Temos duas treliças em nosso quintal.
Uma está presa à parede de trás da garagem; é uma treliça muito bem feita. Gostaria de reivindicá-la como minha própria criação, mas não posso. Ela é forte, confiável e projetada com habilidade; a pintura verde-oliva tem sido mantida nova. Falta apenas uma coisa: uma videira.
Imagino que antes existia uma videira, a menos que a construção da treliça tenha sido uma daquelas obras de um faz-tudo que demorou tanto, que, ao final, ninguém apareceu para plantar algo que crescesse na treliça. Alguém certamente dedicou muito tempo e cuidado à sua construção. Ela é quase uma obra de arte. Mas, se já houve uma videira que se estendeu em volta desta linda treliça, hoje não há qualquer traço disso.
A outra treliça se apoia na cerca lateral e quase não é visível por baixo de uma trepadeira de jasmim florescente. Com um pouco de fertilizante e rega ocasional, o jasmim se mantém produzindo novos brotos, expandindo-se para o lado, através e por cima da cerca, expondo suas flores brancas delicadas, quando chega o calor da primavera. Poda é necessária constantemente, bem como a remoção de ervas daninhas ao redor da base. Preciso também jogar spray uma ou duas vezes para impedir que as lagartas se banqueteiem da seiva das folhas verdes. Mas o jasmim continua se desenvolvendo.
É difícil afirmar qual é a condição da treliça por baixo do jasmim, mas, em alguns pontos, onde ela é visível, posso ver que não tem sido pintada há muito tempo. Em uma extremidade, a treliça foi desprendida pelos ramos insistentes do jasmim; e embora eu a tenha prendido de novo, algumas vezes, isso foi inútil. O jasmim tem prevalecido. Sei que terei de fazer algo a respeito disso, a longo prazo, porque, no final, o peso do jasmim separará a treliça totalmente da cerca, e tudo ruirá.
Tenho pensado frequentemente em tirar uma muda do jasmim e ver se ela crescerá na bela mas vazia treliça da garagem, embora pareça uma vergonha encobri-la.
Como a obra de treliça predomina
Quando estava sentado na varanda de trás e observava as duas treliças, ocorreu-me mais do que uma vez o pensamento de que a maioria das igrejas é uma mistura de treliça e videira. A obra fundamental de qualquer ministério cristão é pregar o evangelho de Jesus Cristo no poder do Espírito de Deus e ver pessoas convertidas, mudadas e crescendo para a maturidade nesse evangelho. Essa é a obra de plantar, regar, fertilizar e cuidar da videira.
No entanto, assim como algum tipo de estrutura é necessária para ajudar uma videira a se desenvolver, assim também ministérios cristãos precisam de alguma estrutura e apoio. Talvez não precisemos de muito, mas, pelo menos, de um lugar onde possamos nos reunir, de algumas Bíblias que possam ser lidas e de alguma estrutura básica de liderança em nosso grupo. Todas as igrejas, associações e ministérios cristãos têm algum tipo de treliça que lhes dá forma e apoio para a obra. À medida que o ministério cresce, a treliça também precisa de atenção. Gerência, finanças, infraestrutura, organização, governança – todas estas coisas se tornam mais importantes e mais complexas à medida que a videira cresce. Neste sentido, bons obreiros de treliça são inestimáveis, e todos os ministérios que crescem precisam deles.
Qual é o estado da treliça e da videira em sua igreja?
Talvez o trabalho de treliça tenha predominado sobre o trabalho de videira. Há comissões, estruturas, programas, atividades e levantamento de fundos, e muitas pessoas gastam muito tempo em mantê-los todos funcionando, mas a obra atual de fazer a videira crescer recai sobre poucos. De fato, talvez o único tempo real de crescimento seja no culto regular de domingo, ocupado somente pelo pastor ao pregar o seu sermão.
Se a sua igreja está nesta condição, então, há toda chance de que a videira esteja parecendo cansada. As folhas são menos verdes, as flores são menos abundantes, e já faz algum tempo que não se veem novos brotos. O pastor continua trabalhando intensamente, sentindo-se sobrecarregado, pouco apreciado e desencorajado pelo fato de que sua obra fiel a cada domingo parece não produzir muito fruto. De fato, ele sente muitas vezes que gostaria de fazer mais para ajudar e incentivar outros a se envolverem na obra de videira, a obra de regar, plantar e ajudar pessoas a crescerem em Cristo. Mas a verdade triste é que recai sobre ele a organização da maior parte da obra de treliça – rol de membros, propriedades e questões de prédios, comissões, finanças, orçamento, supervisionar o escritório da igreja, planejar e administrar eventos. Não há tempo suficiente.
