sexta-feira, 13 de dezembro
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A igreja: crescimento e sucesso

Todos os crentes concordam com a verdade de que a igreja foi instituída para crescer. Ela tem de crescer em número. Jesus estabeleceu essa missão para a igreja, quando disse: “Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Sumária e até aos confins da terra” (At 1.8); ou: “Será pregado este evangelho do reino por todo o mundo” (Mt 24.14). E, à medida que o evangelho é pregado, cumpre-se a promessa de que a igreja se multiplicar á. Deus, o Pai, disse ao Cabeça da Igreja: “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão” (Sl 2.8). “Nele sejam abençoados todos os homens, e as nações lhe chamem bem-aventurado” (Sl 72.17). O número final dos redimidos será imenso, estupendo – mais do que as estrelas do céu ou a areia na praia do mar . “De todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7.9).

Ao mesmo tempo que todos os crentes concordam que a igreja tem de crescer, não existe a mesma concordância quanto à maneira como ocorre esse crescimento e progresso. Nos últimos vinte anos, muito se tem dito a respeito desse assunto, e muitos livros foram escritos sobre “como fazer a igreja crescer”. Freqüentemente tais livros começam relatando a história de uma igreja onde tem ocorrido um notável crescimento numérico e, em seguida, apresentam orientações sobre como o mesmo pode se realizar em outras igrejas. Às vezes, nesses livros, a psicologia é tão importante quanto o evangelho. Lembro-me de haver lido um artigo em determinada revista evangélica que afirmava: se temos de ganhar os outros para Cristo, a principal coisa a fazer é despertarmos seu interesse por aquilo que temos. Ao afirmar isso, o autor argumentou, o maior obstáculo a ser vencido é atrair a atenção de homens e mulheres que no momento estão ocupados e preocupados com outras coisas. Portanto, temos de conquistar a atenção deles, e o caminho para fazê-lo é utilizarmos uma das quatro chaves que correspondem às quatro coisas que as pessoas mais desejam: (1) felicidade e auto-preservação; (2) dinheiro; (3) amor; (4) reconhecimento. “Uma dessas”, ele garantiu, “ser á a grande razão para alguém ouvir aquilo que você está procurando comunicar”.

Existem inumeráveis variações desse tipo de conselho. Uma quinta chave, bastante popular hoje, é a música. Todos os tipos de instrumentos musicais foram introduzidos subitamente no culto de muitas igrejas. E a esperança é que esses instrumentos serão um auxílio para atrair os incrédulos aos cultos de nossas igrejas.

Minha sugestão é que a presente confusão sobre o que se pensa a respeito de crescimento da igreja surgiu porque, com freqüência, o crescimento é abordado como um assunto isolado. Mas o crescimento de igreja não deve ser discutido, enquanto não houver primeiramente um entendimento daquilo que a igreja é e de como alguém se torna um de seus membros. Quando essas verdades fundamentais não ocupam a prioridade, os conceitos sobre crescimento de igreja seguem na direção errada. Um famoso evangelista americano, ao falar por que os crentes devem utilizar publicidade, disse: “Temos o melhor produto do mundo para vendermos – a salvação das almas dos homens, por intermédio de Cristo. Porque não deveríamos vendê-lo de maneira tão eficiente quanto o promover a venda de barras de sabão?” Considerada por si mesma, tal afirmativa parece muito razoável. Somente quando levamos em conta uma questão prioritária, percebemos que algo está errado: O que é um crente e como alguém se torna um verdadeiro crente? Eis a resposta do Novo Testamento: um crente é alguém que chegou a experimentar o infinito poder do Senhor Jesus Cristo, perdoando-o e concedendo-lhe uma nova vida. O que está impedindo as pessoas de chegarem a tal conhecimento? O terrível poder da depravação humana. Algo muito diferente de apenas interessar as pessoas a comprarem barras de sabão está envolvido neste assunto. Homens e mulheres são escravos espontâneos dos poderes demoníacos; amam as trevas, e não a luz. Quando falamos sobre crescimento de igreja, não estamos discorrendo primariamente a respeito da vida humana e dos interesses por coisas naturais. Estamos confrontando um adversário sobrenatural; por conseguinte, precisamos ter poder sobrenatural. A conversão significa ser trazido “das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus” (At 26.18). Onde se crê nessa verdade, haverá o mesmo efeito prático na maneira como evangelizamos, assim como houve no ministério do apóstolo Paulo: “Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais [armas comuns à natureza humana caída], e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas” (2 Co 10.3-4).

