sábado, 14 de dezembro
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Compreendendo o coração do homem

Vivemos em um mundo onde há muita crueldade e violência. Quando assistimos às notícias locais e internacionais na televisão, ouvimos falar de inúmeros casos de intimidação, injustiça, roubos, espancamentos, assassinatos e guerras. Em alguns lugares, a violência parece ser um estilo de vida, em outros lugares, parece explodir de maneira inesperada em locais aparentemente pacíficos. Como podemos explicar essa violência?

Muitos hoje afirmam que a violência não surge do coração humano, mas é o resultado de condições sociais externas. Se pudermos melhorar o ambiente social, diz-se, a bondade essencial do homem será manifesta. Muitos outros afirmam que a violência é resultado do desenvolvimento evolucionário do homem e foi necessária em sua luta pela sobrevivência como animal. Nenhuma dessas afirmações é bíblica ou, em última análise, útil para a compreensão da violência que vemos em nosso mundo.

Os cristãos entendem que os seres humanos foram criados bons, mas caíram em pecado e rebelião contra Deus e alienação uns com os outros. Fora da graça redentora e renovadora de Deus, o homem caído encontra apenas violência em seu coração. Davi expressa essa verdade de forma eloquente quando escreve sobre a atitude de Deus para com os ímpios: “Os arrogantes não permanecerão à tua vista; aborreces a todos os que praticam a iniquidade. Tu destróis os que proferem mentira; o SENHOR abomina ao sanguinário e ao fraudulento” (Salmo 5:5-6).

Nessa passagem, David destaca três características principais dos ímpios. Em primeiro lugar, eles são arrogantes e orgulhosos. Eles atribuem muito mais valor e importância a si próprios do que eles merecem, deixando de reconhecer a superioridade de Deus sobre eles. Em segundo lugar, eles estão cheios de mentiras e enganos. Eles vivem de acordo com as mentiras que eles inventam e não de acordo com a verdade de Deus. Em terceiro lugar, eles são sanguinários e violentos. Em seu orgulho e autoengano, eles estão dispostos a usar a crueldade para avançar, em vez de buscar o amor e a paz.

No início de Gênesis, vemos uma imagem dessa maldade em ação. Caim assassina seu irmão Abel por egoísmo (4:8). O tetraneto de Caim, Lameque, também mostra esse egoísmo: “E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou” (versículo 23).

O sentimento egoísta de superioridade que vemos em Caim e Lameque pode ser visto de várias maneiras ao longo da história. Considere este julgamento sobre a atitude que foi fundamental para o Império Britânico:

O Império Britânico não era liberal no sentido de ser uma sociedade plural, democrática. O império repudiava abertamente as ideias de igualdade humana e colocava poder e responsabilidade nas mãos de uma elite escolhida, proveniente de uma pequena parcela da população da Grã-Bretanha. O Império Britânico não era só não-democrático, ele era antidemocrático… Meu argumento é que, em termos da própria administração, visto que havia claramente uma grande dose de arrogância racial na classe administrativa como um todo, a ideia de classe e de hierarquia eram tão importantes, se não as mais importantes. (Kawasi Kwarteng, “Ghosts of Empire” [Fantasmas do Império], página 2).

Enquanto Caim e Lameque parecem mostrar seu poder através do egoísmo, outros indivíduos perversos procuram justificar a sua violência. De uma forma ou de outra, eles afirmam que as vítimas de sua violência são, de alguma forma, inferiores ou menos humanas do que eles. Eu posso justificar a violência contra aqueles que não são como eu: eles não são parte da minha família, meu bairro, minha tribo, minha nação, minha raça ou minha religião.

A justificativa perversa da violência consegue ser muito pior quando apela para a ciência. Podemos ver isso de uma maneira mais clara no movimento nazista na Alemanha do século XX. O apelo histórico do nazismo é complicado, mas um elemento importante de sua ideologia era a utilização da ciência. Em especial, ele usou a teoria da evolução. Se a evolução ensina a sobrevivência do mais forte em detrimento do mais fraco, então as raças mais fortes devem dominar as raças inferiores. Os cientistas nazistas alegaram ter meios científicos para distinguir as raças e provar a superioridade da raça ariana sobre as outras, especialmente os judeus e os eslavos. Hoje, sabemos que a ciência nazista era falsa, mas na época ela convenceu muitos, incluindo alguns dos cientistas mais instruídos. A ideologia nazista parecia ser uma extensão lógica da evolução.

Um historiador ilustre escreveu sobre o ambiente intelectual que preparou o caminho para o nazismo: “nacionalismo integral, socialismo ‘nacional’ antimarxista, darwinismo social, racismo, antissemitismo biológico, eugenia, elitismo entremeados em seus diferentes pontos fortes para fornecer uma mistura inebriante de irracionalismo atraente para alguns pessimistas culturais entre os intelectuais e burgueses das sociedades europeias que passavam por rápidas mudanças sociais, econômicas e políticas no final do século XIX” (Ian Kershaw, Hitler, página 134). No entanto, o darwinismo social e a eugenia realmente eram irracionais para os evolucionistas?

