a. Gênesis 9.5-6. O primeiro indício do estabelecimento do governo civil por Deus na sociedade humana aconteceu quando Noé e sua família saíram da arca depois do diluvio. Deus disse que exigiria punição (“requererei”) pelo crime de homicídio e que a pena seria aplicada por outros seres humanos:
Certamente, requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida; de todo animal o
requererei, como também da mao do homem, sim, da mão do próximo de cada
um requererei a vida do homem. Se alguém derramar o sangue do homem, pelo
homem se derramara o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem.
(Gn 9.5-6)
Aqui Deus declarou que o crime de homicídio (que a Bíblia descreve como “derramamento de sangue”) seria pago com a própria vida do homicida: “pelo homem se derramara o seu [sangue] (veja a discussão sobre pena capital no capitulo 18, p. 499).
Não são dadas outras informações sobre o governo civil, mas, ao proferir essas palavras a Noé, Deus estabeleceu para os seres humanos a obrigação de aplicar a mais severa penalidade (a remoção de uma vida humana) como castigo para o mais terrível crime (o assassinato de outro ser humano). Uma vez que esse princípio foi estabelecido, a imposição de penas menores por crimes menores foi validada, pois um governo que tem o direito de aplicar a mais severa pena certamente tem o direito de aplicar penas menores por crimes menores. (Por exemplo, vários tipos de castigos foram estabelecidos para o governo do povo de Israel nas leis que se encontram de Êxodo a Deuteronômio.)
Esse mandamento que Deus deu a Noé e importante para o nosso objetivo no século 21, visto que foi dado muito antes do estabelecimento do povo de Israel como um conjunto de descendentes de Abraão (começando em Gn 12) ou antes do estabelecimento de Israel como uma nação distinta (começando com o êxodo do Egito em Êx 12.33-42, a passagem pelo Mar Vermelho em Ex 14 e a assembleia da nação no Monte Sinai em Êx 19–20). O mandamento dado a Noé em Genesis 9 foi dado no início do restabelecimento da sociedade humana, depois que Deus destruiu tudo, exceto a família de Noé, por meio das águas do diluvio. Portanto, uma interpretação bíblica cuidadosa não limita os princípios de Genesis 9.5-6 ao Antigo Testamento ou somente a nação de Israel, pois o contexto implica que esses princípios tem relevância para toda a raça humana de todas as épocas.
b. A anarquia é um mal altamente destrutivo. Outras partes do Antigo Testamento reforçam a importância de um governo para restringir o mal, pois mostram que, quando não ha governo ou o governo e tão fraco que e incapaz de aplicar suas leis, há resultados destrutivos. As histórias de Juízes 17–21 contém alguns dos pecados mais terríveis registrados na Bíblia. Essas passagens nos ensinam os terríveis resultados da anarquia, que se dá quando não há nenhum governo. Essa era a situação em Israel na época, já que, “naqueles dias, não havia rei em Israel; cada qual fazia o que achava mais reto (Jz. 17.6; cf. 18.1; 19.1; 21.25).
Essas trágicas narrativas de Juízes revelam de maneira assustadora o motivo por que o governo civil e tão necessário entre seres humanos pecadores. Onde não há governante, pecadores inventam a própria moralidade e logo começam a fazer coisas terríveis uns contra os outros. Quando nao ha autoridade governamental para impedir pessoas mas, o mal simplesmente cresce.
c. Governos devem aplicar a justiça e defender os fracos. Outra maneira de descrever o castigo contra o mal e a recompensa pelo bem e falar sobre a“aplicação da justiça”, onde “justiça” significa governar de acordo com os justos padrões das leis de Deus. Se um rei aplica justiça, isso significa que ele castiga aqueles que praticam o mal e protege e recompensa aqueles que fazem o certo. Assim, justiça significa que as pessoas recebem o que elas merecem.[i]
O salmista apresenta Deus falando aos governantes terrenos sobre justiça:
Até quando julgareis injustamente e tomareis partido pela causa dos ímpios? Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado. Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. (Sl 82.2-4)
Essa declaração enfatiza que os governantes (1) precisam julgar com equidade e justiça, isto e, não devem ser parciais. Devem julgar somente de acordo com a lei e com os fatos do caso; (2) precisam dar atenção especial a defesa do“fraco e do órfão” e, por implicação, de outros que tem pouca forca para se defender; e (3) precisam usar suas forças para impedir os “ímpios” de fazerem o mal, especialmente contra“o fracoe o necessitado”.
Uma passagem parecida de Daniel ensina o mesmo. Daniel disse ao rei Nabucodonosor que Deus queria que ele praticasse “justiça” e usasse “de misericórdia para com os pobres” (Dn 4.27).
d. Governos devem aplicar penas rápidas como forma de dissuasão do crime.
A seguinte passagem de Eclesiastes reforça o quanto e importante que o governo civil restrinja o mal:
Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal. (Ec 8.11).
Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Ética Cristâ, de Wayne Grudem, Editora Fiel (em breve).
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[i] Curiosamente, a Igreja Católica Romana define a justiça nas instituições sociais de maneira parecida: “A sociedade garante a justiça social, quando esta prove as condições que permitem as associações e aos indivíduos obterem o que lhes e devido” (Catecismo da Igreja Católica, § 1928).
