Você já ouviu falar do termo a igreja invisível? A ideia da invisibilidade da igreja foi primeiramente desenvolvida em profundidade por Santo Agostinho. Ele fez uma distinção entre a igreja invisível e a igreja visível. Essa distinção de Agostinho tem sido frequentemente mal compreendida. O que ele quis dizer por igreja visível foi a igreja enquanto uma instituição que enxergamos visivelmente no mundo. Ela tem uma lista de membros em seu rol, e podemos identificá-los.
Antes de considerarmos a igreja invisível, deixe-me fazer uma pergunta: você precisa ir à igreja para ser um cristão? A frequência na igreja, se você for fisicamente capaz, é um requisito para ir ao céu? Em um sentido bastante técnico, a resposta é não. No entanto, devemos nos lembrar de algumas coisas. Cristo ordena que seu povo não abandone a comunhão na congregação (Hebreus 10.25). Quando Deus constituiu o povo de Israel, ele os organizou em uma nação visível e colocou sobre eles uma obrigação solene e sagrada de se congregarem na adoração pública diante dele. Se uma pessoa está em Cristo, ela é chamada a participar da koinonia — a comunhão com outros cristãos e a adoração a Deus de acordo com os preceitos de Cristo. Se uma pessoa sabe de todas essas coisas e, de vontade própria, com persistência, recusa-se a unir-se a elas, isso não levantaria sérias dúvidas sobre a realidade da conversão daquela pessoa? Talvez uma pessoa possa ser um novo cristão e tomar essa posição, mas acho muito improvável.
Alguns de nós podemos estar nos enganando em termos de nossa própria conversão. Podemos afirmar sermos cristãos, mas se amamos a Cristo, como podemos desprezar sua noiva? Como podemos, consistente e persistentemente, nos afastarmos daquilo ao qual ele nos chamou para nos unirmos — sua igreja visível? Eu ofereço uma advertência solene àqueles que estão fazendo isso. Você pode, na verdade, estar se enganando sobre o estado de sua alma.
Algumas vezes, a igreja invisível é erroneamente tomada como algo antitético à igreja visível, algo que está fora ou apartado dela. Agostinho não pensou nessas categorias. Agostinho disse que a igreja invisível é encontrada substancialmente dentro da igreja visível. Imagine dois círculos. No primeiro círculo está escrito “a igreja visível”. Essa é a igreja exterior, humanamente percebida, a instituição como a conhecemos. A igreja invisível, como outro círculo, existe substancialmente dentro do círculo da igreja visível. Pode haver algumas poucas pessoas na igreja invisível que não são membros da igreja visível, mas elas são poucas e distantes entre si.
Por que Agostinho fala de uma igreja invisível? Ele o faz para ser fiel ao ensino de Jesus no Novo Testamento. Agostinho ensinou que a igreja é um corpus permixtum. O que isso significa? Nós sabemos o que corpus significa. É um corpo. Corpus Christi significa o quê? O corpo de Cristo. Corporação é uma organização de pessoas. Corpus permixtum significa que a igreja é um corpo misto.
Dentro dos limites físicos da igreja institucionalizada há pessoas que são verdadeiramente crentes, mas também há incrédulos dentro da igreja visível. Eles estão na igreja, mas não estão em Cristo porque fizeram uma falsa profissão de fé. Jesus disse de alguns de seus contemporâneos, “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mateus 15.8). Jesus reconheceu que havia pessoas dentro de Israel que não eram verdadeiros crentes. Paulo disse algo similar: “E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas” (Romanos 9.6). Esses judeus praticavam todos os rituais e eram parte da comunidade visível. Eles participavam de todas as atividades, mas ainda assim eram alheios e estranhos às coisas de Deus.
No Novo Testamento, a metáfora que Jesus usa a esse respeito é a metáfora do joio e do trigo. Joio é uma erva daninha. É uma metáfora simples naquele contexto de agricultura. A fim de obter a produtividade máxima de uma lavoura, é preciso acabar com o joio porque ele parece crescer mais facilmente que a produção.
Jesus usa essa metáfora para dar uma advertência à igreja de que, por um lado, a igreja deve se engajar na disciplina, de forma que as ervas daninhas que ameaçam destruir a pureza da igreja sejam removidas. Ele também nos manda tomar muito cuidado ao exercer a disciplina na igreja, para que, em nosso zelo em purificar a igreja, não arranquemos o trigo junto do joio.
