O trecho abaixo foi adaptado com permissão do livro À mesa com Jesus, de Sinclair B. Ferguson, Editora Fiel.
O primeiro princípio é que a produtividade — nosso crescimento na vida cristã — depende de nossa união com o Senhor Jesus. Os ramos dependem da videira para produzir boas uvas.
Paulo aprendeu isso. Ele escreveu: “Tudo posso naquele [en tō] que me fortalece” (Fp 4.13). Ele não quis dizer que podia fazer tudo o que quisesse, e sim que, por sua vida estar “oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Cl 3.3), havia recursos para lidar com qualquer situação. Dessa forma, ele sabia como lidar com riqueza e pobreza, bem como com exaltação e humilhação, porque estava “em Cristo”. Consequentemente, sua vida causou impacto na vida de outros, “frutificando” em sua influência sobre eles, apontando-lhes o Senhor.
No entanto, não há produtividade se os ramos ficam doentes. Somente ramos limpos e saudáveis podem dar bons frutos. O mesmo acontece com os discípulos. Eles já tinham sido limpos pela palavra de Jesus e seriam ainda mais limpos por meio da poda. A menos que continuassem a depender dos recursos de Jesus, não podiam fazer bem algum: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Logo, era preciso “permanecer” nele.
Mas o que significa “permanecer em Cristo”? Seria preciso um livro inteiro para explicá-lo bem. Contudo, no contexto de João 15, significa viver sabendo que o Filho de Deus nos ama e se entregou por nós, que ele habita em nós através de seu Espírito Santo e que nossa vida agora pertence a ele, e não a nós mesmos. Cremos dentro de Cristo (Paulo usa essa preposição para descrever a união). Todos os recursos presentes nele agora são nossos, de sorte que devemos depender deles.
Valorizar isso transforma não apenas a maneira como pensamos em nós mesmos, mas também a maneira como pensamos uns nos outros e nos tratamos mutuamente na igreja. Se, ao ver o outro, nós pensássemos: “Ela é alguém em quem o Senhor da glória não tem vergonha de morar!”, será que isso não mudaria a forma como nos tratamos? “Cristo deu tanto valor a ele; então, eu deveria valorizá-lo também!” Assim, nossa família da fé teria a mesma produtividade da igreja primitiva, e as pessoas seriam atraídas a Cristo pela simples atmosfera de nossa comunhão.
A poda do Pai
Agricultores podam suas videiras. Parte da genialidade dessa ilustração de nosso Senhor é o fato de ela ser multiforme. Videiras crescem por influência do solo, do sol e da chuva. Todavia, crescem também pelo uso da faca de poda: “Todo ramo… que dá fruto [ele] limpa, para que produza mais fruto ainda” (Jo 15.2).
Certa vez, um amigo da Califórnia me levou para conhecer suas vinhas. O chão estava coberto de pequenos ramos, cortados pelas facas de seus trabalhadores — incontáveis sinais de que era época de poda. Contudo, as facas não foram usadas para destruir, e sim para favorecer a frutificação.
Se não soubéssemos nada sobre horticultura e jardinagem, ver alguém cortar pedaços de videiras ou arbustos pareceria uma destruição irracional. Mas isso é necessário para o crescimento saudável, a fim de se gere uma planta forte, com frutos melhores.
Os ramos de uma videira não sentem dor. Nós, sim, ao contrário deles. Entretanto, como eles, não entendemos o que o Agricultor está fazendo. Assim, quando somos podados, perguntamos: “Por que Deus está fazendo isso? Será que ele não se importa comigo?” Nossa reação natural à poda é dizer: “Por favor, pare! Não está vendo que isso está me ferindo?”
Mas aqui Jesus nos ajuda. É verdade que entender que o Pai é um Agricultor usando a faca de poda não alivia nossa dor nem dá resposta a todos os mistérios da vida. Nossas mentes são finitas demais para compreender plenamente o que o infinito Senhor de todos está fazendo. Porém, se nos apegarmos ao ensino de Jesus sobre nossa união com ele, perceberemos que aquilo que aos nossos olhos parece doloroso (e até mesmo um desperdício) é essencial para nosso crescimento e utilidade espiritual. É assim que Deus cultiva em nós o fruto do Espírito (Gl 5.22-23).
O bispo Westcott bem o expressou: “Tira-se do ramo tudo o que tende a desviar o poder vital da produção de fruto”. Ao cortar fora tudo o que atrapalha nosso crescimento, ele nos faz mais parecidos com Cristo e mais úteis em seu serviço.
A videira verdadeira
Essa é uma lição que Amy Carmichael (1867-1951) teve de aprender por si mesma, a qual ela costumava ensinar a outros. Missionária na Índia por mais de cinquenta anos, ela viu e experimentou muito sofrimento. Contudo, refletindo sobre tal passagem, ela escreveu estas sábias palavras:
Que desperdício incrível parece ser ver espalhadas no chão as folhas verdes brilhantes, com o tronco nu, sangrando em mil lugares por causa da faca afiada. Mas, no que diz respeito a um lavrador experiente e confiável, não há sequer um golpe aleatório; nada foi cortado que não teria sido uma perda manter e um ganho perder.