E este é o fato a respeito da obra de treliça: ela tende a predominar sobre a obra de videira. Talvez porque a obra de treliça seja mais fácil e menos pessoalmente ameaçadora. A obra de videira é pessoal e exige muita oração. Exige que dependamos de Deus e abramos a boca para falar a Palavra de Deus, de alguma maneira, para outras pessoas. Por natureza (ou seja, por natureza pecaminosa), nos retraímos disso. O que você prefere fazer: sair com um grupo de voluntários da igreja e realizar alguns serviços de limpeza ou compartilhar o evangelho com seu vizinho face a face? Qual é mais fácil: ter uma reunião para discutir o estado do carpete ou um encontro particular difícil no qual você tem de repreender um irmão por seu comportamento pecaminoso?
A obra de treliça também parece mais impressionante do que a obra de videira. É mais visível e estrutural. Podemos apontar alguma coisa tangível – uma comissão, um evento, um programa, um orçamento, uma infraestrutura – e dizer que fizemos algo. Podemos construir nossa treliça até que ela atinja os céus, na esperança de fazermos um nome para nós mesmos, mas ainda haverá pouco crescimento na videira.
A concentração na obra de treliça que é tão comum em muitas igrejas deriva-se de uma visão institucional do ministério cristão. É muito possível igrejas, organizações e até denominações inteiras se darem totalmente à manutenção de sua instituição. Conheço uma igreja que tem 23 organizações e estruturas diferentes que funcionam semanalmente, e todas elas são listadas no boletim semanal. Todas estas atividades diferentes começaram, em algum momento do passado, como boas ideias para o crescimento da vida da igreja e resultam, certamente, em muitas pessoas circulando pelo edifício da igreja durante a semana para fazerem muitas coisas. Todavia, quanto trabalho de videira real está acontecendo? Quantas pessoas estão ouvindo a Palavra de Deus e, pelo poder de seu Espírito, crescendo em conhecimento e piedade? Nesta igreja específica, a resposta é bem poucas.
Independentemente da razão, não há dúvida de que, em muitas igrejas, manter e aprimorar a treliça predomina constantemente sobre o cuidar da igreja. Fazemos reuniões, mantemos prédios, nos reunimos em comissões, designamos os empregados e supervisionamos o trabalho deles, cuidamos da administração, levantamos fundos e geralmente cumprimos as exigências que nossa denominação deseja que cumpramos.
De algum modo, isto tende a acontecer especialmente quando ficamos mais velhos. Começamos a ficar cansados da obra de videira e assumimos mais e mais responsabilidades organizacionais. Às vezes, isto pode até acontecer porque somos vistos como desenvolvedores de videiras bem-sucedidos e, por isso, saímos da obra de crescimento de videira para a obra de falar aos outros sobre como realizar o crescimento de videiras.
No entanto, as coisas pioram ainda mais quando paramos para considerar a comissão que Deus entregou a todos nós como seu povo. A parábola da treliça e da videira não é apenas um quadro das lutas de minha própria igreja local; é também um quadro do progresso do evangelho em minha rua, bairro, cidade e mundo.
A videira e a comissão
Em 1792, um jovem chamado William Carey publicou um pequeno livro intitulado An Enquiry into the Obligations of Christians to use Means for the Conversion of the Heathen (Uma Inquirição sobre as Obrigações de Cristãos Usarem Meios para a Conversão dos Pagãos). No livro, Carey argumentou contra a opinião prevalecente de que a Grande Comissão, dada em Mateus 28, fora cumprida pelos primeiros apóstolos e não se aplicava à igreja em gerações posteriores. Carey via essa ideia como uma abdicação de nossa responsabilidade. Ele entendia a Grande Comissão como um dever e privilégio para todas as gerações, e assim começou o movimento de missões moderno.
Para a maioria de nós, isto não é mais controverso. É claro que devemos enviar missionários aos confins da terra e procurar alcançar todo o mundo para Cristo. Mas isto é realmente o que Mateus 28 nos chama a fazer? A comissão se aplica a nossa própria igreja e a cada discípulo cristão? Estes versículos famosos são dignos de observação mais atenta.
Quando os discípulos levemente assustados viram o Senhor Jesus ressuscitado num monte da Galileia, se prostraram diante dele com uma mistura de temor e dúvida no coração. E, quando Jesus veio e falou com eles, suas palavras não fizeram nada para acalmá-los.
Ele lhes disse: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Esta afirmação impressionante tem nuanças de Daniel 7. Quando “um como o Filho do Homem” foi até à presença do Ancião de Dias, conforme Daniel 7, “foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem” (Dn 7.13-14).
“Isto é o que eu sou”, Jesus estava dizendo a seus discípulos. E, nos três anos passados, os discípulos tinham-no visto por si mesmos. Jesus estivera entre eles como o poderoso Filho do Homem, curando enfermos, ressuscitando mortos, ensinando com autoridade, perdoando pecados e dizendo coisas como estas:
Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas (Mt 25.31-32).
E agora, na presença do Filho do Homem, em um monte da Galileia, eles estão vendo o cumprimento da visão de Daniel. Aqui está o Homem diante do qual todas as pessoas, de toda nação e de toda língua, se dobrarão.