Deus sonda os corações, e o que sempre permanece invisível para mim é a alma de outra pessoa. Eu posso ouvir sua confissão de fé. Posso observar sua vida. Mas não sei o que se passa nos átrios mais profundos do seu coração. Não posso ver sua alma. Não posso ler sua mente. Mas Deus pode ler sua mente, e Deus sabe exatamente qual o estado de sua alma em qualquer dado momento. O que permanece invisível para mim é visível para Deus. Esta é uma distinção com relação à nossa percepção limitada.
Quem está na igreja invisível? De acordo com Agostinho, todos aqueles que são crentes verdadeiros. E ele se referia, claramente, aos eleitos, porque todos os eleitos, de acordo com Agostinho, chegam à fé verdadeira no final. E todos aqueles que chegam à fé verdadeira foram contados entre os eleitos. Então, quando ele falava da igreja invisível, ele estava falando sobre os eleitos, aqueles que verdadeiramente estão em Cristo e são verdadeiros filhos de Deus.
João Calvino disse que não devemos pensar na igreja invisível como algo imaginário ou de uma dimensão paralela. Seguindo o pensamento de Agostinho, Calvino insistiu que a igreja invisível existe substancialmente dentro da igreja visível. Ele disse que a principal tarefa da igreja invisível é tornar a igreja invisível visível.
O que ele quis dizer com isso? Calvino estava se referindo à ascensão de Jesus e à última pergunta que os discípulos lhe fizeram antes de ele deixar este mundo: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel”? Jesus disse: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos 1.7–8).
Essa afirmação feita por Jesus é frequentemente confundida por causa de nosso jargão cristão. Se alguém pergunta a um cristão, “O que significa testemunhar?” a resposta mais comum é “falar de Cristo para alguém”. Isso não é inteiramente falso. Há um sentido em que o evangelismo é uma forma de testemunho. Mas não é a única forma. O propósito de testemunhar é tornar manifesto algo que estava escondido. Calvino disse que é tarefa da igreja tornar visível o reino invisível. Nós fazemos isso, em primeiro lugar, pela proclamação do evangelho — por evangelismo. Mas também podemos fazê-lo modelando o reino de Deus, demonstrando justiça no mundo, demonstrando misericórdia para o mundo, e mostrando ao mundo como deve ser o reino de Deus. Isso significa que a igreja deve personificar e encarnar a vida do Espírito de Deus em tudo quanto ela fizer, para que suas boas obras não estejam escondidas sob o alqueire, mas claramente à vista. Devemos dar testemunho da presença de Cristo e do seu reino para o mundo.
Existe um perigo quando utilizamos os termos visível e invisível. Algumas pessoas pensam que se elas estão na igreja invisível, isso significa que elas podem ser como agentes secretos cristãos. Mas nós sabemos que o mandamento do Novo Testamento é para que demos testemunho de Cristo, mostremos adiante a luz do evangelho e tornemos seu reino visível. E é isso que a igreja deve fazer. A igreja em qualquer ambiente, qualquer localidade, quaisquer gerações sempre é mais ou menos visível e mais ou menos autêntica. Mas mesmo igrejas podem perder sua lamparina e deixar de ser igreja. Igrejas podem se tornar apóstatas. Denominações podem se tornar apóstatas. Congregações inteiras podem abandonar a igreja invisível e não mais ser uma igreja verdadeira.
Você é um membro da igreja invisível? A igreja invisível é uma igreja que sempre desfruta de unidade porque verdadeiramente somos um em Cristo. O ponto de unificação da igreja invisível, aquilo que unifica e transcende as barreiras de igreja e linhas denominacionais, é o nosso enxerto em Cristo. Todos que estão em Cristo e todos em quem Cristo está são membros de sua igreja invisível. Aquela unidade já está presente, e nada pode destruí-la. Isso não significa que podemos descansar nisto. Não podemos simplesmente nos satisfazer com a unidade da igreja invisível. Ainda deveríamos estar trabalhando o máximo possível para uma verdadeira unidade da igreja visível.
Fonte: Trecho do livro “O que é a Igreja?” de R. C. Sproul.