Uma das mais comuns tentações que todos nós cristãos enfrentamos é a de sermos demasiadamente severos diante dos erros de outrem e agirmos sem misericórdia!
É certo que os meus leitores sabem por experiência do que estou tratando! Afinal, quem jamais deixou de ser condescendente consigo mesmo e duro no trato dos pecados dos demais? Porventura, não é mais fácil esconder os pecados dos meus filhos e expor o máximo possível os dos outros?
No entanto, a Bíblia nos dá instruções valiosas quanto à maneira pela qual eu devo cuidar dos meus pecados e também como devo ver os erros dos meus irmãos. Ora, recorramos à Escritura a fim de considerarmos o grande desafio do cristianismo no que tange a “Como Lidar com as Faltas dos Outros”. Eis, pois, o que está escrito em Lucas 17: 3-10:
“3 Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. 4 Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe. 5 Então, disseram os apóstolos ao Senhor: Aumenta-nos a fé. 6 Respondeu-lhes o Senhor: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela vos obedecerá…”
Consideremos esse belíssimo texto à luz da seguinte pergunta: COMO EU DEVO TRATAR OS PECADOS DO MEU IRMÃO?
1. Antes de tudo, eu devo ser cuidadoso para não ser tropeço para quem quer que seja, pois nosso Senhor disse enfaticamente: “Acautelai-vos“.
É digno de nota que o verbo acautelar no original grego (prosecw), no seu contexto, signifique “assistir a si mesmo, i.e., dar atenção a si mesmo ou ter cuidado”. Dessa maneira, tudo deve começar comigo mesmo! Ou seja, devo ser cuidadoso a fim de não me tornar em escândalo (armadilha, cilada) para ninguém, com os meus pecados. É por isso que nosso Senhor disse “Acautelai-vos” logo em seguida às mais terríveis palavras de todo o Novo Testamento: “Disse Jesus a seus discípulos: É inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual eles vêm! Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e fosse atirado no mar, do que fazer tropeçar a um destes pequeninos” 1.
Você tem sido cuidado com seus pecados? Que atenção você tem dado ao seu natural coração? Crê que dele é que sai o que está escrito em Mateus 15: 19, 20? Você tem levado a sério aquela temerosa advertência que diz: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia“? Como, então, devo tratar com os pecados dos outros?
2. Em segundo lugar, devo ser cauteloso com relação aos pecados dos outros. Digo isso, porque nosso Senhor prosseguiu dizendo: “Se teu irmão pecar contra ti“.
Oh! Quanto cuidado da minha parte é necessário quando alguém peca contra mim! Como necessito de dobrada atenção quanto à maneira de encarar os meus ofensores! Ora, isso é tão sério que merece ser considerado com a seguinte pergunta: Quando alguém me ofende qual é a minha reação natural? Qual é a tendência do meu coração ao ser atacado pelo pecado de outrem? Porventura, não sou rápido em me ressentir por pensar que o que me fizeram foi uma grande injustiça? Ou o que dizer da minha natural reação de vingança contra o ofensor? Ainda: Não procuro eu tornar pública a falta daquele que pecou contra mim? Eu não compartilho para o maior número possível de pessoas o que ‘aquele sujeito’ fez contra mim? Em outras palavras, diante das faltas dos demais tenho a tendência de me tornar extremamente rigoroso no meu julgamento! Afinal, o centro de ‘tudo’ ao meu redor sou eu mesmo!
Por essa causa, nosso Senhor Jesus Cristo chama-nos a atenção para a importância do nosso próprio cuidado pessoal ao dizer: “Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti“. Em outras palavras, é como se Ele houvesse dito: tenham bastante cuidado ao lidar com as faltas do seu irmão! Trate-o de forma adequadamente cristã.
Vejamos, então, em que consiste tal adequada atitude cristã, no passo seguinte:
3. Em terceiro lugar, devo ser cauteloso quanto a ter uma atitude amorosa para com o meu irmão faltoso. Ou seja, quando meu irmão pecar contra mim, eis o que meu Senhor Jesus diz ser o meu dever: “repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe“.