Ao tratarmos do crescimento de igreja, devemos salientar um tema importante. Quando abordamos este assunto, temos a tendência inicial de pensar em líderes, pregadores e missionários eminentes que foram levantados para fazer avançar a causa de Cristo. Esses homens desempenharam um papel importante no progresso da igreja e deveríamos orar para que Deus nos concedesse mais homens desse tipo. No entanto, podemos colocar ênfase excessiva em tais pessoas e menosprezar um fato muito evidente no Novo Testamento.

1. O crescimento e o progresso da igreja dependem amplamente de toda a comunidade de crentes.

Atos dos Apóstolos demonstra isso constantemente. Na igreja apostólica de Jerusalém havia pregadores poderosos. O que, então, fizeram os demais crentes? Seu ministério era apenas ouvir, ser espectadores? Absolutamente, não. Conforme nos mostra Atos 2.40-47, cujo título poderia ser “Um Crescimento Vital da Igreja”, todos os crentes de Jerusalém eram ativos, compartilhavam e adoravam a Deus. Não acontecia que alguns falavam e todos os outros simplesmente assistiam às reuniões. Todos eram participantes e cooperadores. O mesmo pode ser visto em Atos 4. E a grande importância de que eles tivessem tais atitudes se torna evidente em Atos 8.1: “Naquele dia, levantou- se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Sumária”. Nessa ocasião, houve uma crise para a igreja. Os crentes repentinamente ficaram sem os seus líderes, mas sabemos qual foi o resultado . “Iam por toda parte pregando a palavra”. Isto não significa que eles eram pregadores oficiais; eram homens e mulheres fazendo aquilo que estiveram fazendo antes: testemunhando, testificando, servindo a Cristo, falando sobre a Palavra de Deus. O resultado foi que a igreja de Jerusalém multiplicou-se em outros lugares: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Sumária, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At9.31).

Quando o evangelho alcançou os gentios pela primeira vez, a mesma coisa se repetiu. Paulo não viajou de um lugar ao outro, ficando satisfeito, se houvesse conversões individuais. Ele almejava ver igrejas estabelecidas, comunidades de crentes que em si mesmas seriam capazes de levar avante a obra de evangelização, quando ele estivesse ausente. Paulo desejava ter igrejas que multiplicariam a si mesmas; não pretendia estabelecer assembléias estáticas e imóveis, e sim centros doadores de vida espiritual, fontes de onde rios de bênçãos espirituais fluiriam para os outros. E foi isso mesmo que aconteceu. Atos 16.5 nos diz: “Assim, as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número”. Em Tessalônica havia uma igreja desse tipo. Paulo disse que uma grande oportunidade lhe fora oferecida na Grécia, porque o testemunho da igreja havia se espalhado, pelos lábios dos crentes, em muitos quilômetros além: “Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte” (1 Ts 1.8). O apóstolo não precisou relatar o que Deus havia feito, as notícias chegaram antes dele. “Por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus”, escreveu Paulo, “a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar coisa alguma” (1 Ts 1.8).

O quadro que o Novo Testamento nos apresenta não é o de Cristo agindo através de alguns poucos homens, oficialmente chamados para pregar, e sim através de todos os membros de seu corpo. Encontramos outro vislumbre dessa verdade na maneira como Paulo descreve pessoas, ao término de sua epístola aos romanos. Ele enviou saudações a diversos homens e mulheres que ele já conhecia e considerava cooperadores no reino de Deus: “Saudai Priscila e Áqüila, meus cooperadores em Cristo Jesus… Saudai Maria, que muito trabalhou por vós… Saudai Urbano, que é nosso cooperador em Cristo… Saudai Trifena e Trifosa, as quais trabalhavam no Senhor. Saudai a estimada Pérside, que também muito trabalhou no Senhor”. (Rm 16.12.)