É com base nisto – a autoridade suprema, única e universal do Filho de Deus ressuscitado – que Jesus comissiona seus discípulos a fazerem discípulos de todas as nações. Às vezes, nossas traduções da Bíblia dão a impressão de que “ide” é a ênfase do mandamento, mas o verbo principal da oração é “fazei discípulos”, que conta com três particípios subordinados e ligados a ele: indo (ou “à medida que você vai”), batizando e ensinando.
“Batizando” e “ensinando” são os meios pelos quais os discípulos devem ser feitos. Talvez o batismo possa significar alguma outra coisa, mas aqui ele se refere à iniciação dos discípulos no arrependimento e na submissão ao soberano Jesus, o Senhor que governa o mundo.
O “ensinar” que os discípulos deveriam fazer reproduz o que o próprio Jesus havia feito com eles. Jesus fora o “Mestre” deles (cf. Mt 12.38; 19.16; 22.16, 24, 36; 26.18). E, porque Jesus os ensinou, eles cresceram em conhecimento e entendimento. Os discípulos devem, agora, por sua vez, fazer novos discípulos por ensinarem outros a obedecer todo mandamento dado por seu Mestre. No relato da missão feito por Lucas, esta ordem de “fazer discípulos por ensinar” corresponde a pregar o evangelho. Nesse relato, vemos que Jesus disse “que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc 24.47).
E como devemos entender o “indo”? Tradicionalmente (ou pelo menos depois de Carey), isto tem sido entendido como um mandato missionário, um esquema para enviar obreiros do evangelho ao mundo. Todavia, isto pode levar igrejas locais a pensarem que estão obedecendo à Grande Comissão se enviam dinheiro (e missionários) para o exterior. De fato, o particípio seria melhor traduzido por “quando você for” ou “à medida que você vai”. A comissão não é fundamentalmente sobre missões em algum lugar de outro país. É uma comissão que torna o fazer discípulos a agenda e a prioridade normal de cada igreja e de cada discípulo cristão.
A autoridade de Jesus não está limitada em qualquer aspecto. Ele é o Senhor e Soberano de minha rua, meus vizinhos, meu bairro, meus colegas de trabalho, minha família, minha cidade, minha nação – e, sim, de todo o mundo. Jamais deveríamos parar de enviar missionários para pregar o evangelho em lugares onde ele precisa ser ouvido, mas devemos também ver o fazer discípulos como a tarefa central em nossos lares, vizinhanças e igrejas.
A instrução de Jesus sobre “fazer discípulos”, registrada em Mateus 28.19, não é apenas uma mensagem específica para os apóstolos reunidos em volta dele no tempo de sua aparição final, após a ressurreição. Os primeiros discípulos foram instruídos a “fazerem discípulos” de outros. E, visto que estes novos discípulos estavam sob o senhorio universal de Cristo e deviam obedecer ao que Jesus ensinara, ficaram sob a mesma obrigação dada aos doze originais, de prosseguir o trabalho de anunciar o senhorio de Cristo, como fizeram seus ouvintes, e assim por diante “até à consumação do século”.
Don Carson conclui que “a ordem é dada pelo menos aos onze, mas aos onze em seu papel como discípulos (v. 16). Portanto, eles são paradigmas para todos os discípulos… Cumpre a todos os discípulos de Jesus fazerem de outros aquilo que eles mesmos são – discípulos de Jesus Cristo”.1
Ser um discípulo significa ser chamado a fazer novos discípulos. É claro que os cristãos recebem dons e exercem diferentes ministérios (falaremos mais sobre isso nos capítulos seguintes). Mas, porque todos somos discípulos de Cristo e temos com ele uma relação de professor e aluno, mestre e seguidor, todos nós somos fazedores de discípulos.
Portanto, o alvo do ministério cristão é muito simples e, até certo ponto, mensurável: estamos fazendo e nutrindo verdadeiros discípulos de Cristo? A igreja sempre tende em direção ao institucionalismo e à secularização. O foco muda para a preservação de programas e estruturas tradicionais, e se perde o alvo de discipulado. O mandato de fazer discípulos é o critério que determina se nossa igreja está engajada na missão de Cristo. Estamos fazendo verdadeiros discípulos de Jesus Cristo? Nosso alvo não é fazer membros de igreja ou membros de nossa instituição, e sim verdadeiros discípulos de Jesus.
Ou, retornando à nossa parábola – nosso alvo é dar crescimento à videira e não à treliça.
Notas:
1 – D. A. Carson, “Matthew”, em Frank E. Gaebelein (ed.), The Expositor’s Bible Commentary, vol. 8 (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 596.
Fonte: trecho do livro “A Treliça e a Videira”, de Colin Marshall e Tony Payne, lançamento de Agosto de 2015, da Editora Fiel.