segunda-feira, 5 de maio
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A dinâmica do abuso no casamento

Quando há um marido opressor

Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? (Mt 7.16)

Mateus e Sara brigavam rotineiramente sobre como passar seus fins de semana. Sara valorizava seus parentes e queria passar o máximo de tempo possível com eles. Mateus desejava dedicar mais tempo para que sua família de quatro pessoas pudesse desfrutar uns dos outros. Era difícil para ambos chegar a um acordo, porque cada um temia desistir de algo que valorizava, e eles frequentemente discutiam sobre o que deviam fazer em um determinado fim de semana.

Enquanto eu investigava o assunto no aconselhamento, percebi junto com eles que, embora Sara apreciasse o marido e os filhos, ela também tinha medo de perder experiências com sua família mais ampla. Quando ela se tornou capaz de lidar com esse medo, ficou mais disposta a abrir mão de certos eventos para passar um tempo apenas com sua família imediata. E depois de algumas lutas e orações, Mateus compreendeu que ele não apenas queria um tempo sozinho com seus filhos; percebeu que queria fins de semana mais tranquilos, para poder assistir a esportes na TV sem interrupção. Ele não gostava de ser tão cobrado no relacionamento. Ver essa tendência egoísta em si mesmo permitiu que ele a confessasse a Sara. Isso a abençoou muito. Eles começaram a pedir em oração que o Senhor os ajudasse a discernir a melhor forma de amar uns aos outros e passar os fins de semana. O que Sara e Mateus queriam (experiências familiares compartilhadas e tempo ocioso) não era inerentemente pecaminoso; foi quando seus desejos se tornaram exigências que ambos pecaram um contra o outro. Quando eles priorizaram seus próprios anseios em vez de cuidarem um do outro, as coisas ficaram feias. Mas era essa uma situação abusiva? De modo nenhum. Mateus e Sara estavam ambos angustiados por sua desunião. Eles estavam dispostos a refletir sobre seu próprio coração, negociar suas diferenças e confiar em Deus nas suas dificuldades de amar um ao outro.

Mateus e Sara são um exemplo de conflito conjugal típico. Quando ambos os cônjuges em um casamento estão dispostos a trabalhar e crescer, o aconselhamento pode abordar a dinâmica de suas lutas relacionais compartilhadas. Se ambos os cônjuges trabalham para tornar Cristo o centro, confiam nele e se arrependem de suas lealdades a outras coisas, o casamento deles melhora.

Por causa disso, quando comecei a aconselhar casais, eu procurava ver como os padrões de pecado de cada pessoa estavam se desenvolvendo e enredando o outro. Quando Júlia, uma de minhas primeiras aconselhadas, relatou que seu marido mostrava pouco interesse por ela, eu ingenuamente gastei quinze minutos esboçando coisas que ela poderia fazer para reaquecer o vínculo entre eles, tais como planejar uma noite romântica ou procurar um passatempo em comum. Eu presumi que ela estava contribuindo para o problema; talvez ela tivesse deixado seu próprio interesse minguar. Eu erroneamente presumi que a acusação de seu marido — de que Júlia era fria e não conseguia expressar amor por ele — era verdadeira e que, no fundo, ele queria um casamento melhor, assim como Sara e Mateus queriam.

Porém, quando Júlia tentou implementar aquelas ideias, os resultados foram desastrosos. Comecei a perceber que meu conselho havia deixado Júlia mais vulnerável às constantes críticas do marido. Pior, eu a fizera acreditar que ela era responsável pelo tratamento cruel de seu marido. Sem querer, eu lhe havia transmitido a mensagem de que, se ela corresse atrás de seu cônjuge, seria digna do amor dele e evitaria a rejeição. Eu não poderia estar mais enganada.

Por que minha abordagem falhou? Eu não levara em conta o modo como funciona a opressão. Quando um cônjuge é opressor, seus desejos se tornam exigências, e ele está disposto a dominar continuamente o outro cônjuge para que seu mundo seja o que ele quer. A opressão é muito mais do que um problema de ira ou um problema conjugal. Opressão é controle coercitivo. O comportamento opressivo não é provocado. É o comportamento que conquista algo para o agressor. É uma expressão de possessividade perniciosa.