Os líderes nazistas aplicaram esse darwinismo à política. Adolf Hitler declarou: “A política não é nada mais do que a luta de um povo pela sua existência… . É um princípio de ferro [—] o mais fraco cai para que o mais forte ganhe vida” (Kershaw, página 289). Heinrich Himmler previu uma “batalha a ponto da aniquilação daqueles inimigos sub-humanos que eu mencionei em todo o mundo contra a Alemanha como a nação central da raça nórdica, … contra a Alemanha como a portadora da cultura para humanidade” (Peter Longerich, Heinrich Himmler, 814).

Os nazistas queriam tomar as propriedades dos judeus e expulsá-los da Alemanha. Eles queriam remover os eslavos da Europa Oriental e tomar suas terras. A partir de um desejo egoísta de poder, eles visitaram os judeus e eslavos com violência hedionda, usando uma justificação científica que desumanizava essas pessoas. Milhões de judeus e eslavos morreram.

A justificativa “científica” da escravidão também repousou sobre a ideia de superioridade racial. A escravização dos negros africanos nos primeiros séculos foi justificada pela alegação de que eles eram raças inferiores aos brancos europeus e americanos. Alguns até afirmaram que a escravidão era uma instituição civilizadora e de cristianização. Na realidade, era uma instituição violenta promovida pelo interesse por mão de obra barata. Aqui, novamente, vemos as justificativas científicas e morais para uma prática violenta e desumana.

Em nossos dias, a justificação do aborto baseia-se semelhantemente em argumentos “científicos” que proclamam que o feto é apenas tecido sub-humano. Os defensores do aborto insistem que eles estão exercendo sua liberdade de forma legítima. No entanto, eles realmente desumanizam a criança que há de nascer para justificar a eliminação de gravidezes indesejadas.

Nestes três casos, vemos a ciência ser usada de forma errada por homens perversos para fazer julgamentos morais ou religiosos como se fossem conclusões científicas objetivas. O verdadeiro problema não é a ciência, mas o abuso da ciência. O terrível efeito dessas justificativas pseudocientíficas é a violência desumana originada do egoísmo.

Estas justificativas científicas de violência repousam sobre a redução de alguns ou de todos os seres humanos à condição de animais. O salmista antecipou essa situação trágica de uma forma notável. O Salmo 49 é dirigido a todas as pessoas no mundo, a fim de ensinar-lhes a sabedoria e o entendimento. Aqui, o ensino da sabedoria começa pela meditação sobre a realidade universal da morte. Se a morte é a mesma para o tolo e o sábio, para os pobres e os ricos, para os fracos e os poderosos, qual é realmente o significado da vida? “Todavia, o homem não permanece em sua ostentação; é, antes, como os animais, que perecem” (versículo 12). Como o homem pode ser mais do que um animal? A resposta é pelo conhecimento da verdade: “O homem, revestido de honrarias, mas sem entendimento, é, antes, como os animais, que perecem” (versículo 20). Enfim, só a sabedoria ou conhecimento real separa o homem dos animais. A verdade é que só Deus pode salvar o seu povo da morte e dar-lhes a vida eterna: “Mas Deus remirá a minha alma do poder da morte, pois ele me tomará para si” (versículo 15).

Como cristãos, devemos tomar cuidado com a nossa justiça própria em reação àqueles que desumanizam as pessoas. Houve cristãos que foram aceitos por Hitler e cristãos que defendiam a escravidão. Não podemos desumanizar aqueles de quem discordamos. Em especial, queremos deixar claro para aqueles que têm defendido o aborto ou fizeram abortos, que todos aqueles que vêm a Jesus em arrependimento e fé encontram o perdão.

Quando Davi descreveu de forma tão perspicaz o homem perverso no Salmo 5, ele também mostrou o caráter de justiça que todos nós devemos buscar: “porém eu, pela riqueza da tua misericórdia, entrarei na tua casa e me prostrarei diante do teu santo templo, no teu temor” (versículo 7). Como cristãos, devemos desviar o olhar de nós mesmos, confiando apenas no amor constante e salvador de Deus em Jesus. Então, em vez de nos gabarmos em nosso orgulho e egoísmo, nos curvemos humildemente diante do nosso Deus. Este é o antídoto para a desumanização e violência em nosso mundo.


Autor: W. Robert Godfrey

Dr. W. Robert Godfrey é presidente e professor de História da Igreja no Westminster Seminary California, e professor colaborador do Ministério Ligonier. Ele é autor de vários livros, incluindo John Calvin: Pilgrim and Pastor.

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