quarta-feira, 6 de agosto
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A origem da Filosofia

Muito além da Grécia Antiga

Começar do começo costuma ser uma boa escolha. No caso deste livro, o começo é a discussão sobre a origem da filosofia. Antes de tudo, devemos dizer que essa questão pode ser discutida em dois sentidos diferentes: o sentido histórico, se estivermos pensando na ocasião em que a filosofia nasceu, e o sentido existencial, se estivermos pensando na razão pela qual fazemos filosofia. Neste capítulo, lidaremos com ela em ambos os sentidos.

A origem histórica da filosofia

Quanto à origem histórica, há duas teses clássicas [i]

A primeira, mais popular, é a de que a filosofia nasceu na Grécia Antiga, como produto da genialidade do homem grego. Essa tese, conhecida como tese do milagre grego,sustenta que, a partir de elementos intrínsecos, como a sua arte, religião e organização político-econômica, os gregos teriam desenvolvido um modo de pensamento novo, completamente sem precedentes nas civilizações anteriores.

A segunda, menos celebrada,é a de que a filosofia teria nascido no Oriente, mais especificamente na África, na China e na Índia. A tese orientalista, como é conhecida, se fundamenta na eventual existência de paralelos entre as ideias dos primeiros filósofos gregos e as ideias de alguns pensadores orientais, e sugere que gregos teriam absorvido elementos da sabedoria oriental a partir do contato comercial e cultural que estabeleceram com os povos do Oriente.

Essa não é uma controvérsia recente. Ainda na virada do segundo para o terceiro século, Diógenes Laércio, o primeiro grande biógrafo dos filósofos, defendeu o gênio grego contra a ideia de que a filosofia teria nascido em outros lugares. Ele escreveu:

Frequentemente, pretendeu-se que a filosofia havia nascido no estrangeiro. Aristóteles (Livro da Magia) e Socião (Filiações) dizem que os Magos, na Pérsia, os Caldeus, na Babilônia e na Assíria, os Gimnosofistas, na Índia, e uma gente chamada Druidas e Senoteus, entre os Celtas e Gauleses, foram seus criadores […]. Por seu turno, os egípcios pretendem que Hefesto, o criador dos princípios da filosofia ensinados pelos padres e profetas, era filho do Nilo […]. Porém, ao atribuir aos estrangeiros as próprias invenções dos gregos, todos esses autores pecam por ignorância, pois os gregos deram nascimento não só à filosofia, mas a todo o gênero humano. Registramos: em Atenas nasceu Museu e em Tebas, Linos. Museu, filho de Eumolpos, escreveu, segundo a tradição, a primeira teogonia e o primeiro tratado da esfera. Foi o primeiro a afirmar que tudo nasce do Uno e retorna ao Uno […]. Por sua vez, Linos era filho de Hermes e da musa Urânia. Compôs uma cosmogonia e descreveu o curso do Sol e da Lua e a geração dos animais e das plantas […]. Sim, foram os gregos que criaram a filosofia, cujo nome, aliás, não soa estrangeiro.[ii]

 A força retórica dessas teorias, bem como a presença recorrente delas nos manuais de filosofia, pode nos levar a pensar que precisamos escolher entre elas. Isso, porém, não é verdade. É perfeitamente plausível conceber a origem histórica da filosofia como um acontecimento que combina o gênio grego com uma eventual influência da sabedoria oriental.

Para além disso, é importante perguntar: o que chamamos de filosofia quando nos referimos à sua origem histórica, a qual assumimos que se deu no período clássico? Afinal, frequentemente, a defesa de que a filosofia nasceu na Grécia Antiga parte da concepção de filosofia como pensamento racional autônomo, em contraste com o pensamento mítico, visto como dependente da religião.[1] Essa concepção, entretanto, apresenta um problema fundamental, uma vez que “o pensamento é uma função da religião, e a neutralidade religiosa na academia e formação de teorias, incluindo a filosofia, é apenas um mito”.[iii] Uma vez questionada e rejeitada essa concepção de filosofia, a própria ideia de que o pensamento filosófico teria nascido no período antigo deveria ser reconsiderada. A afirmação de que uma transformação intelectual ocorreu na Grécia Antiga é inevitável, mas é discutível se essa transformação teria sido o surgimento da filosofia ou de um tipo específico dela.

Este artigo é um trecho adaptado com permissão do livro Filosofia essencial para cristãos: o mínimo que você precisa saber sobre a realidade, o conhecimento e os valores , de Filipe Fontes, em breve pela Editora Fiel.


[i] Veja Giovanni Reale e Dario Antiseri, História da Filosofia, Volume 1: Filosofia Pagã Antiga, trad. Ivo Storniolo (São Paulo: Paulus, 2005), p. 11.

[ii] Essa concepção de filosofia segue o entendimento de Hegel, que “chegou à conclusão de que a religião era a filosofia primitiva, a metafísica imaginativa e travestida em alegorias do povo comum, e, portanto, que a filosofia é religião transposta em conceitos pelos pensadores. Ao propor isso, ele ofereceu uma descrição insuficiente da essência de ambas, particularmente no tocante à religião (Herman Bavinck, Cosmovisão Cristã, trad. Fabrício Tavares de Moraes [Brasília: Monergismo, 2024], p. 50-51). Para uma discussão mais técnica sobre este debate, veja Pierre Hadot, O que é a Filosofia Antiga?, trad. Dion Davi Macedo, 2ª ed. (São Paulo: Loyola, 2004),p. 27-30.

[iii] David K. Naugle, Filosofia: Um Guia para Estudantes, trad. Josaías Cardoso Ribeiro Júnior (Brasília: Monergismo, 2014), p. 33.


Autor: Filipe Fontes

Bacharel em Teologia pelo Seminário JMC e licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção. É mestre em Teologia Filosófica pelo Andrew Jumper, mestre e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor do Andrew Jumper e JMC. Casado com Lenice e pai de Ana Lívia e Daniel.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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