O texto abaixo foi extraído do livro Graça Extravagante, de Barbara Duguid, da Editora Fiel.
Eu me remexia inquieta no banco da igreja, enquanto aguardava meu grande momento chegar. Pensamentos passavam rapidamente em minha mente, e meu coração batia acelerado, cheio de empolgação, conforme ouvia os murmúrios intermináveis da preletora. Eu estava interessada em apenas uma coisa, e estava difícil esperar por isso.
A preletora era uma grande amiga minha, uma jovem com quem eu fizera amizade no trabalho. Eu estava empolgada por ela ter sido convidada a dar seu testemunho na igreja. O testemunho de Heather era uma história excepcional de transformação, na qual eu tive grande participação. Quando conheci Heather, como colega de trabalho no laboratório de um grande hospital da cidade, ela era quase invisível. Falava baixo e de maneira hesitante, e suas expressões faciais eram quase sempre as mesmas e indiferentes em uma conversa. Heather andava vagarosamente, cada passo era arrastado, cada ação era feita de forma penosamente lenta, como se as tarefas mais simples da vida fossem um fardo pesado. Eu sentia pena dela. Heather era alvo de fofocas entre os funcionários, e alguns a maltratavam. Desde que se mudara para aquela cidade a fim de assumir seu trabalho, ela não tinha nenhum amigo, e sua vida parecia triste e solitária. Heather precisava de ajuda: precisava de Jesus; e, evidentemente, ela precisava de mim!
Havendo crescido em um lar de missionários, forte e entusiasta, eu sabia exatamente o que Deus queria que eu fizesse. Queria que eu amasse Heather, me tornasse sua amiga e compartilhasse com ela o evangelho. Comecei a trabalhar imediatamente. Tinha acabado de voltar para os Estados Unidos, após trabalhar como missionária na África, e era recém-casada com um homem que havia sido chamado para o ministério e estudava num seminário.
O evangelismo estava no topo da lista de coisas que eu sabia que Deus requeria de mim, e, sendo honesta, a África não tinha sido uma experiência muito boa nessa área. Eu havia trabalhado por dois anos no laboratório de um hospital, esforçando-me para testemunhar do evangelho a algumas pessoas e discipulá-las, mas sem conseguir levar ninguém ao Senhor. Na verdade, comportara-me bem mal como uma jovem missionária imatura de vinte e um anos de idade, que tinha uma suspeita irritante de que muitas pessoas boas haviam desperdiçado muito dinheiro ao investir em mim. Ninguém mais sabia que eu pensava essas coisas sobre mim mesma, mas eu era atormentada pelo meu fracasso em ser uma boa missionária. Ministrar à Heather seria minha chance de redimir minha reputação.
Heather acabou sendo um projeto ainda melhor do que eu poderia ter imaginado. Ela correspondeu maravilhosamente a todas as minhas tentativas de tornar-me sua amiga. Em pouco tempo, Heather já fazia parte da casa e começou a frequentar a igreja conosco. Quando mudei de emprego, Heather nos acompanhou e mudou-se para perto de nós e da igreja que frequentávamos. Ela fez sua confissão pública de fé e parecia ter uma nova vida bem diante de nossos olhos.
A história de Heather era muito dramática, pois envolvia todos os piores pecados que os bons cristãos não podiam sequer imaginar, pecados como promiscuidade sexual e aborto. A culpa e a vergonha haviam revestido o corpo e a vida de Heather, e ela vivia a vida no modo zumbi, perambulando em seu mundo, blindada dos olhares dos outros por um invisível e portátil caixão de silêncio. À medida que sua culpa era aliviada, seu semblante começava a mudar. Heather falava mais, ficava mais animada e começou a sorrir e a gargalhar. Após alguns anos, começou a namorar um cristão afável e decente
que a pediu em casamento. Uma nova vida tomou conta dela e transformou aquela garota invisível de dentro para fora. Essa foi uma história dramática, e eu era a protagonista no palco da nova vida de Heather.
No entanto, à medida que eu ouvia a interminável narrativa de Heather, comecei a ficar irritada. Sua versão da história parecia altamente imprecisa. Ela continuava falando sobre Deus e o que ele havia feito em sua vida, mas não mencionou meu nome uma única vez. Minha irritação desabrochou em uma profunda raiva quando comecei a me perguntar se ela iria ou não mencionar meu nome. Como ela poderia explicar toda a sua história sem agradecer e dizer a todos como eu havia dado minha vida para alcançá-la com o evangelho? Ministrar à vida de Heather havia sido custoso para mim, e com certeza eu merecia algum crédito! E, além disso, aquele grupo de pessoas em particular não ficara impressionado com a minha biografia missionária. Eles não se importaram com o fato de eu ter ido para as zonas mais profundas e sombrias da África. Na verdade, não repararam de maneira alguma em mim, por isso eu precisava de uma pequena ajuda no departamento de notoriedade. A história de Heather estava chegando ao fim, e minha raiva profunda se transformou em fúria quando percebi que ela não tinha absolutamente nenhuma intenção de mencionar meu nome. Pensamentos amargos inundaram minha mente, ao passo que eu ensaiava o que diria para puni-la por sua repugnante ingratidão. Eu a odiei desesperadamente naquele momento.
