quinta-feira, 28 de março

Cristologia ortodoxa: profetas (4/5)

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Elaborando sobre o fundamento da aliança estabelecida no Pentateuco, os profetas pré-exílicos lamentaram que Israel estivesse quebrando a aliança de Deus e o chamaram ao arrependimento. Eles advertiram o povo que, se não se arrependessem, Deus derramaria sobre eles as maldições da aliança, incluindo a maldição extrema do exílio. No entanto, mesmo no meio de suas terríveis advertências, o julgamento não era a palavra final. Embora já antecipem que suas advertências não seriam ouvidas e que o exílio seria o resultado, eles também olhavam para além do exílio com esperança, para um período de restauração.

Os profetas do exílio receberam a tarefa de explicar ao povo por que um desastre como esse tinha acontecido aos escolhidos de Deus. Os profetas do exílio apontavam as repetidas violações da aliança. O exílio aconteceu porque Israel pecou contra Deus. Contudo, o julgamento também não é a palavra final dos profetas do exílio; ainda resta esperança. Os profetas do exílio também ansiavam por restauração além do exílio. Finalmente, os profetas pós-exílicos também têm que explicar ao povo por que a restauração não chegou em sua plenitude. Eles também convocam o povo à fidelidade à aliança, lembrando Israel que a persistência na desobediência resultará em julgamento em vez de bênção. Eles mantêm a expectativa de restauração, da vinda do Messias, e do estabelecimento de seu reino em sua plenitude.

Neste artigo, vamos olhar para várias passagens dos profetas que nos oferecem grande compreensão sobre a pessoa e obra do Messias, o Cristo.

Isaías 6-12

O tema unificador de Isaías 6-12 é o rei messiânico vindouro. Os capítulos 6 e 12 fornecem a moldura para toda a subseção, com o capítulo 6 falando do chamado e purificação de Isaías, e o capítulo 12 registrando a canção de salvação cantada pela comunidade dos salvos. A subseção começa com a morte do rei Uzias, a personificação da casa de Davi. Os capítulos 7-11 então concentram-se na vinda de um monarca santo e divino. Os dois reinos, o divino e o davídico, acabarão por se unir em um Rei messiânico da casa de Davi (cf. 7.14; 9.6–7; 11.1–10).

O contexto histórico dos capítulos 7-12 é a ameaça a Judá causada pela aliança entre Síria e Israel, em 735 a.C. Esta coligação anti-assíria invadiu Judá, mas não foi capaz de dominá-lo (2Rs 16.5; cf. 2Cr 28.5–8). Em sua segunda invasão de Judá, a Síria e Israel determinaram substituir o rei de Judá, Acaz, por um rei de sua própria escolha (7.6; cf. 2Cr 28.17). Como Acaz se sentiu tentado a recorrer à Assíria para obter ajuda (cf. 2Rs 16.7-9), Isaías lhe diz que ele não precisava temer a Israel e a Síria, e que ele deveria confiar em Deus (7.3-9). A questão, como Alec Motyer explica, é clara: “Acaz vai buscar a salvação pelas obras (política, alianças) ou por simples confiança nas promessas divinas?”

É nesse contexto que o Senhor oferece a Acaz um sinal de sua confiabilidade (7.10-11). Acaz finge piedade e recusa o sinal (v. 12-13). Aparentemente, ele já decidiu colocar a sua confiança na Assíria, mas o Senhor promete um sinal mesmo assim, nos versos 14-17:

“Portanto, o SENHOR mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel. Ele comerá manteiga e mel quando ele souber desprezar o mal e escolher o bem. Na verdade, antes que este menino saiba desprezar o mal e escolher o bem, será desamparada a terra ante cujos dois reis tu tremes de medo. Mas o SENHOR fará vir sobre ti, sobre o teu povo e sobre a casa de teu pai, por intermédio do rei da Assíria, dias tais, quais nunca vieram desde o dia em que Efraim se separou de Judá”.

