A Epístola aos Hebreus é uma declaração da absoluta supremacia de Jesus Cristo. Afirma que Jesus é superior aos anjos (caps. 1 e 2), a Moisés (3.1-4.13) e a Arão (4.14-7). Cristo exerce um sacerdócio superior (8.1-10.18) e inaugurou uma aliança superior (10.19-13).
Em toda a epístola, encontramos a ênfase sobre o que é novo e melhor. Por exemplo, Hebreus 7.12 afirma: “Quando se muda o sacerdócio, necessariamente há também mudança de lei”. Uma vez revogada a ordenança anterior, “por outro lado, se introduz esperança superior” (7.18-19). Jesus mesmo é o fiador de “superior aliança” (7.22). Hebreus 8.6 explica: “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas”. Hebreus 8.7 nos diz que, “se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda”. E, depois de citar a promessa da nova aliança encontrada em Jeremias 31.31-34, o autor de Hebreus afirma: “Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (8.13).
Essas observações em Hebreus e outras no Novo Testamento têm levado alguns a questionarem se Deus cometeu um erro na antiga aliança. Deus foi obrigado a abandonar seu plano inicial e introduzir emergencialmente um plano reserva? O fato de que a antiga aliança se tornou antiquada implica que a nova aliança era um “plano B”? A resposta é não. A inauguração de uma nova aliança por parte de Deus não significa que Ele cometeu um erro na antiga aliança. No entanto, a razão disso talvez não seja imediatamente percebida.
A resposta dessa pergunta se torna mais clara quando examinamos Jeremias 31.31-34. Nesta passagem, o profeta prevê a inauguração da nova aliança. O autor de Hebreus cita aquela profecia. Para entendermos a sua explicação da profecia, temos de entender o contexto em que ela foi escrita. Temos de lembrar que a Epistola aos Hebreus foi escrita para judeus convertidos ao cristianismo que sofriam perseguição por causa de sua fé. Eram tentados a retornar aos ritos e cerimônias da antiga aliança, a fim de evitarem a perseguição. O autor de Hebreus lhes diz que retornar às cerimônias da antiga aliança seria futilidade extrema, pois Deus nunca tencionara que aquela aliança fosse permanente. Para defender seu argumento, ele direciona os leitores ao texto de Jeremias, no Antigo Testamento.
O autor de Hebreus introduz sua explicação de Jeremias 31 recordando-lhes que, “se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda” (8.7). Com essas palavras, ele estava dizendo que a promessa do Antigo Testamento quanto a uma nova aliança implicava que aquela parte das Escrituras previa a natureza temporária da “antiga” aliança. Uma “nova” aliança seria desnecessária, se Deus tencionasse que a antiga permanecesse para sempre.
O autor de Hebreus torna isso mais claro em 8.13, quando afirma a respeito da passagem de Jeremias: “Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira”. Quando Jeremias prometeu uma nova aliança, deu a entender automaticamente que a primeira aliança era “antiga” e temporária. Em outras palavras, o plano de Deus sempre incluiu, desde o começo, a introdução de ambas as alianças. Ele não cometeu um erro ou teve de recorrer a um “plano B”. Cada aliança era adequada a um tempo específico na história da redenção.
O fato de que Deus sempre planejou a inauguração de uma nova aliança suscita a questão da continuidade. Se Deus introduziu uma nova aliança em Cristo, há alguma continuidade entre as duas alianças — a velha e a nova? Na história da igreja, existem aqueles que têm argumentado haver pouca ou nenhuma continuidade entre as duas alianças. Argumentam que toda a antiga aliança foi substituída pela nova. Os que defendem essa posição propõem que nada no Antigo Testamento é relevante e diretamente aplicável à igreja.
