como uma desculpa para os médicos desistirem, e sim como o contexto para seus melhores esforços. Somente Deus era e é infinito.

[Finito, adj.s.m. Que ou o que tem um fim, um limite.

Finitude, s.f. Qualidade, propriedade ou condição do que é finito; fato de ser qualitativamente finito, limitado.]

Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

A vulnerabilidade da vida de seu filho lembrou Todd e Liz de seu próprio lugar minúsculo e relativamente frágil diante de um cosmos incompreensivelmente enorme e ameaçador. De pé no hospital ao lado de Findley, eles estavam bastante cientes de que, desde um asteroide estranho até aos germes cotidianos, as partes do mundo que podem nos machucar muitas vezes operam além do nosso controle ou mesmo da nossa previsão. Entregaram seu filho recém-nascido aos cuidados dos médicos, porém ainda mais aos cuidados de Deus. Ainda assim, mesmo com isso, como alguém “aceita a decepção finita” enquanto mantém a “esperança infinita”? Excelentes enfermeiros e médicos estavam dando tudo o que tinham para preservar a vida do pequeno Finn, e Todd e Liz sabiam que o infinito Deus da graça e do amor se importava mais com eles e com seu filho do poderiam imaginar, então se confortavam nisso. Contudo, quando a imperfeição do mundo atinge nossas limitações humanas, isso sobrecarrega nossas emoções, vontade e compreensão para além de nossas capacidades. 

Todos nós oscilamos entre a ilusão de que estamos no controle e a demonstração do mundo de que não estamos. Graças a Deus, Finn sobreviveu e floresceu, conforme os meses e agora os anos se passaram: como você pode imaginar, seu batismo e primeiro aniversário foram grandes celebrações! Não obstante, as memórias daquele tempo assustador e humilhante de sua vida lembram Todd e Liz e seus amigos de que os limites de nossa capacidade para lidar com a vida estão mais próximos do que gostaríamos. 

Seja por uma tragédia ou simplesmente como resultado do envelhecimento, todos somos repetidamente lembrados de que consistimos em criaturas frágeis e dependentes.  Mas não são apenas nossos corpos que nos enfrentam com esses limites incômodos — também os vemos em um colega de trabalho com maiores dons intelectuais do que os nossos, ou um colega atleta que é muito mais rápido, ou um pai idoso cujo declínio de sua estabilidade emocional e psicológica ameaça a saúde de nosso relacionamento com ele. Temos muito menos controle do mundo e até de nós mesmos do que gostaríamos de imaginar. Algumas pessoas respondem vivendo como vítimas passivas, enquanto outras agressivamente tentam controlar o máximo possível. 

Sabemos que nossas ações importam, e muito. Um médico que estudou muito costuma ser melhor do que aquele que simplesmente queria passar nos exames. Os pais que desejam ser atenciosos com a criação de seus filhos, buscando evitar erros que herdaram de seus próprios pais, são melhores do que guardiões negligentes. Infelizmente, os pacientes ainda morrem em cirurgias sob os cuidados de excelentes médicos, e os pais dedicados presumem equivocadamente que podem fazer tudo perfeitamente “certo”, ignorando seus próprios pontos cegos, fatores culturais maiores e diferenças de personalidade. O que fazemos importa. Podemos e conseguimos mudar as coisas. Todavia, quando supomos que podemos controlar todas as nossas circunstâncias, logo descobrimos que não podemos. Não dizemos isso, mas vivemos como se o peso do mundo estivesse em nossos próprios ombros; e isso nos esgota. Por trás do sorriso paciente em nosso rosto, escondemos uma raiva persistente pelas intermináveis demandas a serem atendidas, sonhos não realizados e decepções relacionais. 

O estranho é que, mesmo quando nos deparamos com nossos limites inevitáveis, muitas vezes nos apegamos à ilusão de que, se ao menos nos esforçarmos mais, se simplesmente tentarmos mais, se nos tornarmos mais eficientes, poderemos um dia recuperar o controle. Imaginamos que podemos manter nossos filhos seguros, nossas rendas garantidas e nosso corpo inteiro. Quando me queixo de estar envelhecendo, minha esposa às vezes ri e me responde: “Você tem duas opções: ou está envelhecendo, ou está morto.” Negar nossa finitude nos limita de maneiras que não percebemos, além de distorcer nossa visão de Deus e de como deve ser a espiritualidade cristã. 

***

A finitude é um aspecto inevitável de nossa existência como criaturas. Percebemos isso constantemente e de maneiras diferentes. Se prestarmos atenção, poderemos notar. Não é preciso um acidente de carro ou uma visita inesperada ao hospital para descobrirmos nossos limites e dependência. Mas estamos ouvindo? Reconhecemos os sinais? Eles estão ao nosso redor. Muitas vezes nossa vida é um testemunho de que acreditamos que realmente podemos e devemos fazer tudo. Thomas Merton, com base em uma observação de Douglas Steere, comentou certa vez: 

Há uma forma popular de violência contemporânea à qual o idealista sucumbe com mais facilidade: ativismo e excesso de trabalho. A pressa e a pressão da vida moderna são uma forma, talvez a forma mais comum, de sua violência inata. Deixar-se levar por uma multidão de preocupações conflitantes, render-se a muitas demandas, comprometer-se com muitos projetos, querer ajudar a todos em tudo, é sucumbir à violência. O frenesi do nosso ativismo neutraliza o nosso trabalho pela paz. Ele destrói nossa própria capacidade interior de ter paz. Destrói a fecundidade de nosso próprio trabalho, porque mata a raiz da sabedoria interior que torna o trabalho frutífero.  

Merton escreveu isso há mais de cinquenta anos, porém sua preocupação é ainda mais relevante agora do que era naquela época.

Edte artigo é um trecho adaptado e retirtado com permissão do livro Conheça seus limites, de Kelly Kapic, em breve pela Editora Fiel.


Autor: Kelly M. Kapic

(PhD, King’s College, Universidade de Londres) é professor de Estudos Teológicos no Covenant College em Lookout Mountain, Geórgia, onde leciona desde 2001. Ele é um orador popular e o premiado autor e editor de mais de quinze livros, incluindo Mapping Modern Theology, The God Who Gives, e, premiado pela revista Christianity Today, Embodied Hope: A Theological Meditation on Pain and Suffering. Kapic publicou nos sites Christianity Today e Gospel Coalition e trabalhou em grupos de pesquisa financiados pela Fundação John Templeton. Ele também contribui para o Journal of Spiritual Formation and Soul Care e vários outros periódicos.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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