Por causa da recusa de Acaz em confiar em Deus, o sinal não é mais um sinal de convite à fé. É um sinal confirmando o desagrado de Deus.

O “tu” a quem o sinal será dado é plural no original, sugerindo que o sinal deve ser dado à casa de Davi (cf. v. 13). Também deve ser observado que o tempo do nascimento do Emanuel não é explicitamente indicado nesse texto. O que as palavras de Isaías indicam é que, mesmo que Emanuel nasça em breve, a ameaça existente oferecida por Israel e pela Síria terá passado antes que a criança seja sequer capaz de percebê-la. De acordo com Mateus 1.18-23, o nascimento de Jesus a Maria cumpriu essa profecia.

Depois de declarar que a nação em quem Judá confiava para a libertação se voltaria contra Judá (8.5-10), e depois de convocar Judá a confiar em Deus (8.11-22), Isaías novamente aponta para a vinda do Messias (9.1-7). Os versos 2-3 descrevem a alegria sem limites do povo. Esta alegria é devida à sua libertação da opressão (v. 4), e sua libertação da opressão é devida ao fim de toda guerra (v. 5). Mas como Deus acabará com a guerra? Ele fará isso através do nascimento de uma criança (v. 6-7):

“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo e venha paz sem fim, sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isso”.

Esta profecia aguarda com expectativa o cumprimento do sinal de Emanuel com a vinda de Jesus (cf. Mt 1.18–23). Como Motyer explica: “A perfeição deste Rei é vista em suas qualificações para governar (Maravilhoso Conselheiro), em sua pessoa e poder (Deus Forte), em seu relacionamento com seus súditos (Pai da Eternidade) e na segurança que seu governo cria (Príncipe da Paz)”. O reinado deste rei messiânico não terá fim. Ele será o rei final, que substituirá de uma vez por todas reis infiéis como Acaz. O propósito de Deus de estabelecer seu reino na terra será cumprido através deste Rei messiânico.

Isaías 52.13-53.12

Isaías 52.13 a 53.12 é o quarto dos chamados “Cânticos do Servo” no livro de Isaías (os três primeiros são encontrados em 42.1-4; 49.1-6; e 50.4-9). O sofrimento, que tinha sido sugerido nos Cânticos do Servo anteriores, é revelado como sendo o meio pelo qual este servo de Deus libertará o seu povo do pecado. Este cântico é dividido em cinco estrofes de três versos cada.

A primeira estrofe (52.13-15) começa com tríplice exaltação de Deus ao seu servo. Ele será “exaltado” e “elevado” e “mui sublime” (v. 13). Isto aponta para alguém que tem grande dignidade e honra, mas a exaltação neste primeiro verso é imediatamente seguida por uma descrição de espanto com o servo, causada por um grau de sofrimento tão grande que ele é quase irreconhecível como humano (v. 14). De alguma forma, o sofrimento do servo terá efeitos universais. Ele “causará admiração às nações” e reis se submeterão a ele, pois finalmente conhecerão e entenderão a verdade (v. 15).

A segunda estrofe (53.1-3) é a primeira de três a descreverem com mais detalhes o sofrimento e humilhação do servo. Ele é o “braço do SENHOR”, aquele que é a salvação de Deus personificada (v. 1; cf. 52.10). Mas quem pode crer nisso (v. 1)? Ele é nascido e criado como qualquer outra criança humana, e não possui nada impressionante de se olhar (v. 2). Ele é um homem de dores, desprezado e rejeitado pelos homens (v. 3). O motivo de sua tristeza é explicado na terceira estrofe (53.4-6), que explica a natureza e o propósito do sofrimento do servo.