Esse mesmo princípio tem sido admiravelmente demonstrado na história da igreja. Não há crescimento em igrejas que dependem de algumas poucas pessoas e os demais membros são espectadores. Sempre existe progresso e multiplicação em igrejas cujos membros são vibrantes e intentam servir a Cristo. Citamos um exemplo dessa realidade:

A evangelização de milhares de ilhas do sul do Pacífico iniciou-se com a conversão de John Williams em 1814, na igreja de George Whitefield, em Londres. Alguns anos depois, John Williams viajou para as remotas ilhas dos canibais no Pacífico, onde receberia o nome de o “Apóstolo da Polinésia”. Após semear com paciência o evangelho, ele foi maravilhosamente abençoado nas ilhas Cook, Samoa e Tonga. Mas Williams sempre pensava nos povos mais distantes e, em 1839, decidiu chegar às ilhas das Novas Hébridas (atualmente, Vanuatu), onde intensos poderes demoníacos reinavam sem perturbação. John Williams aportou na ilha de Erromanga em 20 de novembro de 1839; mas, em menos de uma hora, os canibais o mataram e comeram seu corpo. De que maneira essa terrível perda afetou as igrejas estabelecidas por Willimas na Polinésia? Encheu-lhes de grande compaixão por aqueles servos de Satanás, que eram seres humanos semelhantes a eles. Mais de cem crentes nativos se ofereceram como voluntários para alcançar as ilhas onde seu pastor havia sido morto. Admite-se que, no espaço de dezesseis anos, entre cinqüenta e sessenta dos voluntários foram mortos, por enfermidades ou por assassinato, nas Novas Hébridas.

Como resultado de muita fidelidade e de um valioso testemunho, durante onze anos, finalmente foi estabelecido um ponto de pregação na ilha de Aneityum e, em 1852, se formou uma igreja. Aneityum era a que estava mais ao sul de todas as ilhas das Novas Hébridas, possuía oitenta quilômetros de circunferência e uma população de 4.000 pessoas. Em seu caráter moral, essas ilhas eram iguais. O povo era animista, adorava os espíritos, vivia em temor dos espíritos e tinham medo uns dos outros. Lutas entre as tribos eram freqüentes. Todo homem carregava uma arma, pois ódio e vingança eram as atitudes em que viviam. A vida não tinha valor. Praticavam o aborto; e os doentes e idosos poderiam ser sepultados vivos. A vida das mulheres era completamente degradada. Poderiam ser estranguladas por ocasião da morte de seus maridos. O marido não dormiria em sua choça, à noite, com sua mulher, e sim entre os porcos, visto que estes eram símbolo de grande status. Acreditava-se que a posição de um homem no mundo por vir dependia da quantidade de porcos que fossem mortos por ocasião de sua morte; e os espíritos dos porcos iriam adiante do falecido.

Podemos imaginar que, se uma igreja seria estabelecida a partir desse tipo de pessoa, isto aconteceria somente depois de alguns anos, após seus membros se tornarem cooperadores e testemunhas eficazes. Mas não foi assim. Logo que homens e mulheres se tornavam novas criaturas em Cristo, desejavam compartilhar sua fé com os outros; e isso ocorreu de maneira admirável na recém formada igreja de Aneityum. Em menos de trinta anos após sua formação, ela enviou às demais ilhas de canibais mais de duzentos missionários, homens e mulheres. Essa nobre igreja, em anos recentes, recebeu um nome honroso; foi corretamente chamada de “Antioquia do Pacífico”. Precisamos prosseguir para um segundo princípio de crescimento da igreja. Não basta afirmar que a igreja tem de propagar a si mesma; devemos também perguntar: por que isso não acontece sempre? Existem igrejas que parecem ser completamente incapazes de multiplicarem- se; têm pouca ou nenhuma influência sobre os incrédulos. Parecem estáticas e imperceptíveis pelo mundo ao seu redor. Como podemos explicar isso?

2. Igrejas que crescem possuem vida espiritual sustentada pela constante comunhão com Cristo, por intermédio do Espírito Santo.

