quinta-feira, 14 de agosto
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7 temores mortais: temor de si mesmo

Eu mesma, arquitraidora de mim mesma; / Minha mais insincera amiga, minha mais mortal amiga, / Meu obstáculo em qualquer estrada que eu vá.

Christina Rossetti, em seu poema Who shall deliver me?,[1] se contorce em sua imaginação à medida que busca algum meio de salvar-se do seu pior inimigo: ela mesma. Ela suplica a Deus que lhe dê força para suportar o seu “inalienável peso de preocupação”: ela mesma. Ela corre para o seu quarto e fecha a porta, para impedir a entrada de todos os outros com sua tagarelice tediosa, mas não pode escapar de quem mais detesta: ela mesma. Ela deseja ansiosamente recomeçar a vida com uma lousa limpa. Ela roga a Deus que a robusteça contra sua própria “voz patética”.

Talvez com menos drama – contudo, talvez, às vezes, com ainda mais –, cada um de nós se sente traído por si mesmo. “O nosso coração nos condena” (1 João 3.20) e parece não haver jeito de proteger nossos ouvidos da voz de autoacusação. Esse acusador interno insulta a qualidade da nossa fé: “Seu tolo. Você pensa que Deus se impressionará com o seu tipo de religião?”. Ele cataloga minuciosamente os nossos pecados, desde a infância até esta semana, e indaga: “Pode semelhante fé salvá-lo?”. Ou ele cava até o mais fundo e mais delicado ponto de nossa consciência, encontra o pecado do qual temos mais vergonha e sustenta que aquilo é imperdoável e que estamos além do alcance da misericórdia de Deus.

A beleza da Bíblia é que ela nunca nos deixa pensar que estamos sozinhos em nossos temores. Rossetti sabia disso: o título do seu terrivelmente íntimo poema vem diretamente dos lábios de Paulo em Romanos 7.24. Ali ele considera a loucura do seu próprio pecado e a sua inabilidade de amar a Deus do modo que deseja – e das profundezas ele exclama: “Quem me livrará?”. Ela estava seguindo as pegadas de Paulo pelo vale da sombra da morte.

Paulo encontra o caminho para sair daquele lugar sombrio: imediatamente após o seu clamor desesperado, ele prega a si mesmo. Ele proclama, em resposta à sua própria pergunta: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (v. 25) e “Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (8.1). Nós precisamos aprender este padrão: o movimento da autoacusação e da autocondenação para a autoproclamação das boas novas de Jesus Cristo.

Paulo provavelmente aprendeu isso pelo hábito de orar os salmos, pois Davi frequentemente pregava a si mesmo. Os filhos de Corá também apresentam um claro modelo disso nos Salmos 42 e 43, possivelmente uma única composição de três lamentos. No primeiro lamento (42.1-4), o salmista tem sede de Deus e anela por estar com ele, mas se sente distante e até mesmo separada dele. No segundo (vv. 6-10), ele se sente esquecido por Deus e oprimido pelos seus inimigos, sobrecarregado e afundado em ondas de tribulação – ao ponto de ele experimentar o seu medo e angústia como uma ferida mortal em seus ossos. No terceiro (43.1-4), ele se sente rejeitado por Deus.

Cada lamento é seguido por um breve, mas potente, sermão evangélico – o mesmo sermão, repetido como um refrão:

Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu. (Salmo 42.5, 11, 43.5)

Observe a mudança de si mesmo (“ó minha alma”) para Deus (“espera em Deus”). A esperança ressuscita quando o coração volta o olhar para Deus. Paulo fez o mesmo, voltando-se do “miserável homem” que ele era em Romanos 7.14-24 para Deus, por meio de Jesus Cristo, no versículo 25. À medida que o coração sonda interiormente – somando pecados passados, rememorando fracassos passados, lamentando sofrimentos –, ele apenas encontrará razões para a dúvida de si mesmo, o desencorajamento e o temor.

Devemos pregar o evangelho a nós mesmos. Isso exige que mantenhamos nosso rosto na Bíblia, ouvindo a voz de Deus, encontrando a nossa confiança nele e em suas promessas, e não em nós mesmos. O que nós descobriremos na Palavra é que, “se o nosso coração nos acusar, certamente, Deus é maior do que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1 João 3.20). Isso é verdadeiro – ele sonda o nosso coração de modo mais penetrante do que a nossa consciência pode fazer e sabe que nós somos de fato piores do que jamais imaginamos.

Mas, a despeito disso, “Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Romanos 5.8, NVI). Quando Paulo reflete sobre isso em Romanos 8.31-39, ele percebe o impensável: Deus está do nosso lado – mesmo contra o nosso coração. Paulo se aquece sob a revigorante luz dessa notícia até que não haja mais ninguém para acusá-lo. De fato, o pensamento de que Deus iria voltar-se contra nós, depois de entregar o seu Filho por nós, ou de que o Filho iria nos abandonar, quando foi ele mesmo que morreu por nós e que vive a interceder por nós – bem, esse pensamento é absolutamente impossível.

Como Paulo, Rossetti ao final volta-se de si mesma e descobre que

Contudo, há Alguém que pode refrear a mim mesma, / Que pode tirar de mim o fardo sufocante / Quebrar o jugo e me pôr em liberdade.

Notas:

[1] N.T.: “Quem me livrará?”, sem tradução em português.

 

Tradução: Vinícius Silva Pimentel

Revisão: Vinícius Musselman Pimentel


Autor: Kris Lundgaard

Rev. Kris Lundgaard é missionário pela Mission to the World, uma agência da Presbyterian Church in America, atualmente servindo na Eslováquia. É autor do livro The Enemy Within [sem tradução em português].

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