Consideraremos o tema do “conhecimento da verdade” por meio da análise do relato bíblico da criação, queda e restauração em termos de perda e recuperação de sabedoria, além de observar como Paulo descreve, nos primeiros capítulos da sua carta aos Romanos, a condição da raça humana. Apesar de caída, tal raça retém a imagem de Deus (Gn 9.6; Tiago 3.9). O termo “imagem”, quando usado em Gênesis, não é apenas um recurso literário elegante, mas algo que carrega profundo significado. Nós espelhamos nosso Criador pela nossa capacidade de conhecer Deus como Deus nos conhece. Mas diferente de nosso Deus imutável, nós caímos na incredulidade.
A imagem do conhecimento e da vontade permanece, apesar de corrompida. Temos entendimento e atos de vontade, e a Bíblia indica isso de várias formas. Duas se destacam: nossa capacidade de formar falsas crenças e nossa capacidade de ter objetivos malignos. A Bíblia as vê como resultado do autoengano e da ação do efeito da queda em nossa consciência. Construímos ídolos e temos consciências falhas. Adoramos a criação de uma forma ou de outra, em vez do nosso Criador. Este é o tema paulino da pecaminosidade como perda de conhecimento. Para Paulo, perda de conhecimento é uma questão não de esquecer de uma coleção de fatos, mas de ter mentes que distorcem o que aprendemos. Somos desequilibrados e perversos. A humanidade no início possuía conhecimento de Deus — “O que de Deus se pode conhecer é manifesto… porque Deus lhes manifestou” (Rm 1.19) — a ponto de Deus revelar sua natureza divina, seu poder e mais de si mesmo, o que equivale a uma percepção de sua natureza por gerações subsequentes, apesar de nosso constante declínio.
Quando desobedecemos a Deus, a responsabilidade é nossa. Caímos na decadência, paramos de pensar direito, especulamos, e nossos corações estão anuviados em ignorância; o homem criado à imagem de Deus cria uma imagem própria — de animais e até de si mesmo. Por não glorificar a Deus nem lhe dar graças, o homem se tornou nulo em suas ações e obscuro em seu coração (Rm 1.21). Ele cria imagens “em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (v. 23). E como resultado de sua provocação, o homem troca Deus por algum aspecto da criação para adorar, incluindo ele próprio, ao invés do bendito Criador (v. 25). Esse declínio passa pela imoralidade sexual (vv. 24, 26, 28). E somos assim mais rebaixados em diversas formas que envolvem a perda da integridade. Quer sejamos judeus ou gentios, nossas mentes obscurecidas têm padrão dobre. Apesar dos gentios, que não têm acesso à lei revelada de Deus, poderem condenar o roubo, nós mesmos roubamos. Isso mostra que conhecimento não é a aceitação de certos fatos; o conhecimento de Deus inclui nossas vontades. É o estado do nosso coração que conduz a atos malignos. Nesta condição, os gentios têm padrão dobre, assim como os judeus (2.12–29). Todos os corações se autoenganam. Os judeus, apesar de terem a revelação especial de Deus, são infiéis (vv. 20–21). Com ironia, Paulo diz, “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? […] Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?” (vv. 21, 23).
Até os judeus carecem da graça salvífica de Deus, tanto quanto os gentios. A condição da incredulidade dos judeus está em seu engano e hipocrisia. Apesar de ter acesso à graça de Deus de uma forma que os gentios não têm, os judeus como um todo se desviaram. Há vários caminhos para essa condição. Por exemplo, o autoengano leva o homem a seguir por outros caminhos em vez de seguir a rota apontada por Deus. Paulo diz que nossa natureza de criatura, dependente e frágil, nos faz ter consciência de que temos um Criador e que a criação não é apenas um gigantesco acidente. Em nossa consciência, possuímos uma espécie de juiz interior que monitora o que pensamos e fazemos. Carregar a imagem de Deus tem essas inevitáveis consequências. Toda humanidade, judeus e gentios, estão debaixo do pecado, carregando este peso.
Mas Paulo não abandona sua discussão sobre o conhecimento neste ponto. Ele é um apóstolo de Jesus Cristo. As boas novas são que a justiça de Deus foi manifesta, sem lei, embora testemunhada pela lei e pelos profetas. O que precisamos aprender? A forma de adquirir a “justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem” (3.22). Uma forma de livramento de nosso ser pervertido.
Publicado originalmente em Ligonier Ministries.
Tradução: Alex Motta. Revisão: Renan A. Monteiro.