Em primeiro lugar, seu sofrimento é algo exclusivamente dele. Ele está sozinho. Ele toma sobre si nossas enfermidades e leva nossas dores (v. 4). Sobre ele está posta a iniquidade de nós todos (v. 6). Em segundo lugar, seu sofrimento é substitutivo por natureza. Ele é traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades, e é por suas pisaduras que somos curados (v. 5). Em terceiro lugar, o seu sofrimento é a vontade de Deus. É Deus quem coloca sobre o servo toda a nossa iniquidade e pecado (v. 6).

A quarta estrofe (53.7-9) descreve a aceitação voluntária da morte por parte do servo. Ele é comparado a um cordeiro levado ao matadouro ou uma ovelha levada a seus tosquiadores (v. 7), mas o que o distingue de um cordeiro ou uma ovelha e, portanto, de quaisquer sacrifícios de animais é que ele vai consciente e voluntariamente para a morte. Ele é “cortado da terra dos viventes” (v. 8). Em outras palavras, ele é executado. E sua morte é “por causa da transgressão do meu povo” (v. 8). Em outras palavras, sua morte é um sacrifício substitutivo. De sua morte, Isaías muda para uma descrição do seu sepultamento (v. 9). Este verso conclui enfatizando o fato de que o sofrimento do servo não é devido a qualquer pecado próprio; o servo mesmo está sem pecado.

A estrofe final (53.10-12) descreve o triunfo do servo. Aquele que sofreu, morreu e foi sepultado agora é descrito como alguém que está vivo. Foi a vontade do Senhor moer o seu servo, cujo sofrimento é descrito em termos de uma “oferta pelo pecado” (v. 10ab). Agora é a vontade do Senhor fazê-lo prosperar (v. 10c). A oferta do justo servo pelo pecado remove as iniquidades de seu povo e lhes estende sua própria justiça (v. 11). O servo “justificará a muitos”.

A grande vitória do servo é resumida no versículo 12. Ele é aquele que derrama a sua alma na morte e leva sobre si o pecado de muitos. Em suma, o problema do pecado será resolvido através da morte substitutiva de um servo de Deus sem pecado. Esta é uma profecia gloriosa da obra redentora de Jesus.

Daniel 7

A visão registrada no sétimo capítulo de Daniel é central para o livro, e compreendê-la é crucial para entender o significado de um número de passagens do Novo Testamento que, sem ela, pareceriam obscuras. Daniel recebeu essa visão no primeiro ano de Belsazar (v. 1); logo, ela ocorreu algum tempo depois dos acontecimentos do capítulo 4, mas antes dos acontecimentos do capítulo 5. Na visão, Daniel vê os ventos do céu agitando o mar (v. 2). Ele observa quatro grandes animais surgirem do mar, cada um diferente do outro (v. 3). O primeiro animal é como um leão com asas de águia (v. 4). Suas asas são arrancadas e ele é posto em dois pés como um homem. O segundo animal é como um urso (v. 5). Ele se levanta de um lado e tem três costelas em sua boca. O terceiro animal é como um leopardo (v. 6), mas tem quatro asas e quatro cabeças. O quarto animal é quase indescritível (v. 7). É terrível e forte. Ele devora com os seus dentes de ferro e esmaga o que sobra com os seus pés. Ele tem também dez chifres. Enquanto Daniel observa os chifres, ele vê um pequeno chifre surgir entre os dez (v. 8). O chifre pequeno tem os olhos de um homem e uma boca que fala com insolência.

No restante da visão, Daniel testemunha a cena do julgamento divino no próprio trono de Deus. Equanto ele observa, o Ancião de Dias toma seu assento no trono (v. 9). Com dezenas de milhares diante de Deus, os livros são abertos e o tribunal assenta-se em julgamento (v. 10). Enquanto o pequeno chifre está falando, o quarto animal é morto e seu corpo entregue para ser queimado (v. 11). O domínio dos animais restantes é tirado, mas suas vidas são poupadas por um tempo (v. 12). Daniel então vê “um como o Filho do homem” vindo com as nuvens do céu até o Ancião de Dias (v. 13). Este como um filho do homem é apresentado diante do Ancião de Dias e lhe é dado “domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem” (v. 14a). O seu domínio é “domínio eterno, que não passará, e o seu um reino jamais será destruído” (v. 14b). No restante do capítulo, um ser angelical interpreta a visão de Daniel dando especial atenção ao quarto animal (vv. 15-28).