Quão impressionantemente maravilhosas são estas palavras de nosso Senhor Jesus! Elas me indicam que minha atitude para com aquele que pecou contra mim deve ser a de amá-lo! Sim! Devo amá-lo buscando resolutamente o bem dele! Eis, pois, a belíssima amorosa dinâmica envolvida nas Palavras de nosso Senhor Jesus:
Aquele irmão a quem amo pecou contra mim – ele me ofendeu! Então, como cristão – alguém que fora perdoado por Aquele que me amou primeiro – envido esforços em busca da paz entre mim e ele! Para tanto, vou até o faltoso e, sem que ninguém o saiba, vou “argui-lo entre [mim]e ele só“, com o firme propósito de perdoá-lo, caso ele se arrependa. Sim! Meu sincero desejo é vê-lo arrependido para que eu possa perdoá-lo. Em outras palavras, ao fazer assim estarei imitando ao meu Senhor que nos amou! Afinal, eis o que Ele, em algum sentido semelhante ao descrito acima, fez: Estando eu em flagrante ofensa com o Senhor Deus, ao invés de Ele se armar de sentimento de vingança contra mim, Ele me fez ver quão grande era o meu pecado contra Ele, de modo que a Sua bondade me conduziu ao arrependimento e, então, Ele pode me perdoar!
Ora, qual foi o propósito de Deus para comigo? Perdoar-me! E que fez Ele para que tal coisa ocorresse? Ele derramou luz sobre as minhas trevas, de maneira que eu corri arrependido rogando-Lhe perdão! Qual foi, então, o resultado disso tudo? Ele me perdoou, segundo o Seu amor para comigo!
Semelhantemente, essa deve ser a minha atitude para com aqueles que pecam contra mim – ao invés de ressentir-me, devo buscar com todas as minhas forças a reconciliação com ele!
Dessa maneira, ao dizer: “repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe“, nosso Senhor Jesus parece dizer que o amor do ofendido deve buscar o bem do faltoso. Minha repreensão deve ter como propósito o arrependimento do faltoso. Então, pensemos:
- Que significa essa repreensão? Significa derramar luz sobre as trevas do faltoso! Significa expor a verdade acerca da sua ofensa, com espírito de brandura 2 !
- Que significa esse arrependimento? Significa um olhar sincero e verdadeiro para o pecado, vendo-o como odioso, e regado de tristeza segundo Deus que não traz pesar 3!
- Que é esse perdão? Trata-se não da retirada da culpa do ofensor (esse aspecto pertence somente a Deus), mas de uma disposição interior pacificadora para com o faltoso, a qual deverá ser conhecida ou declarada ante a confissão do irmão arrependido 4!
Qual tem sido sua atitude diante daqueles que lhe ofendem? Você os odeia ou os ama? Quer vê-los arrependidos e perdoados ou prefere a caminhada mais fácil que é o da vingativa rejeição?
4. Em quarto lugar, Minha atitude deve ser continuamente amorosa.
Talvez, esse seja um dos aspectos mais “humilhantes” dos relacionamentos cristãos – a sempre contínua disposição para perdoar aos faltosos! Ou seja: Segundo nosso Bendito Salvador, “Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe“.
Em outras palavras, não importa quantas vezes alguém peque contra mim; mas, sim, que eu esteja sempre disposto a perdoar aos que se arrependemdos seus pecados! Nesse sentido, o amor deve se fazer presente em todos os meus relacionamentos, pois está escrito: “Todos os vossos atos sejam feitos com amor” 5.
Tal exigência é demais para nós? Não nos lembramos do que está escrito: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro“? Logo, se o Senhor Deus nos perdoa infinitas vezes a cada dia – pecamos por pensamentos, palavras e atitudes – será muito perdoarmos aos que confessam as suas faltas contra nós e se arrependem?
Está você cansado de tanto perdoar o seu digníssimo esposo ou esposa? E seu querido papai ou sua amada mamãe? Reconsidere o que foi dito acima e responda: Sou eu um crente em Cristo Jesus? Sou Seu discípulo? Ora, se seu próximo peca, e você lhe lembra das faltas passadas, saiba que o amor[perdoador] de Deus não está em você! Quão humilhante é esse ensino!
