Neste livro, vamos sugerir que a maioria das igrejas cristãs atuais precisa fazer uma reavaliação radical do que é realmente o ministério cristão – qual é o seu alvo e objetivos, como ele se realiza e que parte todos cumprimos em sua realização.
No entanto, antes de formularmos o argumento em detalhes, julgamos que vale a pena oferecer um vislumbre do alvo a que nos encaminhamos. Argumentaremos que as estruturas não fazem o ministério se desenvolver, assim como a treliça não dá crescimento à videira, e que a maioria das igrejas precisa fazer uma mudança consciente – do estabelecimento e manutenção de estruturas para o crescimento de pessoas que são discípulos que fazem discípulos de Cristo.
Isto pode exigir algumas mudanças de mentalidade radicais e, talvez, dolorosas. Apresentamos aqui alguns exemplos das mudanças de mentalidade que precisamos fazer. Cada uma dessas mudanças toca em um aspecto diferente da estrutura de pensamento que impede as pessoas de ministrarem. Contudo, quando fizermos a transição, isso abrirá novos panoramas para o ministério e para o treinamento ministerial.
1. Do realizar programas para o edificar pessoas
Quando planejamos o ministério para o ano seguinte, há duas abordagens que talvez adotemos. Uma abordagem é considerarmos os programas existentes na igreja (como as reuniões de domingo, trabalho com jovens, ministério infantil e grupos de estudos bíblicos) e, depois, elaborarmos maneiras como esses programas podem ser mantidos e melhorados. A outra abordagem é começarmos com as pessoas na igreja local, não tendo em mente estruturas ou programas específicos, e, depois, considerarmos quem são essas pessoas que Deus nos confiou, como podemos ajudá-las a crescer na maturidade cristã e que forma seus dons e oportunidades podem assumir.
Esta é uma mudança de mentalidade revolucionária: quando fixamos o pensamento nas pessoas da igreja, isso muda o nosso foco para as colocarmos em primeiro lugar e edificarmos ministérios ao redor delas. Ao fazermos isso, pode ficar evidente que alguns programas não servem mais a algum propósito digno. Também pode ficar evidente que um programa não é mais viável porque as pessoas que o realizavam antes não estão mais disponíveis. Isto pode ser doloroso para aqueles que se apegam a tais programas (é angustiante atirar em um cavalo morto!), mas novos ministérios começarão a surgir à medida que treinamos os membros de nossa igreja a usarem seus diferentes dons e oportunidades.
2. Do realizar eventos para o treinar pessoas
Tipicamente, as igrejas adotam uma abordagem de evangelização baseada em eventos. Elas usam eventos variados para proclamar o evangelho: reuniões da igreja, cultos evangelísticos, reuniões de missões, café de homens, jantar de mulheres e muitos outros ajuntamentos criativos. A fim de parecerem bem-sucedidas, as igrejas continuam mantendo mais e mais desses eventos.
No entanto, em um nível, esta tática está falhando. Em nossa era secular, pós-cristã, a maioria dos incrédulos nunca virá aos nossos eventos. Até os membros de nossas igrejas são irregulares em sua frequência às reuniões. A tática de eventos se fundamenta parcialmente no apelo e dons de um pregador convidado, e isto significa que somos limitados pela disponibilidade de tais pessoas para o que podemos realizar. Para o pastor da igreja, bem como para os principais leigos, estabelecer e realizar eventos pode acabar e acaba dominando a vida da igreja, e todo o nosso tempo é gasto em conseguir que as pessoas venham a esses eventos. Entretanto, apesar do trabalho que eles envolvem, em alguns aspectos o evento é uma tática centralizadora: são convenientes e fáceis de ser controlados pelo líder ou organizador, mas exigem que os incrédulos venham até nós de acordo com os nossos termos. Em última análise, a abordagem de eventos nos afasta tanto do treinamento quanto da evangelização.
Se quisermos que nossa estratégia seja focalizada em pessoas, devemos concentrar-nos em treinamento, o que aumenta o número e a eficácia de comunicadores do evangelho (ou seja, pessoas que podem falar as boas-novas em conversas pessoais e em contextos públicos). Esse tipo de estratégia envolve identificarmos e equiparmos mais os comunicadores, e isso aumenta o número, a variedade e a eficácia dos eventos. Além disso, podemos usar eventos para treinar nossos obreiros. Se todos os membros de nossa congregação estiverem disponíveis à oportunidade de serem treinados em evangelização, mais incrédulos virão aos nossos eventos.
Mas, por favor, observe: esta é uma estratégia caótica – uma estratégia inconveniente. Treinar evangelistas exige tempo. É necessário tempo para que jovens evangelistas construam seus próprios ministérios, àmedida que saem a pregar a Palavra. Isso significará que teremos de abandonar o controle de nossos programas, quando o evangelho é pregado, porque Cristo ajuntará seu povo em todos os tipos de comunhão que possam ou não encaixar-se em nossas redes de estruturas.
3. Do usar pessoas para o promover o crescimento de pessoas
Voluntários são aqueles que mantêm e expandem os programas da igreja. Pela graça de Deus, os voluntários são a força vital de nossas igrejas: eles gastam suas noites e fins de semanas em reuniões dominicais, trabalhos com crianças, grupo de jovens, estudos bíblicos, comissões, cuidado do patrimônio da igreja e assim por diante. O perigo de ter esses voluntários dispostos é que os usamos, os exploramos e esquecemos de treiná-los. Então, eles se esgotam, seu ministério é encurtado, e descobrimos que falhamos em desenvolver sua vida cristã e seu possível ministério. Em vez de usarmos nossos voluntários, deveríamos considerar como podemos incentivá-los e ajudá-los a crescer no conhecimento e no amor a Cristo, porque serviços resultam do crescimento cristão, e não o contrário.
