A crucificação de Jesus foi um evento histórico em que o mundo expressou seu ódio a Deus e sua hostilidade contra ele. Foi o símbolo definitivo não só da maldade do pecado, como também da ganância do coração humano. Tirar a vida do Senhor da Glória foi o grito supremo de “eu quero” do mundo.
No entanto, a cruz se encontra no cerne do evangelho, não por causa do que ela nos diz sobre o pecado, mas por causa do que ela nos diz sobre a graça de Deus: a misericórdia que fornece um remédio para o pecado e o amor que garante a eficácia desse remédio. A cruz é uma boa notícia não por causa do que nós tiramos de Deus, mas por causa do que Deus nos deu.
A natureza do presente
A cruz foi o Deus Pai doando o Deus Filho para a salvação do mundo. Essa é a distinção introduzida em João 3.16: o Deus que amou o mundo é o Deus que deu, e aquele que foi dado foi “seu Filho unigênito”.
No entanto, João introduz seu relato do evangelho para nós com a afirmação de que o Filho, ainda que seja distinto do Pai, não é distinto de Deus. Antes, ele é identificado com Deus. Dizer que o Pai deu o seu Filho por nós é falar sobre uma pessoa de dar outra, mas também é afirmar que, em um sentido último, Deus deu seu Filho. É com “seu próprio sangue” que Deus resgatou a igreja (Atos 20.28).
Apenas esse fato já deve colocar a cruz no mais alto relevo. No Calvário, o mundo se pôs diante de Deus e disse: “Eis o quanto te odiamos!” E no Calvário, Deus se pôs diante do mundo e disse: “Eis o quanto eu te amo!”.
O planejamento do presente
A cruz não foi um acidente. Ela foi planejada por Deus antes da fundação do mundo. Quando Deus apresentou seu herói, “o descendente da mulher” (Gênesis 3.15), como aquele que seria vitorioso sobre o pecado e sobre Satanás, esse não era o plano B. Esta foi a primeira indicação na história de que, por trás da história, havia um propósito de salvação já decretado em que o Filho de Deus seria dado como o Salvador dos pecadores.
O primeiro anúncio da promessa em Gênesis 3.15 define a cruz em um tríplice contexto: em primeiro lugar, o presente de um Salvador foi necessário devido à violação do pacto de obras entre Deus e o homem; segundo, o presente foi preparado num pacto intra-trinitário de redenção; e terceiro, o presente seria dado através de um pacto de graça administrado na história.
Por essa razão, ao longo de todo o Antigo Testamento, o já formulado, mas ainda não realizado presente de um Salvador é indicado de várias maneiras e em momentos diferentes. “Deus proverá um cordeiro”, diz Abraão em Gênesis 22.8. “A virgem conceberá e dará à luz um filho”, diz o profeta em Isaías 7.14. “Suscitarei para elas um só pastor, meu servo Davi”, Deus diz em Ezequiel 34.23, prometendo a vinda do pastor real que daria sua vida pelas ovelhas.
A entrega do presente
E no devido tempo, Jesus veio. Mas o Novo Testamento é muito cuidadoso em destacar o caráter de sua vinda como uma dádiva. “Vindo, porém, a plenitude do tempo”, Paulo escreve em Gálatas 4.4, “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. Nós tínhamos sido expulsos do Paraíso; por isso, Deus enviou o seu Filho para fora do Paraíso, para a terra distante. Quando Isaías declarou que “um menino nos nasceu, um filho se nos deu” (Isaias 9.6), o cumprimento final de suas palavras chegou quando o Filho de Deus se encarnou como um de nós.
Desta forma, em última análise, esse Filho foi dado para a morte; o Pai não o poupou, mas entregou-o por todos nós (Romanos 8.32). Foi o mais caro de todos os presentes: Deus “se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Coríntios 8.9). Deus, na fraqueza da carne humana, conquistou por nós o que não podíamos conseguir em nossa própria força (1Coríntios 1.25). A cruz era o presente de amor definitivo.
O propósito do presente
Se João tivesse nos dito que Deus amou seu Filho de tal maneira que lhe deu o mundo, não nos causaria nenhuma surpresa. A surpresa vem na direção oposta: Deus deu seu Filho, de tanto que amou o mundo. E a razão pela qual ele deu foi para que o mundo seja salvo ao receber o presente. Quão excepcionalmente sábio, quão excepcionalmente simples. Ainda assim, quão excepcionalmente difícil para o duro coração do homem agradecer a Deus pelo que Paulo chama de “seu dom inefável” (2Coríntios 9.15).
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
Revisão: Yago Martins
Originial: He Gave