Há cento e cinqüenta anos, John Dagg sugeriu que “quando a disciplina deixa uma igreja, Cristo sai da igreja com ela”. Naquela época, os Batistas, bem como a maioria dos evangélicos, praticavam uma disciplina eclesiástica abrangente. Ao longo dos cinqüenta anos seguintes, a maioria dos evangélicos abandonou essa prática. Hoje em dia, durante pelo menos três gerações consecutivas, as igrejas evangélicas do ocidente têm negligenciado a disciplina; apesar de, durante esse período, o Senhor tenha abençoado muitas dessas igrejas espiritual e materialmente. Então, será Dagg estava certo?
Achamos que Dagg deveria estar certo, mas…
Não há dúvidas de que pensamos que Dagg deveria estar certo. Negligenciar a disciplina na igreja é desobedecer a Jesus Cristo. Em Mateus 18:15-17, o Senhor ordena que as igrejas exerçam a disciplina, assim como em muitas outras passagens do Novo Testamento. No entanto, o fato de que Cristo ainda não abandonou nossas igrejas evangélicas é evidente, apesar de nossas igrejas terem abandonado a disciplina. Esse fato nos lembra que não existe uma simples correlação entre a desobediência de uma igreja, por um lado, e a ruína espiritual e o abandono por parte de Cristo, por outro. Nosso Senhor julga nossa desobediência no tempo e na medida de sua sabedoria.
Um fator que pode ter adiado o julgamento de Deus é que nossas igrejas têm sido fiéis em algumas áreas importantes do trabalho evangélico. Mas, na verdade, nossa ambição por propagar o evangelho tem sido um obstáculo na questão da obediência a Cristo no que diz respeito à disciplina. Muitos pastores e membros de igrejas temem que disciplinar os membros em desobediência resulta mais em prejuízos do que em benefícios para o avanço do evangelho. Isso levará “boas” famílias à vergonha e à ira, tornando-nos objeto de escárnio e aversão entre os incrédulos, que vêem a disciplina como algo incivilizado e contrário ao senso comum e à compaixão. Nossas igrejas negligenciam a disciplina por temer que essa prática prejudique a causa de Cristo.
Entretanto, mesmo que seja por motivações virtuosas, a desobediência continua sendo desobediência, e teremos de prestar contas por isso. O fato de o Senhor ter demonstrado misericórdia e paciência para com as igrejas desobedientes não é uma desculpa para sua desobediência. Estamos abusando da misericórdia do Senhor e deixando de temer o seu julgamento.
No entanto, negligenciar a disciplina eclesiástica põe em risco outros aspectos fundamentais da igreja. A perda da disciplina na igreja enfraquece os seus próprios alicerces.
Enfraquecendo os alicerces da igreja
As igrejas que falham em praticar a disciplina enfraquecem sua característica regeneradora. Ao omitir a disciplina, elas toleram um comportamento pecaminoso na membresia e tornam-se um lugar confortável para as pessoas não regeneradas.
As igrejas que falham na prática da disciplina também enfraquecem a santidade da Igreja, visto que enfraquecem os crentes em sua luta contra o pecado. Jesus providenciou a disciplina como um remédio de seu evangelho contra o pecado, sem o qual a nossa santificação será mais lenta. A aplicação da disciplina eclesiástica às doenças do pecado fortalecerá os cristãos em sua batalha contra Satanás, o mundo e a carne, ao longo de suas vidas.
As igrejas que falham em praticar a disciplina favorecem o enfraquecimento de sua espiritualidade, de seu zelo e de sua devoção ao Salvador. A disciplina ensina a igreja a obedecer ao Senhor nas áreas que são mais ofensivas, desagradáveis e contrárias aos pensamentos tolerantes da cultura. Ao exercitar a disciplina, comprometemo-nos a andar no caminho espiritual de Cristo, mesmo quando a razão, a compaixão e a civilidade parecem argumentar que não devemos obedecer. Dessa forma, os cristãos aprendem a confiar na sabedoria de Cristo em vez de confiarem na sabedoria do mundo. Aprendem a obedecer a Cristo, independentemente das conseqüências desconfortáveis.
Negligenciar a disciplina é um treinamento para não tomarmos a nossa cruz; não temermos a Deus; não sofrermos voluntariamente por amor a Cristo e não nos opormos ao mundo. E uma vez que as igrejas estejam bem treinadas pela negligência na prática da disciplina, perderão o seu compromisso com o próprio evangelho.
Quando uma igreja abandona a disciplina, abandona Cristo
É por essa razão que Dagg afirmou que quando a disciplina deixa uma igreja, Cristo sai da igreja com ela. No entanto, talvez seja mais apropriado dizer que quando uma igreja abandona a disciplina, abandona a Cristo. As igrejas não têm a intenção de abandonar a Cristo e não podem fazê-lo completamente. Mas, ao negligenciarem a disciplina, começam a criar uma barreira entre elas e Jesus.
Além disso, o princípio que as levou a abandonar a disciplina funciona como um fermento, agindo de forma abrangente para enfraquecer o compromisso da igreja com Cristo, bem como sua capacidade para tomar a sua cruz e segui-lo. Ela ficará cada vez mais conformada ao mundo. E o abandono da igreja, por parte de Cristo, será apenas uma questão de tempo.
No Novo Testamento, o Senhor julgou as igrejas que toleraram ofensas contra a lei de Deus. A igreja de Corinto observava a Ceia do Senhor de um modo pecaminoso, tolerando imoralidade, divisões, parcialidade e desrespeito entre membros. Por essa razão, Deus visitou alguns deles com doenças e outros, com a morte (1 Co 11:30). Tanto o texto em grego como o contexto sugerem que o fracasso deles não se devia tanto a uma falha em reconhecer a presença de Cristo ou em “discernir o corpo”, mas à uma falha na disciplina; em “julgar o corpo” (1 Co 11:29 ). De qualquer forma, há uma conexão direta entre o fato da igreja de Corinto tolerar o comportamento pecaminoso e o julgamento de Deus sobre ela.
Jesus repreendeu as igrejas que desobedeceram sua ordem de exercer, com fidelidade, a disciplina eclesiástica. Ele advertiu as igrejas de Pérgamo e Tiatira por negligenciarem a disciplina na igreja (Ap 2:14-15, 20). A igreja de Pérgamo tolerava aqueles que sustentavam a “doutrina de Balaão” e outros que apoiavam a “doutrina dos nicolaítas”. A igreja de Tiatira tolerava uma falsa profetisa. Jesus ordenou-lhes o arrependimento, que só poderia ser cumprido por meio da disciplina eclesiástica. Não sabemos até que ponto essas igrejas se arrependeram de sua falha na questão da disciplina. No entanto, sabemos que, no final, Jesus as julgou, abandonando-as.
Se nos recusarmos a nos arrepender…
Se nossas igrejas se recusam a se arrependerem por tolerarem o pecado não arrependido entre os membros, podemos esperar julgamento. Portanto, não abusemos da misericórdia do Senhor. Consideremos bem o que a repreensão do Senhor, feita à igreja de Sardes, em Apocalipse 3:1-3 tem a dizer às nossas igrejas:
Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto. Sê vigilante e consolida o resto que estava para morrer, porque não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus. Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, guarda-o e arrepende-te. Porquanto, se não vigiares, virei como ladrão, e não conhecerás de modo algum em que hora virei contra ti.
Naquela hora, descobriremos que Dagg estava certo.