E ela orava: “Tira de mim, bom Senhor, toda distração”.
Quando o Agricultor usa sua faca de poda, os efeitos podem ser dolorosos, e seu propósito maior, desconhecido. Mas ele nunca comete erros. Nenhum corte é à toa. Jesus poderia ter repetido aqui o que disse a Pedro: “O que eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” (Jo 13.7).
Isso se aplicava a lavar os pés de Pedro e se aplica a todo corte da divina faca de poda.
O alimento da Palavra
Jesus acrescenta um terceiro e importante princípio: sua Palavra é o que nutre a união com ele. “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15.3). Ele havia tranquilizado seus discípulos dizendo que estavam “limpos”.
Mas, se o canal de sua união com Cristo devia permanecer limpo, a fim de que seus pedidos de oração correspondessem à vontade de Deus, os discípulos precisariam continuar dando espaço para a Palavra de Cristo agir neles: “Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito” (v. 7). Essas palavras são importantes, pois indicam o que envolve permanecer em Cristo.
A essa altura, porém, a interpretação das palavras de Jesus pode tomar um rumo indesejado. Precisamos resistir à tentação de ver a palavra “permanecer” e tirar os olhos da página. Talvez você já tenha participado de um grupo de estudo bíblico em que a discussão saiu totalmente de foco, porque alguém disse: “Gosto de pensar que ‘permanecer em Cristo’ é…” O que “gostamos de pensar” não importa! Em vez disso, precisamos perguntar ao texto: “O que você pensa?” Quando nos mantemos focados na passagem, é comum os detalhes ficarem claros. É o que acontece aqui, pois o próprio Jesus nos diz como “permanecer” nele: permanecemos nele ao permitir que sua Palavra habite em nós.
Aqui temos um padrão que aparece em outras partes do Novo Testamento. Paulo escreve sobre a união com Cristo nestes termos: “Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele” (Cl 2.6). Mas como fazemos isso? A resposta aparece no capítulo seguinte: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo…” (Cl 3.16).
Logo, se você quer habitar em Cristo, permita que a Palavra de Cristo habite ricamente em você. Não deixe nenhum quarto de sua vida fechado para ela, nem mesmo um armário. Permita que ela traga luz à sua mente, que ela aqueça seu amor por Cristo, que ela submeta sua vontade à dele. A Palavra de Cristo é o instrumento de Cristo, usado pelo Espírito de Cristo para fomentar a união com Cristo e nos transformar à imagem de Cristo. É assim que “todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18).
Antes de concluir esse princípio, há mais um aspecto que devemos notar. Às vezes, uma doença invisível adentra a corrente sanguínea do cristão. Ele é levado a pensar desta forma: “Meu estudo bíblico (seja na forma de pregação, seja de pequenos grupos ou de estudo individual) me ensina o que devo fazer. Daí vou e faço”.
É claro que há mandamentos na Escritura. O próprio Jesus já nos disse: “Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17). Obediência é essencial.
Porém, nunca devemos perder de vista o fato de que é a própria Palavra que age em nós. Foi o que Jesus disse: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (15.3). Mais adiante, sua oração segue a mesma linha: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (17.17).
Qual é a lição principal? É que o crescimento em santidade envolve fazermos o que a Palavra de Deus nos diz. Contudo, mais importante que fazermos o que a Palavra de Deus nos diz é o que a Palavra de Deus está fazendo em nós! Sim, somos chamados a ser ativos para ele. Mas isso só é possível quando deixamos a Palavra de Deus fazer sua obra em nós.
Paulo expressa esse mesmo princípio aos tessalonicenses. Paulo se alegrou com o fato de que eles aceitaram a Palavra de Deus “não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes” (1Ts 2.13).
É por isso que é tão importante para nós nos sentarmos aos pés de um ministro fiel da Palavra de Deus, encorajando aqueles que pregam, a fim de que nos alimentem bem, e orando para que Deus abençoe suas exposições. Qualquer pregador que se preze tem prazer em ter ouvintes dispostos, como se dissessem: “Alimente-me mais! Quero que a Palavra de Cristo habite ricamente em mim, a fim de que minha comunhão e união com Cristo deem mais frutos”.
Sem essa disposição, tornamo-nos anêmicos. Mas pode ser que não notemos nossa fraqueza por um tempo. Acabamos nos ajustando à dieta espiritual que recebemos e nos acostumamos com ela como se fosse normal, de forma que tendemos a achar que estamos vivendo vidas cristãs normais. É só quando nos vemos numa situação em que a Palavra de Deus é bem exposta que finalmente acordamos para o fato de que estávamos à beira da inanição. Não deixe que isso aconteça com você!
Vimos três importantes princípios: primeiro, que nossa união com Cristo é a fonte de nossa produtividade; segundo, que essa união envolve ser podado pelo Pai; terceiro, que essa união precisa ser nutrida pela Palavra. Agora há um último princípio.