sexta-feira, 13 de dezembro
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Agostinho, bispo de Hipona

Agostinho, filho de um oficial romano, nasceu em Tagaste, no norte da África, em 354. Dotado de brilhantes talentos, profundamente motivado pela vanglória e pelo desejo de ser louvado, aos 19 anos ele estudava e ensinava retórica na antiga cidade de Cartago. Com sua mente voltada à busca da sabedoria humana e seu coração cativo aos prazeres do pecado, permaneceu ali desperdiçando o melhor de sua vida. “Ai, ai!”, escreveu mais tarde, “aqueles passos me conduziram às profundezas do inferno! Labutando e desgastando-me por falta da verdade! – Os vários sistemas filosóficos de pensamento que ocupavam a atenção de Agostinho apenas o conduziam mais profundamente ao labirinto do erro. Com 31 anos de idade, o desespero mental e a angústia de coração levaram-no a adotar as dúvidas dos acadêmicos, os quais acreditavam que nada era certo. “Eu estava sobrecarregado com as mais inquietantes preocupações, receando que morreria sem descobrir a verdade”. Ora, nesse caminho, a consciência de pecado começou a atormentá-lo. Tomado por medo e vergonha, profundamente consciente de que o pecado havia corrompido sua mente e escravizado sua vontade, Agostinho passou a odiar a si mesmo.

Ele não percebia que um vaso de misericórdia estava sendo formado; que um servo de Cristo estava sendo criado e que ele seria, por meio da graça divina, um dos mais poderosos defensores da verdade outorgada por Deus à sua igreja. Aconteceu que, no ano de 386, em um jardim de Milão, uma voz soou em seus ouvidos, como que vinda do céu, ordenando-lhe que lesse a Bíblia. “Tu me chamaste, gritaste e rompeste minha surdez”. Abrindo a Palavra de Deus em Romanos 13.13-14, Agostinho disse: “Uma luz de serenidade infundiu-se em meu coração, e as densas trevas que flutuavam em meus olhos dissolveram-se em um instante. Tua voz poderosa disse: “Haja luz, e houve luz… Desse momento em diante, Agostinho, profundamente humilhado, tinha apenas um ardente desejo: amar e servir seu Salvador. “Não tenho qualquer prazer, exceto aquele que resulta de falar, ouvir, escrever, pregar e envolver me constantemente na meditação do Senhor e de sua glória”. Era o momento designado por Deus para levantar seu servo.

Era uma época carregada de motivos para causar alarme e incitar temor. A igreja de Cristo estava sendo ameaçada por erros internos, enquanto externamente a queda do Império Romano trazia confusão, invasão de bárbaros, séculos de desordem e trevas sobre a Europa. Nos anos que seguiram à conversão de Agostinho, nós o vemos sendo transformado em um instrumento para o propósito de Deus. Dia a dia, ano após ano, ele foi completamente absorvido pela Palavra de Deus. Com freqüência, ele a estudava no meio da madrugada, aprendendo-a sobre seus joelhos, alimentando-se incansavelmente de seu conteúdo. Verdades fundamentais estavam sendo gravadas em sua alma, verdades da Palavra de Deus que deveriam brilhar durante as eras futuras da igreja.

No início do ano de 392, as orações do idoso Valério, bispo de Hipona, em favor de outro pastor para seu rebanho, foram respondidas com a vinda de Agostinho para assumir o seu lugar. Ali, Agostinho foi ordenado presbítero, aos 39 anos de idade e, posteriormente, torno use bispo. Infelizmente, para a igreja, estava desaparecendo a igualdade estabelecida pelos apóstolos entre presbíteros e bispos. Embora o ofício de bispo em Roma começasse a associar-se a uma arrogância de senhorio e à presunção sacerdotal, isto não acontecia em Hipona, no norte da África. Agostinho, como bispo de Hipona, tinha muitas coisas em comum com seus irmãos crentes e jamais se colocou em posição de destaque. Ao morrer, não deixou qualquer herança; em vida, não apenas repartiu o que tinha com todos, mas chegou a derreter vasos de prata da igreja por amor aos pobres. Do púlpito, ele implorava de forma surpreendente aos homens. Sua fonte de autoridade era a Palavra de Deus, a qual ele tratava com a mais profunda reverência. .Oh! maravilhosa profundidade da tua Palavra!., ele exclamou, em certa ocasião, enquanto pregava, .cujas verdades, nós, pequeninos, podemos ver com facilidade; apesar disso, há uma maravilhosa profundidade, ó meu Deus, uma maravilhosa profundidade! – Ao final de sua vida, este ministro apostólico declarou: “Ainda que tenhamos capacidade e diligência para estudar durante a vida inteira, desde a infância à velhice, somente as Sagradas Escrituras, elas possuem tanta consistência e abundância de verdades, que todos os dias poderemos aprender algo que não sabíamos”. Agostinho pregava do profundo de seu coração, e seu intenso amor pelas almas fê-lo sentir um grande desejo de pregar a seus ouvintes para levá-los a Cristo. Ele havia aprendido, em sua vida diária, a olhar tão intensamente para Cristo, que toda sua pregação a respeito de outros assuntos reduziu-se a quase nada.

