A nova moralidade sexual não emergiu de um vácuo. Mudanças intelectuais massivas ao nível de visão de mundo ao longo dos últimos duzentos anos prepararam o cenário para a revolução na qual nos encontramos atualmente. Estamos vivendo em tempos corretamente, se bem que desajeitadamente, descritos como a era moderna tardia. Há apenas uma década, falávamos da era pós-moderna, como se a modernidade tivesse dado lugar a algo fundamentalmente novo. Como toda nova e autoproclamada época, a era pós-moderna foi declarada como uma forma de libertação. Enquanto a era moderna se anunciava como uma libertação secular de uma autoridade cristã que operava com alegações de revelação divina, a era pós-moderna foi proposta como uma libertação das grandes autoridades seculares da razão e da racionalidade. Afirmava-se que a era pós-moderna liberaria a humanidade operando com uma “incredulidade oficial em relação a todas as metanarrativas”. Em outras palavras, a pós-modernidade negou todas as grandes narrativas que anteriormente moldaram a cultura e especificamente pôs fim à narrativa cristã.
E, no entanto, o pensamento pós-moderno se manifestou, como todos os movimentos intelectuais devem, em sua própria metanarrativa. Então ele acabou de morrer. Ainda falamos de pensamento pós-moderno, mesmo quando falamos corretamente da arquitetura pós-moderna e da arte pós-moderna, mas estamos falando, na maior parte, de um movimento que cedeu e desapareceu. Em retrospecto, a era pós-moderna não era de modo algum uma nova era; foi apenas o alarme que anunciou o fim da modernidade e o início da era moderna tardia. A modernidade não desapareceu. Só ficou mais forte, e também mais complexa.
A alegação de que a humanidade só pode vir a si própria e superar várias formas de injustiça pela libertação secular não é nova, mas agora é uma corrente dominante. É tão comum para as culturas das sociedades ocidentais que não precisa ser anunciada, e muitas vezes não é notada. Aqueles nascidos nas culturas da modernidade tardia simplesmente respiram essas suposições enquanto respiram a atmosfera, e suas visões de mundo são radicalmente realinhadas, mesmo que sua linguagem retenha elementos da velha visão de mundo.
O pano de fundo dessa grande mudança intelectual é a secularização das sociedades ocidentais. A modernidade trouxe muitos bens culturais, mas também, como previsto, trouxe uma mudança radical na forma como os cidadãos das sociedades ocidentais pensam, sentem, se relacionam e raciocinam. A libertação da razão do Iluminismo às custas da revelação foi seguida por um anti-sobrenaturalismo radical que dificilmente pode ser superestimado. Olhando para a Europa e a Grã-Bretanha, é muito claro que a era moderna alienou toda uma civilização de suas raízes cristãs, juntamente com os compromissos morais e intelectuais cristãos. Isso não aconteceu de uma vez, é claro, embora a mudança tenha ocorrido rapidamente em nações como a França e a Alemanha. As nações escandinavas agora registram níveis quase imperceptíveis de crença cristã. Cada vez mais, o mesmo acontece com a Grã-Bretanha. Os sociólogos falam agora abertamente da morte da Grã-Bretanha cristã – e a evidência do declínio cristão é abundante.
Algumas vozes proféticas reconheceram a escala e o alcance das mudanças intelectuais que ocorriam no Ocidente. Há pouco mais de trinta anos, Francis Schaeffer escreveu sobre uma mudança, na visão de mundo, de alguém que era pelo menos vagamente cristão na memória da sociedade, para uma maneira completamente diferente de olhar o mundo. Essa nova visão de mundo baseava-se na ideia de que a realidade final era matéria impessoal ou energia moldada em sua forma atual pelo acaso impessoal. Significativamente, Schaeffer observou que os cristãos de sua época não viam essa nova cosmovisão como tomando o lugar da cosmovisão cristã que anteriormente dominava as culturas do norte da Europa e dos EUA, seja por convicção pessoal ou por impressão cultural. Essas duas visões de mundo, uma geralmente cristã e a outra quase deísta, permaneciam em completa antítese uma à outra em conteúdo e também em resultados morais. Essas formas contrárias de ver o mundo levariam a resultados sociológicos e governamentais muito diferentes, incluindo a concepção e a implementação das leis.
Em 1983, escrevendo apenas alguns anos depois que Francis Schaeffer fez essa contribuição, Carl F.H. Henry descreveu a situação e as possibilidades futuras em termos de uma dicotomia estrita:
“Se a cultura moderna deve escapar do esquecimento que engoliu as civilizações anteriores do homem, a recuperação da vontade do Deus auto-revelado no domínio da justiça e da lei é crucialmente imperativa. O retorno aos equívocos pagãos de governantes divinizados, ou a um cosmos divinizado, ou a uma concepção quase cristã da lei natural ou da justiça natural trará inevitável desilusão. Nem todos os pedidos de autoridade transcendente servirão verdadeiramente a Deus ou ao homem. Ao engrandecer a lei e os direitos humanos e o bem-estar à sua soberania, todos os tipos de líderes terrestres antecipam avidamente o papel do divino e obscurecem o Deus vivo da revelação das Escrituras. As alternativas são claras: retornamos ao Deus da Bíblia ou perecemos no poço da iniquidade”.
Escrevendo ainda mais cedo, em 1976, Henry já havia identificado o maior obstáculo intelectual para um retorno cultural ao Deus da Bíblia: “Nenhum fato da vida ocidental contemporânea é mais evidente do que a crescente desconfiança da verdade final e seu implacável questionamento de qualquer palavra indubitável” É claro que esse obstáculo ao retorno à autoridade de uma cosmovisão cristã é realmente parte de um círculo vicioso que começa com a partida de pelo menos uma impressão cultural da autoridade revelada de Deus. Deixar uma cosmovisão cristã leva a uma desconfiança da verdade final e a uma rejeição da autoridade universal, que então bloqueia o caminho de volta ao Deus da Bíblia.
A realidade é que os cristãos que definem o cristianismo em termos de doutrina cristã histórica e ensinamentos morais não acreditam meramente que a Bíblia é verdadeira, mas que aponta para a única maneira de produzirmos felicidade humana real e duradoura. Nós não somos meramente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo porque acreditamos que seja contrário às Escrituras; acreditamos que qualquer coisa que se oponha às Escrituras não pode levar ao florescimento humano.
Tradução: Paulo Reiss Junior.
Revisão: Filipe Castelo Branco.
Fonte: The Intellectual Roots of the Sexual Revolution.