É falso todo ensino que promete crescimento, se os crentes apenas utilizarem certos métodos. A vida cristã inicia de maneira sobrenatural e somente produz fruto e utilidade quando o próprio Senhor Jesus a sustém. Quanto a este assunto, John L. Nevius, fundador de várias agências missionárias na China, apresenta alguns conselhos sábios e relevantes em seu livro sobre igrejas missionárias. Ele afirma: .Devemos procurar o melhor método de trabalho. Porém, o melhor método sem a presença do Senhor Jesus e o Espírito da verdade será inútil. Um método ruim pode ser tão ruim, que se torna ilógico esperar que receba a bênção de Deus. Um método correto e bíblico, se confiarmos nele como nosso principal fundamento de esperança, pode ser utilizado durante muito tempo sem que produza qualquer bom resultado..

Cristo tem em suas mãos o poder para abençoar e expandir sua igreja. Para que nossas vidas sejam eficientes em trabalhar para sua glória, permanecemos em constante necessidade de novas capacitações do Espírito Santo; e foram justamente tais capacitações que caracterizaram a igreja apostólica. Já falei sobre o espírito de utilidade que identificava a vida dos membros simples da igreja, mas nas Escrituras somos constantemente lembrados acerca do que os tornou mais do que pessoas .simples..

Atos 4.3 nos informa que toda a igreja orava e, “tendo eles orado… todos ficaram cheios do Espírito Santo”. E o resultado visível na vida dos crentes foi unidade e ousadia. Lucas nos diz que .em todos eles havia abundante graça.. Isto não significa que todos os crentes possuíam a mesma medida dos dons e da capacitação do Espírito Santo, mas a sua presença caracterizava todos eles. Encontramos a mesma coisa nas igrejas novas que surgiram da dispersão da igreja de Jerusalém. Atos 9.31 relata que “a igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Sumária, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número”. De modo semelhante, Lucas vincula a eficácia do ministério de Barnabé, em Antioquia, ao fato de que ele “era homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé” (At11.24).

Estas passagens nos ensinam que o crescimento numérico nunca foi abordado, no Novo Testamento, como o interesse primário da igreja. A vida espiritual da igreja tinha a prioridade. A igreja participava da vida de Cristo. O mais poderoso testemunho da igreja ao mundo é o resultado da vida que ela desfruta; e, quanto mais profundamente desfruta essa vida, tanto mais a igreja causará impressão no mundo. Em Atos 4.13, Lucas nos mostra que, ao verem os discípulos, os judeus “reconheceram que haviam eles estado com Jesus”. Em 2 Coríntios 4, Paulo nos fala sobre os crentes como “vasos de barro”. No entanto, ele afirma que o propósito de Deus é que a vida de Jesus .se manifeste [torne-se evidente] em nosso corpo.. Este é o mesmo ensino notável que encontramos na pregação do próprio Senhor Jesus. Ele disse que, por meio da maneira como os crentes vivem, Deus será glorificado (Mt 5.16). E a eficiência de nossas vidas no serviço de Cristo resulta daquilo que recebemos: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.38). Quanto mais o crente procura conhecer a Cristo e viver nEle, tanto maior será a sua utilidade.

Portanto, no Novo Testamento, santidade e frutificação andam inseparavelmente juntas. Por exemplo, pense sobre a igreja de Filipos. Paulo disse que o testemunho evangélico era uma característica de toda a igreja; “na defesa e confirmação do evangelho”, todos os crentes de Filipos eram participantes da graça juntamente com ele (Fp 1.7). E insistiu que continuassem “lutando juntos pela fé evangélica”; a grande maneira de fazer isso era viverem, .acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo. (Fp 1.27). Isto significa, Paulo adiante lhes disse, viver de conformidade com a mente de Cristo, o que não é uma impossibilidade, “porque Deus é quem” age em vós. Os crentes de Filipos precisavam dessa segurança. A cidade em que moravam se encontrava nas trevas do paganismo. Ali havia adivinhadores, ambiciosos e pessoas dispostas ao suicídio. Ali haviam sido colocados aqueles crentes como “filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo” (Fp 2.15); a igreja cresceria por meio do resplendor daqueles luzeiros iluminando as trevas de Filipos. Conforme disse R. L. Dabney: “A luz de um viver santo é o maior argumento do evangelho”.

