“Assim como com pessoas em qualquer outra profissão humanitária, algumas vezes a motivação para entrar no ministério pastoral é conseguir a apreciação, atenção e aceitação que uma pessoa precisa, mas que não estão sendo supridas por outras fontes. Algumas vezes é o desejo inconsciente de dominar outros e efetivamente se tornar um pequeno papa, o que é uma meta fácil de ser alcançada se alguém ministra para pessoas imaturas. Muitos pastores obtém inconscientemente muita satisfação por serem capazes de liderar pessoas e corrigi-las. Muitos pastores, depois de judarutoexame, tem descoberto que parte de suas motivações originais era a necessidade de ser infalível, e a situação da igreja muitas vezes reforçava esta patologia. Outra motivação muito importante em alguns pastores é a presença de uma reserva de raiva e hostilidade reprimidas e não reconhecidas. Nesse caso o pastor provavelmente se tornará um pregador cuja mensagem favorita e mais frequente é sobre o fogo do inferno e enxofre, sendo que ele mesmo não terá nenhuma consciência da grande satisfação que recebe ao assar seu rebanho sobre as chamas do inferno” (Basil Jackson) [1]
Substitua a palavra pastor pela palavra “cristão” e teremos muitas perguntas perspicazes sobre trabalhar com os pobres. Não há dúvida que nosso tipo de ministério atrai todos os tipos de pessoas excêntricas com todos os tipos de intenções diferentes. Se você está envolvido com trabalho na periferia, então sempre é válido perguntar a si mesmo: Qual é minha real motivação aqui?
Vamos considerar as próprias palavras de Jesus para os discípulos em Mateus 10.37-39.
“Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á.”
Thomas Doolitle foi um pastor puritano, convertido aos 17 anos sob o ministério de Richard Baxter e que depois se tornou seu pastor assistente e um tutor para Matthew Henry. Ele escreveu um famoso texto intitulado “Motivos para amar Jesus”, no qual ele expõe 28 razões por que Cristo deveria ser a fonte e o alvo de nosso amor eterno. Ele nos pergunta o seguinte:
“VOCÊ CONSEGUE ENCONTRAR UM ALVO MAIS EXCELENTE PARA SEU AMOR DO QUE JESUS? Se você buscar em toda a criação, você encontraria alguém ou algo como ele? Seriam riquezas, prazeres ou outros relacionamentos comparáveis a Jesus, a quem você deveria amar de forma suprema? Não deveria o maior bem ser o melhor alvo de seu amor? Você consegue amar coisas inferiores e não amar o bem maior? Tudo que há de bom nas criaturas não é como uma gota comparada ao mar, como uma vela comparada ao sol, como um grão de areia comparado a uma montanha – quando comparado ao que há de bom em Jesus? Se Davi valia por dez mil homens, não é Jesus, o Senhor de Davi, melhor do que o mundo todo?” (Thomas Doolittle 1630-1707) [2]
Se desejamos servir ao Senhor Jesus Cristo na periferia, então devemos fazer isso porque amamos Jesus primeiro e principalmente. Se não conseguimos colocar Jesus acima de todas as coisas em nossas vidas, então não seremos bem sucedidos, pois os sacrifícios necessários para realizar a obra em uma periferia são enormes. A glória de Deus em Cristo precisa ser nosso objetivo final. Nós precisamos ter nossas raízes firmemente plantadas no glorioso evangelho do Senhor Jesus Cristo. Qualquer outra razão fora essa, conquanto louvável, estará destinada a causar problemas futuros. Mudar-se para uma comunidade carente para “amar as pessoas” não nos sustentará quando alguém deliberadamente atear fogo em nosso carro, tentar nos assaltar, jogar fezes de cachorro em nossa janela e lançar garrafas de urina para dentro da igreja.
Lembrem-se, nós amamos a Deus porque Ele nos amou primeiro e nós amamos as pessoas porque Ele nos amou primeiro. Quando estivermos sentados, segurando nossa cabeça e pensando por que ainda estamos aqui (e, se permanecermos por tempo suficiente, faremos isso), será por causa desse amor a Deus que seremos capazes de perseverar. Uma periferia não é um lugar para vir e levantar nossa autoestima. É tão fácil tornar nosso ministério e as pessoas necessitadas em um ídolo, quando, na verdade, é Jesus quem reinvindica nossa completa atenção e afeto.
A maior pergunta que deve ser respondida quando entrevistamos alguém para este ministério não é “Quão qualificado você é?”, mas, sim, “Você ama Jesus Cristo profundamente?”. Podemos ler e aplicar Mateus 10 sem tentar amenizá-lo? Nossa família sabe que isso é verdade? Jesus nos pede para avaliarmos cada coisa preciosa em nossas vidas e estarmos preparados para abrir mão delas. Muitas pessoas, ao ouvir “preparado?”, erguerão as mãos e dirão “sim, eu estou preparado”, porém só até chegar a hora H. Muitos de nós diríamos que estamos preparados para oferecer até nosso pequeno Isaque no altar de Deus. Contudo, a realidade é que muitos de nós sofremos sequer para oferecer nosso carro ou um quarto de nossas casas ou qualquer outro bem material irrelevante por amor e devoção ao Deus Todo-Poderoso.
Abandone tudo que você tem, venda suas preciosas posses, deixe seus pais doentes, sua boa igreja, seus amigos e mude-se com sua família para uma comunidade carente para levar uma mensagem que ninguém quer ouvir e trabalhar em solo duro, muito duro, com pouco ou nenhum fruto visível. Como Mateus 10 se parece agora? Mesmo antes de chegarem nessa frase, muitos de vocês já estão incomodados com o tom radical, exagerado, fundamentalista e literal do último parágrafo. Mas não me entenda mal. Não estou dizendo que este é um ministério para todos. Porém, independente do seu estilo de vida e de sua cultura, Mateus 10 se ergue como um princípio universal. Amar a Jesus nos levará para caminhos difíceis, tanto em termos geográficos (para alguns) quanto espirituais (para todos os que levarem isto a sério). Nós, particularmente do Ocidente, somos o “jovem rico”, razão pela qual tantos de nós sacudimos nossas cabeças e vamos embora tristes e/ou irritados por causa deste tipo de ensinamento.
“E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna.” (Mateus 19. 29)
Notas:
[1] Basil Jackson, ‘Psychology, Psychiatry, and the Pastor: Part II: Maturity in the Pastor and Parishioner,’ Bibliotheca Sacra 135 (April 1975), 111-12. (tradução própria)[2] (tradução própria)
Tradução: Fabio Luciano
Revisão: Vinícius Musselman Pimentel