5. Em quinto lugar, devo estar consciente de que a prontidão para perdoar os faltosos é fruto da fé genuína.
Se observarmos a reação dos discípulos quanto ao ensino acerca de “Como Lidar com as Faltas dos Outros”, provavelmente veremos que eles se viram diante de tão grande desafio que, para eles, somente uma grande fé seria capaz de obedecer ao Senhor Jesus! Por isso, “disseram os apóstolos ao Senhor: Aumenta-nos a fé“.
No entanto, a resposta do Senhor nos surpreende como podemos ver no v. 6: “Respondeu-lhes o Senhor: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela vos obedecerá“.
Ou seja: Nessa matéria de perdoar aos que se arrependem, e confessam suas faltas contra nós, basta apenas que tenhamos uma fé genuína! Basta que um dia tenhamos recebido a verdadeira fé, “que é um dom de Deus“! Afinal, por menor que seja a minha fé, sendo genuína, ela vai me conduzir à Cruz e me dizer: “Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo, vos perdoou. Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós” 6.
Qual dos verdadeiros discípulos do Senhor Jesus Cristo deixará de ter a experiência do Seu terno e bondoso amor perdoador para consigo? Como poderia deixar de se humilhar ao contemplar Aquele que veio ao mundo para morrer por pecadores?
Oh! Senhor meu, ajude-me a sempre enxergar e vivenciar o teu admirável amor por mim que sou tão pecador, para que eu esteja sempre disposto a perdoar! Livra-me de qualquer ‘justificativa’ que venha me causar embaraço, e me leve a esquecer “a purificação dos [meus] pecados de outrora” 7.
6. Em último lugar, perdoar os faltosos não passa de um sublime dever cristão.
Qualquer que seja a interpretação da parábola descrita em Mt 17: 7-10, há algo que me faz extrair o seguinte princípio: A fé exclui qualquer possibilidade de jactância (orgulho). Por isso, os que perdoam aos faltosos devem ser humildes, à luz do v.10: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer“.
Se eu consigo perdoar o meu irmão faltoso e arrependido, devo ser elogiado pelos céus? Devo receber palavra de gratidão da parte do Senhor a quem eu sirvo?
Porventura, é da minha natureza que eu perdoe o faltoso? E para fazê-lo não é necessário que o Espírito do meu Senhor Jesus Cristo, o Pacificador, frutifique em mim?
Além do mais, não é o perdão uma ordenação Divina? Não está isso escrito: “Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda […] não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti?“.
Ora, como somente podem perdoar os que foram perdoados, ao cumprirmos tal ordenança não estaremos fazendo nada de mais; pelo contrário, fazemos apenas o que devíamos fazer; e ainda assim, pela graciosa assistência do Deus perdoador! Portanto, perdoar é um sublime dever do crente!
QUE SE CONCLUI? Diante do ensino exposto, não há quem consiga ficar de pé na presença do Senhor Deus! Afinal, é Ele quem vê o meu natural coração cheio de corrupção – quanta abominação há na minha natureza decaída! Então, preciso por a mão à boca e clamar: “não nos deixes cair em tentação“! Ou fazer a oração de Davi que disse: “Tu, ó Deus, bem conheces a minha estultice, e as minhas culpas não te são ocultas. Não sejam envergonhados por minha causa os que esperam em ti, ó SENHOR, Deus dos Exércitos; nem por minha causa sofram vexame os que te buscam, ó Deus de Israel” 8.
No entanto, à luz do amor perdoador do Senhor Jesus Cristo, o Senhor da glória, devo me sentir encorajado a fortificar-me na graça que está em Cristo Jesus, e assim, estar cada vez mais convencido de como devo tratar as faltas dos outros; ou seja: Com cuidado pessoal; e com cuidado para com os faltosos, a fim de que, amando-os, busque diligentemente vê-los arrependidos e sendo por mim ‘perdoados’ sempre que necessário, para a glória do Senhor!
Notas:
1 – Lc 17: 1, 2. Outros textos que indicam cuidado consigo mesmo: Mt 6: 1; 7: 15; 10: 17; 16: 6, 11.
2 – Gálatas 6: 1 – “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado”
3 – 2Cortríntios 7: 9, 10.
4 – Mateus 18: 35; Tiago 5: 16.
5 – 1Coríntios 16: 14.
6 – Efésios 4: 32; 5: 1.
7 – 2Pedro 1: 9
8 – Salmos 69: 5, 6.