Por exemplo, um casal habilidoso e comprometido que conheço serviu fielmente como líder de estudo bíblico por seis anos consecutivos, enquanto também conciliavam compromissos de estudo e trabalho. No sétimo ano, contando com o encorajamento de seu pastor, eles tiveram um ano de descanso – uma interrupção de liderarem estudos bíblicos para propiciarem refrigérios a si mesmos; e apenas participarem de um grupo e recarregarem as baterias. Depois de seu ano de descanso, eles mergulharam de novo em liderança.
Precisamos cuidar de pessoas e ajudá-las a florescer e crescer no ministério, e não esgotá-las no interesse de manter nossos programas em continuidade.
4. Do preencher lacunas para o treinar novos obreiros
Uma das pressões imediatas sobre os pastores é preencher lacunas deixadas por líderes que renunciam a nossos programas. Mas, se nos focalizarmos apenas em preencher lacunas, nunca sairemos do modo de manutenção: estamos apenas mantendo sem propósito ministérios existentes, em vez de nos expandirmos em novos ministérios.
Deveríamos começar com as pessoas que Deus nos deu, não com nossos programas. Precisamos considerar cada pessoa como um dom de Cristo à nossa igreja e equipá-las para o ministério. Portanto, em vez de pensarmos: “Podemos preencher esta lacuna com nosso pessoal?”, talvez a pergunta que precisamos considerar é: “Que ministério este membro poderia exercer?”
De nossa experiência, poderíamos citar muitos exemplos de pessoas que tiveram e não tiveram esta experiência. Por exemplo, considere Sarah, uma atleta de elite convertida por meio de ministério relacionado a atletas. Sarah foi bem acompanhada e firmada em sua fé, e sua igreja proporcionava um ambiente forte e edificante. Além disso, ela tinha uma paixão por Cristo e pela evangelização e uma grande rede de amigos não cristãos, colegas de equipe e conhecidos com os quais poderia compartilhar o evangelho. No entanto, em vez de treinar e encorajar Sarah a buscar este ministério de evangelização, a igreja insistiu fortemente em que ela se tornasse membro da comissão de administração da igreja, porque havia uma lacuna e uma necessidade, e Sarah se mostrava entusiasta e disposta a ajudar. A igreja estava preenchendo lacunas e não construindo um ministério ao redor dos dons e oportunidades das pessoas.
Um exemplo mais positivo foi Dave, um rapaz que sofria de esquizofrenia. Dave era uma pessoa muito inteligente e capaz que amava o Senhor, mas sua doença significava que, para ele, quase todas as formas de ministério estavam fechadas. Ele não tinha estabilidade e força mental para liderar estudos bíblicos, ajudar novos crentes em seu crescimento ou contribuir para quaisquer outros programas ou eventos da igreja. No entanto, em seus períodos lúcidos e racionais, Dave tinha potencial enorme para evangelização e ministério entre seus muitos amigos e contatos que também sofriam de desordens mentais e emocionais. Seu pastor treinou e incentivou Dave neste ministério e colocou outros amigos cristãos para assisti-lo, apoiá-lo e ajudá-lo com acompanhamento. Foi um exemplo maravilhoso ver o ministério potencial de uma pessoa especial, e ajudá-la e equipá-la para fazer discípulos.
Se começarmos vendo as coisas nestes termos, se abrirão novas áreas de ministério centrado em dons e oportunidades específicas de nossos membros. Em vez de preencher uma vaga numa comissão, um de nossos membros poderia começar um ministério direcionado à sua comunidade étnica ou um grupo de estudo bíblico em seu local de trabalho. Além disso, focalizar-nos em pessoas nos ajudará a descobrir e treinar possíveis candidatos ao ministério integral da Palavra.
5. Do resolver problemas para o ajudar pessoas a progredirem
Um sentimento comum entre os cristãos é o de que só recebem visitas ou outros oram em seu favor quando estão doentes ou desempregados. É claro que nossas igrejas sempre incluirão pessoas que enfrentam problemas. O povo de Deus tem muitas necessidades, assim como o resto da população. E, como ministros de Cristo, precisamos amar e receber bem a todos, independentemente de suas necessidades e situações individuais, e não ignorar seus problemas com palavras mesquinhas (Tg 2.14-17).
No entanto, não queremos criar o tipo de ambiente de ministério em que a única maneira pela qual as pessoas podem relacionar-se umas com as outras é por discutirem seus problemas. Se o ministério em nossas igrejas estiver baseado em reagir aos problemas que ocorrem às pessoas, muitas não receberão nenhuma atenção, porque são mais reservadas em compartilhar seus problemas. O alvo é levar as pessoas em direção a um viver santo e ao conhecimento de Deus, quer estejam enfrentando problemas, quer não. Esta é a razão por que proclamamos a Cristo, “advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28).
Portanto, pergunte a si mesmo se o seu ministério é reativo ou proativo. Se na maior parte do tempo você estiver lidando com os problemas das pessoas, não terá energia para implementar treinamento proativo e nova obra de crescimento. Se em seu ministério você adota uma abordagem de solução de problemas, as pessoas que têm necessidades mais críticas dominarão seus programas, e essas necessidades hão de fatigá-lo e exauri-lo, reduzindo a eficácia de seus outros ministérios.
Fonte: trecho do livro “A Treliça e a Videira” de Colin Marshall e Tony Payne, lançamento de Agosto/2015 da Editora Fiel.