Abordando este mesmo assunto, Floyd E. Hamilton escreveu em um artigo sobre .O Crescimento Sobrenatural da Igreja.:

“Até ao tempo em que chegou a ser a principal religião do império, pouco antes de Constantino tornar se imperador, o cristianismo nunca propagou-se por meio da força. Começando com um pequeno e humilde grupo de seguidores de Cristo, desde o início o cristianismo foi propagado de maneira pessoal, no contato individual entre os crentes e os incrédulos. Onde quer que os crentes fossem, levavam consigo a mensagem do evangelho, transmitida tanto por suas vidas e exemplo quanto pelos seus lábios. Todo crente era um missionário em cada minuto de sua vida. O fogo sagrado, aceso nos corações de muitos escravos, espalhou- se, à semelhança de um incêndio florestal, atingindo os corações dos mais elevados membros da sociedade romana; e espalhou-se de um modo tão silencioso e desimpedido, que o governo romano foi incapaz de perceber seu crescimento. As vitórias do cristianismo foram conquistadas por meio do persuasivo poder dos lábios e das vidas dos crentes, encontrando uma resposta correspondente nos corações vivificados pelo Espírito de Deus.”

Agora desejamos observar duas características peculiares das igrejas que são utilizadas por Deus para multiplicarem a si mesmas; pretendemos ilustrar essas características citando exemplos da história da igreja.

(1) O constrangedor amor de Cristo está sempre poderosamente presente onde os crentes são dotados com o Espírito Santo. O Senhor Jesus está cheio de compaixão; e, onde habita o seu Espírito, ali existe amor. O fruto do Espírito é amor. Quanto mais houver da graça de Cristo em nossos corações, tanto mais fervoroso será esse amor.

Como isso é verdadeiro nas igrejas mencionadas no livro de Atos dos Apóstolos! O sacrifício e os sofrimentos deles por Cristo eram fruto desse amor. Estêvão, por exemplo, era .cheio do Espírito Santo. (At7.55). Isto resultou em que, quando estava para ser apedrejado até morrer, ele se ajoelhou e orou por seus perseguidores. Essa mesma atitude sempre caracterizou todos os avanços missionários da igreja. Isso foi exemplificado com beleza na história de evangelização da ilhas Novas Hébridas. Dr. Graham Miller, um missionário que trabalhou naquelas ilhas, escreveu sobre o extraordinário espírito da primeira igreja em Aneityum (uma das ilhas):

“Possivelmente em nenhum lugar do mundo uma igreja tão pequena enviou tanto obreiros, tendo o amor de Cristo como sua grande motivação… Esses obreiros foram homens e mulheres de posição, os melhores que a igreja poderia oferecer. Todos partiram… enviados pela Fonte daquele amor, de modo que sua obra missionária foi espontânea, firme e bem-sucedida. Foi um amor que não conheceu empecilhos, não levou em conta as dificuldades, foi bondoso e sofredor, não se comportou de maneira inconveniente e suportou tudo. E, quando lhes foi exigido o maior sacrifício de amor, eles o deram”.

Poderia citar numerosos exemplos. Mencionarei apenas dois missionários americanos, John e Betty Stam, que foram executados pelos comunistas na China em 1934. Betty Stam expressou sua opinião nessas palavras:

“Ninguém pode forçar um cristão nominal ou um pagão a se converter a Cristo. Tudo que os seguidores de Cristo têm de fazer, tudo que podem fazer, é exaltá-Lo diante do mundo, trazendo-O aos cantos mais obscuros da terra, onde Ele é desconhecido, apresentá-Lo àqueles que não O conhecem, falar sobre Ele a todos os homens e viverem em profunda intimidade com Ele, a fim de que os outros percebam que Jesus realmente existe, porque algumas pessoas o comprovam por serem semelhantes a Ele”.

(2) Se, ao considerar as epístolas do apóstolo Paulo, alguém ainda não sabe qual é o segundo fruto do Espírito, creio que logo o descobrirá em todas as épocas em que a igreja está crescendo; e esse segundo fruto acompanha o amor. “O fruto do Espírito é… alegria”. Esse fruto celestial sempre se encontra em uma igreja que está crescendo. .A alegria do Senhor é a vossa força. (Ne 8.10). Comentando essa verdade, C. R. Vaughan escreveu: “Com certeza, se todos os crentes fossem tão felizes quanto deveriam ser, não haveria qualquer resistência à propagação de uma fé tão visivelmente rica em poder e bênçãos”.