O que está na raiz da opressão?

Todos nós sabemos o que é sentir-se presunçoso. Isso acontece quando nossos desejos, mesmo desejos por coisas boas, se tornam perversos.

Eu exijo. Você me deve.

Eu tenho o direito de insistir.

O que eu quero é mais importante.

Por exemplo, depois de um longo dia de educação domiciliar, sinto-me cansada. Não vejo a hora de sentar-me pelo resto da noite, logo após concluir todas as tarefas do dia. Tudo o que quero é ter trinta minutos para mim mesma, para espairecer. Porém, quando minha filha se levanta da cama às 23h com algum pedido, esses justos desejos que tenho podem mudar para pior. “Eu trabalhei duro o dia todo. Não é justo que eu tenha de cuidar disso agora. Estou cansada; preciso de um tempo! Acabei de me sentar!” É muito fácil que esses sentimentos tomem conta da minha atitude e se transformem em um rígido senso de presunção.

Porém, na verdade, há uma escolha diante de mim, ainda que eu não perceba. Eu posso ceder à minha crença de que mereço descanso e posso reagir com frustração e ira. Ou posso deixar de lado meus desejos e cuidar das necessidades da minha filha.

Todos nós podemos nos identificar com isso; todos somos tentados a exigir o que queremos dos outros. Podemos escolher nos entregar aos nossos desejos pecaminosos ou podemos nos arrepender deles e buscar servir ao Senhor e uns aos outros. Mas algumas pessoas nunca percebem que têm essa escolha. Os opressores veem apenas um caminho: o caminho da realização de seus desejos. Eles usarão todos os meios necessários para conseguir o que querem. No exemplo acima, uma mãe abusiva pode repreender a criança sonolenta com uma longa lista de falhas da criança ou pode ameaçá-la até que ela volte para a cama. Mesmo quando seu filho desobedece, o modo egocêntrico como uma mãe abusiva reage a essa desobediência traz dano, e não disciplina e crescimento, à criança. Tal mãe está mais preocupada com seu próprio conforto do que com o conforto ou a disciplina de que seu filho precisa. Ela deixa de ver a dor que seu comportamento causa ao seu filho amedrontado. Os opressores sentem que seus esforços para conseguir o que querem são tão legítimos que ficam cegos ou indiferentes aos efeitos que suas exigências têm sobre os outros.

Deus deseja que vivamos em busca de amá-lo e de amar aos outros acima de nós mesmos. Os opressores exigem que os outros os amem e os sirvam. Consideraremos as razões para isso na próxima seção.

Embora todos lutemos com a presunção, os opressores exibem padrões de exigência e punição que são arraigados, inflexíveis e implacáveis. A presunção comum se torna perniciosa quando leva uma pessoa a punir aqueles que se tornam obstáculos às suas exigências. Uma pessoa tóxica e presunçosa:

• desvia toda a culpa de si;

• não admite erros;

• racionaliza comportamentos punitivos como uma resposta apropriada.

Essa presunção pode prejudicar qualquer relacionamento; mas, especialmente no casamento, a presunção perniciosa cria um clima de medo, no qual um dos cônjuges trabalha duro para evitar que o outro fique irado e o castigue. Mesmo que a esposa oprimida mude, isso não melhora o casamento e pode fortalecer ainda mais a opressão, por alimentar o próprio fogo que ela está tentando extinguir.


Este artigo é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Desmascarando o Abuso, de Darby A. Strickland, Editora Fiel.

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Autor: Darby A. Strickland

Darby Strickland aconselha e ensina no CCEF. Ela é colaboradora de Becoming a Church That Cares Well for the Abused e autora de dois livretos, Domestic Abuse: Recognize, Respond, Rescue e Domestic Abuse: Help for the Sufferer.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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