Os paralelos entre a visão do capítulo 7 e o sonho do capítulo 2 são óbvios. Em ambos os casos, uma imagem simbólica é usada para revelar uma sucessão de quatro reinos terrenos, que são julgados e seguidos por um reino eterno estabelecido por Deus. Há muito debate sobre a identidade dos quatro reinos. A visão tradicional é representada por João Calvino, que identifica os quatro animais como os impérios Babilônico, Medo-Persa, Grego e Romano, respectivamente. De acordo com Calvino, então, o estabelecimento do Reino de Deus ocorreu no primeiro advento de Cristo.

A vinda de um como filho do homem ao Ancião de Dias (v. 13-14) é a seção culminante desta visão, e é de importância crucial. Muita confusão tem sido causada pela suposição de que esse texto é uma profecia da Segunda Vinda de Cristo. O contexto impede tal interpretação. A visão em si é uma visão da sala do trono celestial. Depois que Deus está sentado em seu trono, o tribunal se senta em juízo e os livros são abertos (v. 10). O quarto animal é então julgado e destruído, enquanto os demais recebem um alívio temporário (v. 11-12). Isso apronta o cenário para a visão de Daniel daquele como filho do homem.

No versículo 13, Daniel testemunha “um como o Filho do homem” vindo com as nuvens do céu até o Ancião de Dias (que está sentado na sala do trono celestial) para ser apresentado diante dele. A expressão aramaica bar ‘enash, traduzida literalmente como “filho do homem”, é um semitismo que significa simplesmente “ser humano”. O que Daniel vê, então, é um “como um ser humano”, em oposição a outro animal “como um urso” ou “como um leopardo.” Este como um filho do homem vem ao Ancião de dias e é apresentado diante dele (v. 13). A “vinda” que é vista nesta visão, então, não é uma vinda de Deus ou a vinda de um como filho do homem do céu para a terra. É uma vinda de um como filho do homem ao próprio Deus, que está assentado no céu em seu trono. A direção do movimento não é a partir do céu, mas para o céu. É por essa razão que esta visão não é uma profecia da Segunda Vinda de Jesus do céu para a terra. Pelo contrário, como Calvino há muito tempo explicou, é melhor entendida como uma profecia da ascensão de Cristo à destra de Deus depois da sua ressurreição (cf. At 1.9-11; 2.33; 5.31).

Aquele como o filho do homem é apresentado diante do Ancião de Dias com a finalidade de sua investidura. Quando ele é apresentado diante do Ancião de Dias, recebe um domínio e um reino em que todos devem servi-lo (v. 14a). Este reino dado àquele como o filho do homem será eterno (v. 14b). Como na visão de Daniel 2, vemos aqui uma representação de quatro reinos humanos seguido pelo estabelecimento do reino eterno de Deus. Ambos os textos parecem indicar que o reino de Deus será estabelecido no momento do quarto reino humano (Roma). Isto é, de fato, o que o Novo Testamento nos diz que aconteceu no primeiro advento de Cristo, quando lhe foi dada toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28.18).

Conclusão

Em nosso próximo post, vamos olhar para alguns dos textos mais importantes do Novo Testamento que nos revelam quem é o Messias, e o que ele fez por nós e pela nossa salvação.

 

Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
Revisão: Vinicius Musselman


Autor: Keith Mathison

Dr. Keith Mathison é editor associado da Tabletalk magazine, deão e professor de Teologia Reformada na Reformation Bible College em Sanford, Florida e autor do livro From Age to Age: The Unfolding of Biblical Eschatology.

Parceiro: Ministério Ligonier

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