“Ó amor indescritível”, ele costumava clamar, “que levou Deus, em carne, a morrer pelo homem; se o homem não tivesse sido comprado por tão elevado preço, inevitavelmente sofreria a eterna condenação”. Agostinho se absteve da sabedoria de palavras e pregou uma mensagem veemente, direta, sem rodeios, freqüentemente trazendo seus ouvintes às lágrimas.

Quais eram as doutrinas ensinadas por esse homem piedoso?

Deus o levantou para falar contra quais erros? Ninguém deve afirmar que a antigüidade dos escritos de Agostinho prejudicam a utilidade deles. O mundo, disse ele, com sua glória e grandeza, logo perecer á, mas a verdade de Deus permanece, eterna e imutável. Da mesma forma, embora o erro apareça em incontáveis formas, a base sobre a qual ele está alicerçado é a mesma em todas as épocas. De fato, é verdade que as doutrinas que Agostinho expôs fundamentado nas Escrituras possuem importância tão grande, que ignorá-las nos torna incapazes de julgar as questões vitais de nossos dias. Portanto, o erro ao qual ele se opôs permanece até hoje com efeitos devastadores na igreja.

A heresia jamais surge com a aparência de heresia. Na época de Agostinho, ela surgiu através de um homem chamado Pelágio, aparentemente sem culpa, modesto, que praticava a mortificação e com zelo exortava os outros a seguirem o exemplo de Cristo. O ensinamento desse homem era tão sutil e ambíguo, que passou despercebido perante um concílio de bispos da Palestina. Foi deixada para Agostinho a responsabilidade de expor os alicerces do pelagianismo. Através de muitos anos de provações e humilhações, Deus o preparou para essa tarefa. A raiz do ensino pelagiano estava errada em sua visão da natureza do homem. Pelágio dizia que o homem não estava numa condição de pecado original e possuía o livre-arbítrio, assim como Adão antes da queda. O pecado não é herdado por natureza e sim pelo exemplo. Portanto, na salvação, a graça de Deus não é um poder interior que renova a natureza corrompida e restaura a vontade pecaminosa do homem, trazendo-a à liberdade, mas, ao invés disso, a graça de Deus é algo externo, que nós podemos receber, se assim decidirmos. Pelágio afirmava que a graça de Deus era oferecida a todos igualmente e, portanto, era a escolha do homem que determinava se a graça seria recebida ou não. Em resumo, o pelagianismo é uma crença de que a salvação é o resultado da cooperação entre Deus e o pecador.

O que levou Agostinho a contender tão firmemente contra afirmações como essas? Ele não era o tipo de homem que entraria em controvérsia por causa de assuntos não-essenciais, pois o espírito de controvérsia era algo bastante diferente de seu terno amor para com todos. Sua única preocupação no mundo era a glória de Deus através da sua igreja; mas Agostinho sabia que a segurança da igreja reside na preservação da verdade, e estava disposto a denunciar o pelagianismo como um erro pernicioso. “O grande pecado do pelagianismo”, declarou Agostinho, “é fazer o homem esquecer-se por que ele é um crente”. Defendendo as Escrituras, Agostinho afirmou que a conversão do pecador resulta apenas da eleição gratuita da parte de Deus e que a razão pela qual Ele chama alguns e rejeita outros reside inteiramente em sua vontade inescrutável. Em sua obra .Concerning the Predestination of the Saints. (A Predestinação dos Santos), Agostinho escreveu o seguinte: .Para que ninguém diga, minha fé ou minha justiça me distingue dos demais, o grande apóstolo dos gentios pergunta: .O que tendes que não recebestes? . A fé, portanto, desde seu princípio até à sua perfeição, é um dom de Deus. Entretanto, o motivo da fé não ser dada a todos, não deve preocupar o crente, pois este sabe que todos, por causa do pecado de um só homem, estão debaixo da mais justa condenação. A razão por que Deus livra uma pessoa de sua condenação e não a outra, está em seus próprios e inescrutáveis juízos. E, se perguntamos por que o receptor da fé é considerado digno por Deus para receber tal dom, acharemos aqueles que dirão: “É por escolha humana”. Mas nós afirmamos que é pela graça; ou seja, pela divina predestinação.. Seguindo as Escrituras, Agostinho demonstrou que a eleição é a causa primária de tudo e mostrou como é absurdo afirmar que a fé prevista por Deus é a causa da eleição. .Paulo não declara que os filhos de Deus foram escolhidos porque Ele previu que creriam, mas para que pudessem crer. Deus não nos escolheu porque nós cremos, mas para que crêssemos; para não parecer que fomos nós quem primeiro O escolhemos. Paulo assevera com clareza que, desde o princípio da humanidade, ser santo é fruto da eleição. Aqueles que colocam a eleição depois da fé agem, portanto, de forma bastante absurda. Quando Paulo apresenta o beneplácito que Deus teve em Si mesmo como a causa da eleição, ele exclui todas as outras possíveis causas..