3. Enquanto a propagação do evangelho é uma obra de toda a igreja, os pastores e mestres têm uma responsabilidade especial.

É possível exagerar ou subestimar a obra do ministro cristão. Se a exageramos, invariavelmente desaparece o conceito de que toda a igreja é uma agência evangelística. Os membros das igrejas se tornam um pouco mais do que ouvintes passivos de sermões. Esse perigo tem se espalhado amplamente e ainda prevalece em nossas igrejas. Entretanto, em reação a essa atitude, outros crentes têm atribuído tanta ênfase ao que eles chamam de .ministério corporativo., que se torna duvidoso se o papel tradicional do pastor ou pregador é realmente necessário. Qual deve ser, então, a função dos pastores no que se refere ao crescimento da igreja? Se a principal obra tem de ser realizada por toda a comunidade de crentes, onde se encaixa a pessoa do pregador?

Estas são perguntas importantes. Creio que as respostas estão apresentadas em Efésios 4. Essa passagem nos mostra que os pastores e ensinadores são dons concedidos à igreja por Cristo. Ninguém pode acreditar nessa verdade e, ao mesmo tempo, menosprezar a vocação deles. Mas o grande propósito da obra dos pastores e mestres, conforme lemos, é o .aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo. (Ef 4.12). Em outras palavras, a tarefa do ministro cristão consiste em conduzir a igreja a um ministério muito mais amplo; consiste em ser um canal de bênçãos, de modo que outros sejam capacitados e se tornem testemunhas brilhantes e úteis.

É uma consideração bastante sensata para muitos pastores o pensamento de que a vida espiritual de uma igreja adquirir á suas características daqueles que a ela ministram. A saúde do rebanho está relacionada ao pasto aos quais os pastores conduzem as ovelhas. E, novamente, encontramos isso em Atos dos Apóstolos. O que tornou os crentes tão cristocêntricos naquela época? Sabemos que foi o Espírito Santo, mas Ele é o Espírito da verdade que opera por meio de homens que pregam a Palavra de Deus. Igrejas cristocêntricas são igrejas onde existe uma pregação bíblica, ungida pelo Espírito Santo. Nosso Senhor afirmou: .Ele me glorificará. (Jo 16.14). Isso é o que encontramos no livro de Atos. Os crentes em Jerusalém constantemente ouviam a respeito de Jesus, de sua glória e seu amor. Lucas nos fala sobre os pregadores: .E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo. (At 5.42). De maneira semelhante, a obra de Barnabé, que era cheio do Espírito, consistia em .pregar a Jesus., em Antioquia. Não é uma surpresa que ali os crentes foram chamados de .cristãos.. Esse princípio é verdadeiro em todos os lugares.

Em anos recentes, Samuel Lamb ministrou como pastor da Igreja Subterrânea na China. Grande parte de seu ministério consistiu em preparar o povo de Deus para permanecer firme em meio aos sofrimentos; e, para fazer isso, o teor de seu trabalho não se concentrava em pregar sobre o aspecto árduo das circunstâncias. Uma de suas ovelhas lhe disse em certa ocasião: “Jamais poderemos agradecer suficientemente a Deus por seu ministério, pastor Lamb; você nos preparou para o regozijo e não para a tristeza”. A isto, Lamb respondeu com as palavras de Tiago: “Tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” (Tg 1.2). Portanto, temos de afirmar que, onde uma comunidade de crentes não está crescendo em graça e influência, a primeira coisa que precisa ser auto-examinada é a natureza do ministério pastoral sob o qual estão esses crentes. “Quem, porém, é suficiente para estas coisas?” (2 Co 2.16).

Conclusões

1. Se o que dissemos é verdade, então o mundanismo em todas as suas formas – orgulho, incredulidade, falta de amor, egoísmo, imoralidade – é um inimigo certo do crescimento da igreja. Essa é a grande razão por que a igreja nas épocas mais brilhantes de sua existência sempre foi cuidadosa em precaver-se quanto à admissão de pessoas à sua membresia e em disciplinar aqueles que não viviam de maneira digna do evangelho.