Um momento de discernimento
De repente, do nada, um pensamento surgiu em minha mente: Barbara, você é uma farejadora de glória e amante de holofotes, não é? Essa história não é sua; é minha, e todo o crédito e glória pertencem a mim. Nunca em minha vida eu tivera um pensamento como esse. Não foi uma voz; foi um pensamento, mas um pensamento tão poderoso e emocionante que repentinamente me senti tomada por uma luz que me expunha à essência de minha alma.
Quatro anos antes, eu tinha ouvido palavras como essas, vindas da boca de minha colega de quarto da faculdade, quando, no campus, competíamos descaradamente pela posição de presidente de um dos grupos evangélicos de comunhão cristã. Ela tinha visto em mim coisas para as quais eu estava completamente cega e escolheu um momento na escadaria do refeitório para me bombardear. Ela me disse: “Barbara, você ama os holofotes e sempre tem de ser o centro das atenções”. Naquele dia, eu não fui detida por nenhum pensamento repentino. Ao invés disso, a ira cresceu dentro de mim como uma tempestade violenta, e dei um empurrão maldoso em minha colega que quase a fez cair escada abaixo. Não houve nenhuma luz que deteve meus pensamentos; houve apenas ódio amargo e repugnante para com uma garota que não gostava de mim e ameaçou a elevada visão que eu tinha a respeito de mim mesma.
Com Heather, porém, o caso foi completamente diferente. Senti-me como o apóstolo Paulo provavelmente se sentiu na
estrada para Damasco, quando Jesus o confrontou e lhe disse: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9.4). Foi como se tivesse sido jogada mentalmente ao chão e cegada por uma glória tão reluzente que eu não podia suportar. Agora o Senhor estava me perguntando: “Barbara, Barbara, por que você está roubando a minha glória?” Imaginei Jesus pregado à cruz, esmagado e sangrando, olhando para mim, conhecendo meus pensamentos e indagando-me: “Como você poderia receber crédito por aquilo que eu fiz? Você morreu pela Heather? Você lhe deu fé e vida? Abriu os olhos dela para que enxergasse?” Por um breve instante me senti profundamente condenada; e a repugnância desses pecados ameaçavam me consumir. Estava chocada e arruinada pela feiura dos meus pensamentos, uma vez que eu não tinha ideia de que era capaz de crimes tão nojentos contra Deus e contra a humanidade! Ainda que fosse verdade o tempo todo! Eu vinha pecando desse modo havia anos, pois minha colega de quarto tinha visto isso claramente muitos anos antes.
Aos poucos, entretanto, outro pensamento despontou em minha mente. Em vez de sentir desespero e rejeição, comecei a me sentir ricamente estimada. Deus não estava sequer surpreso com a minha alma que ama glória e busca atenção. Eu estava cega sobre a verdade acerca de mim mesma, mas Jesus foi pregado naquela cruz por mim, por causa desse pecado específico. Enquanto visualizei a mim mesma diante de Jesus sangrando, nu, envergonhado e exposto, eu esperava e merecia repreensão, rejeição e desapontamento da parte do meu Salvador. Mas não era isso que eu estava recebendo. Em vez disso, ele estendeu amor, compaixão e infinita paciência sobre a minha fragilidade e fraqueza. Eu me senti amada e valorizada por Deus, embora nada em mim houvesse mudado ainda. Eu era como um fariseu orgulhoso naquele momento e ainda o sou de muitas maneiras. Naquele dia, tristeza e gratidão percorreram juntas meu coração como se fossem alegres companheiras pela primeira vez. Respondi: “Senhor, perdoa-me por apressar-me em querer roubar a tua glória; verdadeiramente esta é quem eu realmente sou. Obrigada por me amar e me perdoar diante de tamanha traição”. Até aquele momento, sempre acreditei que Deus tinha sorte em me ter do lado dele. Agora, eu finalmente me via como uma inimiga amarga a quem Deus escolhera para amar e receber como uma filha preciosa. Pela primeira vez na minha vida, a graça me pareceu maravilhosa, de uma maneira completamente inesperada à luz de meu comportamento rebelde para com Deus. Muitos anos se passariam até que eu pudesse entender o que aconteceu naquele dia. O Espírito Santo estava começando a abrir meus olhos para que eu visse mais claramente a mim mesma, a fim de me libertar da escravidão do meu eu! A verdade estava começando a substituir a frustração, e o sabor da condenação começava a se tornar doce, em vez de simplesmente amargo e humilhante.
No entanto, esses pensamentos bons e verdadeiros ficaram para um momento posterior, pois vergonha e humilhação reinaram naquela noite em particular, enquanto minha compreensão do amor paciente de Deus desapareceu. Minha companheira de quarto estava certa a meu respeito, e eu estava envergonhada. Como pude não perceber? Como pôde uma garota cristã de uma família com forte tradição missionária ser tão egoísta em busca de glória pessoal? Como fui capaz de tamanho ódio para com pessoas que eram meus irmãos e irmãs em Cristo? Como pude ser assim tão pecadora, mesmo sendo cristã há mais de vinte anos? Que sujeira era essa que brotava de mim, e como eu sobreviveria a ela?