Existem outros que têm sugerido haver pouca descontinuidade entre as alianças e que as mudanças realizadas pela inauguração da nova aliança foram essencialmente “decorativas”. Aqueles que defendem essa posição argumentam que muito do Antigo Testamento é diretamente aplicável à igreja em nossos dias. Alguns dos que sustentam essa opinião afirmam que os cristãos têm de continuar a observar o sábado no sétimo dia ou têm de continuar a observar os dias de festas do Antigo Testamento.
Ambos os extremos devem ser evitados. Entre as duas alianças, tanto há continuidade como descontinuidade. Embora haja muitos em nossos dias que lêem passagens como Hebreus 8.13 e concluem que não há continuidade entre as alianças, uma análise mais atenta de Hebreus 8 e do lugar da nova aliança na história da redenção revela que tal conclusão é prematura.
Um dos ensinos mais óbvios da continuidade entre as duas alianças se acha na própria promessa da nova aliança. O autor de Hebreus cita, em 8.8-12, a profecia de Jeremias acerca da nova aliança. No versículo 10, lemos: “Esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”. Encontramos um ponto de continuidade na expressão “minhas leis”. Na antiga aliança, Deus escreveu suas leis em tábuas de pedra (Êx 24.12). Na nova aliança, Ele as escreve no coração de seu povo, a fim de substituir o pecado que está gravado ali (Jr 17.1). No entanto, aquilo que está gravado no coração do povo de Deus é essencialmente o mesmo que foi escrito nas tábuas de pedra. O aspecto da lei que reflete mais fundamentalmente a justiça de Deus permanece o mesmo.
Outra maneira de explicar a continuidade entre a antiga e a nova aliança é aplicar a ilustração que Paulo usou em Gálatas 3.24-25. Ele escreveu: “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio”. O “aio” (no grego, paidagogos) era um escravo que tinha a função de levar o menino à escola, trazê-lo de volta e supervisionar sua conduta. Quando o menino crescia, o “aio” não era mais necessário. Essa analogia pode ajudar-nos a entender melhor os elementos de continuidade entre as alianças.
O aspecto da ilustração que se aplica à continuidade é este: uma vez que o menino se tornava adulto, o aio ficava obsoleto, mas o que ele havia ensinado ao menino permanecia inalterado. Paulo usou essa analogia de crescimento da infância à maturidade como um meio de visualizar o povo de Deus através da história de redenção. A antiga aliança foi idealizada para o povo de Deus em sua “infância”. Quando o povo de Deus chegou ao estado de “adulto”, o “aio” não era mais necessário. Agora, ele é obsoleto. Mas aquilo (“minhas leis”) que o “aio” ensinou ao menino permanece o mesmo, embora ele tenha se tornado adulto.
Jesus Cristo é o ponto central em que a antiga e a nova aliança se encontram. A antiga aliança, como um aio, prepara o caminho e o povo para Ele. A antiga aliança incluía aquilo que tem sido descrito como “lei moral”, bem como aquilo que era simbólico. Aquilo que era simbólico sofreu mudanças quando chegou a realidade para a qual os símbolos apontavam. Quando a aurora raiou, as sombras desapareceram (cf. 10.1).
Agora, o povo de Deus é definido em termos de sua relação com Jesus (cf. Gl 3.16, 29), e não de sua relação com Jacó/Israel. A Terra Prometida é definida em termos de toda a criação (cf. Mt 5.5; Rm 4.13), e não de um espaço geográfico na costa leste do mar Mediterrâneo. O templo é definido em termos de Jesus Cristo e o seu povo (cf. Jo 2.21; 1 Co 3.16; Ef 2.21), e não de um edifício de pedra e argamassa. As leis cerimoniais são definidas em termos da morte expiatória de Cristo (cf. Hb 9.11-10.11), e não do sangue de bodes e novilhos.
No entanto, a lei moral — aquilo que revela os padrões eternos e universais de justiça — não muda. Embora esteja escrita no coração do povo de Deus, e não em tábuas de pedra, essa lei permanece a mesma.