Em conexão com isso, precisamos enfatizar que orar não é um substituto para a obediência. É fútil dizer a uma igreja que orar é a solução para a falta de crescimento, quando não existe qualquer interesse em ver a Palavra de Deus ser obedecida, e não há qualquer disciplina na igreja.

2. Do que temos considerado, também concluímos que o dinheiro e as condições financeiras nunca constituem o verdadeiro problema para a expansão da igreja. Uma igreja viva não depende de construções e de uma equipe de líderes remunerada. Isso tem sido comprovado inúmeras vezes.

As palavras de Archibald Alexander, de Princeton, são muito relevantes: “Em vão procuramos despertar em nossas igrejas o zelo por missões como algo independente. Para sermos corretos, o zelo por missões flui de nosso amor a Cristo. Quando tivermos um senso mais elevado de comunhão pessoal com Cristo, estaremos mais capacitados para a obra missionária, quer para irmos nós mesmos, quer para enviarmos outros. Se permitirmos que missões se torne uma questão de dinheiro e investimento financeiro, não veremos qualquer resultado. “Encontrem pregadores como David Brainerd”, disse John Wesley, “e nenhum obstáculo prevalecerá diante deles; mas, sem esse tipo de obreiro, o que podem fazer o ouro e a prata?” Uma afeição efusiva pelo Senhor Jesus deve tornar-se a paixão que nos governa; e esse tipo de afeição transmite o entusiasmo do zelo evangelístico a cada membro da igreja. Uma igreja que possui pastores e membros desse tipo será uma igreja apostólica, uma igreja celestial”.

3. Outra conclusão segura é a verdade de que o crescimento da igreja não se fundamenta primariamente na multiplicação do número de membros. O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja. Também é verdade que um grande progresso espiritual habitualmente tem resultado das vidas e do testemunho de um remanescente. O princípio de Gideão . “Há povo demais. (Jz7.4) ” permanece verdadeiro. “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1 Co 1.28).

4. Se este ponto de vista sobre crescimento da igreja está correto, precisamos guardá-lo em nossos corações e nos esforçarmos para não perpetuar os erros dos quais somos culpados. Os ministros do evangelho que possuem convicções bíblicas têm especial necessidade de reconsiderar o ponto central de seu ministério. Um dos mais famosos evangelistas da Inglaterra no século XVIII foi Henry Venn. Quando estava idoso, escreveu uma carta ao seu filho, também ministro do evangelho; escreveu sobre “Os Enganos que Pastores Novos Estão Propensos a Cometer”. A carta apresentava o seguinte reconhecimento, fruto do próprio ministério de Henry Venn: “Estou consciente de que não fui tão insistente quanto deveria ao instruir aqueles que professam ser crentes, mostrando-lhes quão grande era seu dever, visto que eles mesmos haviam recebido o conhecimento das coisas de Deus e tinham capacidade para começarem a trabalhar junto com seu pastor. Deveria ter lhes dito, com clareza e freqüência, que grande benefício pode ser feito por um único homem que ensina a verdade”.

5. A lição final tem de ser que a humilde dependência de Deus é nossa suprema necessidade. Podemos organizar muitas coisas, mas não podemos organizar o crescimento espiritual verdadeiro. Conforme disse Samuel Lamb, o pastor chinês, a um jovem crente, nosso dever é testemunhar, “enquanto o Espírito nos guia. Ele não é uma arma em nossas mãos. Nós somos instrumentos nas mãos dEle”. Termino com uma palavra de John Nevius:

“Se, em alguma forma, estamos nutrindo um sentimento de confiança em nós mesmos, Deus provavelmente nos humilhará, antes de nos usar. Devemos sentir que, se alguma coisa for realizada para Cristo, isso acontecerá por meio da presença e do poder do Santo Espírito de Deus, e estejamos prontos para atribuir a Deus toda a glória”.


Autor: Iain Murray

Ministrou como assistente do Dr. Lloyd-Jones na Capela de Westminster. Ajudou a estabelecer, em 1957, a editora Banner of Truth. Além de suas responsabilidades como editor, serviu como pastor em outras igrejas. Conhecido mundialmente como uma das maiores autoridades na fé reformada, é autor de numerosos livros e artigos.

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