Justiça própria não pode existir sem produzir uma atitude de superioridade moral, falta de misericórdia e uma servidão sem alegria. O irmão mais velho do filho pródigo na parábola de Jesus é uma imagem viva dessas características que sempre se alimentam da justiça própria.
Todo sermão sobre o “filho pródigo” que ouvi na juventude terminava com a festa que o pai gracioso dava em comemoração ao retorno do seu filho arrependido. Como um filho da aliança, esses sermões me levaram a admirar a graça inexplicável concedida a esse esbanjador libertino.
No entanto, Jesus dá continuidade à história depois da festa. Entra o irmão mais velho. Ele estava trabalhando em uma parte distante da fazenda. Ele voltou para casa no meio da festança. Em sua cultura, uma festa como aquela durava dias. Ele se perguntou qual evento havia causado essa manifestação espontânea. Os servos lhe disseram que o seu irmão mais novo havia voltado para casa. O irmão mais velho não compartilhou do entusiasmo de seu pai com relação ao retorno de seu irmão rebelde. Basicamente, ele disse: “Esta festa é para o meu irmão egoísta, arrogante e ingrato? Meu pai tornou-se um velho tolo e babão”. Ele foi para os seus aposentos e não queria ir à festa.
O pai veio e lhe implorou que participasse da celebração. Então, o filho explodiu de raiva: “Deixe-me ver se eu entendi. Aquele seu filho lá – aquele devasso egoísta, arrogante e ingrato – veio até você e disse que gostaria que estivesse morto. Ele tomou o que poderia manter tanto você quanto os interesses da nossa família, e foi para uma cidade de ímpios. Ele desperdiçou todo o dinheiro pelo qual você trabalhou para o sustento do futuro da sua família. Ele andou com prostitutas. Ele trouxe vergonha para você e para o nome da nossa família. A última notícia que tive foi que ele havia descido a um nível tão baixo que estava vivendo com animais impuros. Ele vem se arrastando de volta aqui e você se joga em cima dele como um avô bobo. Eu fiquei com você nas situações boas e ruins. Eu tenho trabalhado arduamente para você. Eu tenho sido um filho obediente. Você nunca me deu uma festa como essa. Você não fez um rebuliço desses para mim”.
Talvez o irmão mais velho estivesse certo. Acho que eu também teria ficado chateado. A desobediência parecia ser recompensada e a obediência parecia ter ficado sem recompensa. Muitas pessoas que pensavam como o irmão mais velho estavam ouvindo Jesus contar essa história. Leia os primeiros versículos do capítulo. Para quem Jesus estava falando? “Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles”. (Lucas 15:1-2). Ele direcionou a parábola aos fariseus. Eles eram o oposto do filho pródigo. Eles eram o protótipo do irmão mais velho na parábola.
Em sua justiça própria, o irmão mais velho achava que era moralmente superior ao seu irmão humilhado. Sua atitude disse: “Eu nunca conseguiria fazer algo assim”. Quando ele olhou para seu irmão, ele não sentiu nem empatia, nem simpatia. Ele não pensou: “Sabe, poderia ter sido eu o arrogante, o egoísta e o ingrato. Poderia ter sido eu a ser levado para essa vida miserável. Poderia ter sido eu ali afundado na humilhação de comer com os porcos”. Ele não via que ele mesmo era, na verdade, tão egoísta, arrogante e ingrato quanto o irmão. Ele não via a si mesmo como um pecador, assim como o seu irmão. Johann Wolfgang von Goethe disse uma vez: “Não há crime que eu me considere incapaz de cometer”. Ele entendeu o incrível potencial de sua natureza pecaminosa para fazer o mal. O irmão mais velho presunçoso nunca ouviria a confissão de seu irmão pecador e diria: “Suas transgressões estão perdoadas, ore por mim, também sou um pecador”.
Em sua justiça própria, ele não tinha nem amor nem misericórdia em relação ao seu irmão. Observe que ele não o chamou de “meu irmão” quando ele falou com seu pai. Ele o chamou de “esse teu filho” (versículo 30). A parábola sugere que ele sabia sobre alguns detalhes da atividade de seu irmão. No entanto, não houve uma missão de misericórdia para resgatá-lo e trazê-lo de volta para casa. Se alguém nunca reconheceu em si mesmo a necessidade de misericórdia, então não é capaz de mostrar misericórdia para com os outros. Não significava nada para ele que o seu próprio irmão estivesse vivo e bem. Você quer perguntar-lhe: “Você é um membro dessa família? Você não sente nada que o seu pai sente?”.
Em sua justiça própria, seu trabalho não era nada mais do que um serviço sem alegria: “Há tantos anos que te sirvo”. A palavra grega que Jesus utiliza aqui se referia ao trabalho de um escravo. Este filho não tinha nenhuma alegria em trabalhar com seu pai. Era um fardo. Ele estava lá apenas aguentando, fazendo tudo o que tinha que fazer até que seu pai morresse. O serviço desprovido de graça feito pela pessoa que tem justiça própria é um dever mais difícil do que uma servidão de alegria em ação de graças.
Escrever este artigo é difícil para mim, porque eu conheço muito bem a superioridade moral demonstrada pelo irmão mais velho presunçoso. Eu conheço muito bem a condenação, desprovida de graça, que ele sentia em relação ao filho pródigo. Eu sei o que é trabalhar para obedecer à lei de Deus, sem o amor e a alegria de servir o meu gracioso Criador e Redentor. Eu fui o irmão mais velho presunçoso. Eu sei, por experiência pessoal, como a justiça própria devasta a alma. O que me transformou? Finalmente eu vi que, na cruz, Jesus foi o meu irmão mais velho que morreu não pelos justos, mas pelos pecadores.
Esta parábola contada por Jesus é, na verdade, a história de três filhos. Havia o filho perdido que voltou para casa. Havia o filho que estava perdido em casa. E, finalmente, havia o Filho que contava a história: o Filho que saiu de casa para buscar e resgatar seus irmãos perdidos. É a história de dois irmãos mais velhos. Esta é a grande ironia que muitos de nós perdemos. A pessoa que contou a história era o nosso irmão mais velho, que deixou a casa de seu Pai, a fim de trazer para casa os seus irmãos perdidos. Jesus deixou a casa de seu Pai e foi buscar os perdidos para o Pai. Ele era o oposto do irmão mais velho da parábola. Aquele irmão mais velho viu seu pai lamentar sobre o filho que havia se desviado. Porém, não foi em busca dele para o pai. Ele não estava lá quando os recursos de seu irmão foram esgotados. Ele não estava lá quando seu irmão mais novo chegou ao fundo do poço. Ele não estava lá no chiqueiro, dizendo: “Venha, irmão, vamos voltar para casa”.
O que Jesus queria repetidamente dizer? “[…] o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lucas 19:10).