Os adversários de Agostinho reivindicaram que a autoridade da igreja estava contra suas doutrinas, e ele replicou que, antes da heresia de Pelágio, os pais da igreja primitiva não manifestavam suas opiniões profundas sobre a predestinação, e sua resposta era correta. E acrescentou: “Qual a necessidade de examinar as obras daqueles escritores que, antes de surgir a heresia de Pelágio, não sentiram qualquer necessidade de se expressarem sobre essa questão? Se esta necessidade tivesse surgido e se houvessem sido compelidos a responder aos inimigos da predestinação, sem dúvida, eles o teriam feito. O que me compeliu a defender as passagens das Escrituras onde a predestinação é claramente ensinada? O que me estimulou foi o aparecimento dos pelagianos dizendo que recebemos a graça de Deus quando nos tornarmos dignos dela!”

Não podemos falar agora sobre a maneira como a controvérsia pelagiana foi resolvida, sobre o modo como o Concílio de Éfeso condenou as posições de Pelágio, em 431, sobre como o piedoso bispo de Hipona, cheio de amor por Cristo, labutou até ao seu último suspiro e como ele morreu três meses antes da guarda romana em Hipona ser vencida pela invasão bárbara. E não há espaço para discorrer a respeito das lições que podemos aprender da vida desse homem, a não ser esta que salientamos: a vida de Agostinho desaprova, de uma vez por todas, a objeção de que a fé na predestinação eterna da parte de Deus é inconsistente com o zelo na pregação e no evangelismo. Agostinho escreveu: “Eles dizem que a doutrina da predestinação é inimiga da pregação e que não traz qualquer benefício. É como se ela fosse inimiga da pregação do apóstolo. O excelente apóstolo aos gentios freqüentemente exaltou a predestinação e, apesar disso, jamais deixou de pregar a Palavra de Deus. Pois, assim como a piedade deve ser pregada, para que Deus seja verdadeiramente adorado, assim também deve acontecer à predestinação. Aquele que tem ouvidos para ouvir glorie-se na graça de Deus, no próprio Deus, e não em si mesmo”.

O mundo de Agostinho passou, mas os erros que temos de combater não. Eles foram poderosamente reavivados no arminianismo, no século XVII; e, em nossos dias, os mesmos erros (este grande pecado, como o chamou Agostinho), têm se espalhado pela igreja visível. Deus pronunciou um solene anátema contra aqueles que buscam desfazer a sua obra, ao edificarem sobre aquilo que Ele destruiu (Js 6. 26). Ao encerrar este artigo, consideremos atentamente as palavras de Richard Sibbes, teólogo de Cambridge:

“A heresia de Pelágio foi condenada ao inferno pelos antigos concílios. Os vários concílios realizados na África e diversos sínodos, nos quais o próprio Agostinho esteve presente, condenaram a heresia de Pelágio. Hoje não existem homens que querem ressuscitar estas heresias? Nada podemos esperar, exceto a maldição que prevalece quando homens reavivam heresias que Deus condenou. Elas são opiniões amaldiçoadas pela igreja de Deus, que até agora tem sido guiada pelo Espírito Santo. Tais opiniões, penso eu, que falam levianamente sobre a graça de Deus e promovem o poder do livre-arbítrio, fazem deste um ídolo; por isso, estão debaixo de condenação e, por natureza, são inimigas da graça de Deus”.


Autor: Iain Murray

Ministrou como assistente do Dr. Lloyd-Jones na Capela de Westminster. Ajudou a estabelecer, em 1957, a editora Banner of Truth. Além de suas responsabilidades como editor, serviu como pastor em outras igrejas. Conhecido mundialmente como uma das maiores autoridades na fé reformada, é autor de numerosos livros e artigos.

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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