Não foi fácil para nossos pais nos deixarem partir. Eles sabiam desde o início que eram administradores, não proprietários, dos filhos que Deus lhes dera. Não éramos propriedade deles. Nós lhes havíamos sido emprestados por um tempo, uma custódia sagrada da qual eram administradores designados por Deus. Chegou o tempo em que a custódia tinha de ser liberada. Soltar suas rédeas espirituais deve ter sido a coisa mais difícil para pais como os meus, cuja principal preocupação sempre havia sido fixar nosso coração nas coisas do alto. E se a nossa visão começasse a apegar-se às coisas da terra? Provavelmente eles não poderiam monitorar a nossa maneira de pensar, mas seria forte a tentação de acharem que deveriam fazer algo mais do que orar.
Antes de chegarmos aos doze anos de idade, eles estavam relativamente seguros de que cada um de nós havia feito um compromisso com Cristo. Tinham feito sua parte nisso, mas sabiam que nenhum pai ou nenhuma mãe pode converter um filho. A conversão é obra de Deus. É um novo nascimento, que depende não de descendência natural, “nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.13). Não creio que nossos pais poderiam ter deixado isso mais claro para nós do que o fizeram.
No entanto, chega o tempo em que a decisão de infância tem de ser examinada. Mamãe e papai recuaram, sabendo que seu papel então era orar, mais do que fazer qualquer outra coisa; orar para que Deus cumprisse em seus filhos a aliança que fizera com a casa de Israel — “Na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8.10 — ênfase minha).
George MacDonald escreveu:
Toda geração tem de fazer seu próprio buscar e seu próprio achar. O erro dos pais é frequentemente esperarem que o achar deles fique em lugar do buscar de seus filhos. Esperam que os filhos recebam aquilo que satisfez à necessidade de seus pais com base no testemunho deles. Considerando que seja manifesto corretamente, o testemunho deles não é a base para a crença dos filhos, somente para a busca dos filhos. Essa busca é a fé em germinação.
Essas observações de MacDonald estão no contexto da história narrada em João 4, sobre o oficial de Cafarnaum que se dirige a Jesus em Caná e lhe suplica que vá e cure seu filho que está ao ponto de morte. Jesus lhe diz que seu filho viverá. O oficial crê na palavra de Jesus, volta para casa e descobre que a febre deixara seu filho na mesma hora em que Jesus falara. Para o pai, foi um milagre inquestionável. Os servos e o filho, por outro lado, talvez o tenham ignorado como uma coincidência, porque não tinham, eles mesmos, visto o Senhor e não o tinham ouvido falar. Não tinham nenhuma base, senão o testemunho do pai.
Tendo como base o testemunho de nossos pais, nós, os Howard, seguimos muitas direções diferentes em nossas buscas individuais. Mas, quando nos reunimos em 1990, estando o mais novo de nós com 50 anos de idade, gastamos horas conversando, com grande afeição e gratidão, sobre o lar, os pais e tudo que eles nos deram. E alguns de nós percebemos que estamos retornando cada vez mais àquele legado maravilhoso. Recentemente, Tom jantou com dois amigos que vinham de lares semelhantes ao nosso. Todos os três homens concordaram que, embora discordassem, em medida variada, das maneiras em que haviam sido educados, acharam que estavam se tornando cada vez mais como seus pais, dia após dia. Isso foi uma surpresa e uma revelação para eles enquanto conversavam. Talvez tenha sido um cumprimento quase literal do antigo provérbio sobre ensinar um filho no caminho em que ele deve andar e, “ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6).
Foi somente depois da morte de meus pais que soube que minha decisão, depois da graduação na faculdade, de me identificar com um grupo comumente (embora não “oficialmente”) chamado Irmãos de Plymouth foi um choque e tristeza severos para ambos. Não que tenham achado que eu abandonara a fé. Eles respeitavam os Irmãos, mas tinham certas apreensões. Não podiam ter deixado de sentir (no lugar deles, eu sentiria isso) que considerei a educação e o exemplo deles como não muito satisfatórios. Sinto dizer, mas isso foi exatamente o que pensei. Eles me questionaram cordialmente, é claro, mas nunca me deixaram saber como se sentiam, nem me admoestaram como certamente teriam feito se cressem que eu estava tomando um caminho que seria espiritualmente desastroso.
O primeiro grande “deixar partir” aconteceu em 1941. Tanto Phil quanto Dave haviam estudado na Stone Brook School antes (por um ano cada, eu acho), mas isso foi em Long Island (Nova Iorque), não muito longe de casa. Em 1941, Phil foi para o Praire Bible Institute em Alberta, no Canadá; e eu fui para a Hampden DuBose Academy, em Orlando, na Flórida. A viagem foi de trem (viagens áreas eram apenas para ricos) naqueles dias. Alberta e Flórida poderiam também ter sido o Polo Norte e o Pacífico Sul.
Sabíamos que tínhamos de ficar distantes por nove meses. Não haveria viagens para casa no Natal e nas férias de Páscoa. E, em relação às ligações telefônicas, nunca sonhávamos em fazer chamadas de longa distância. Isso também era para os ricos, exceto nas emergências mais horríveis.
Phil tinha dezessete anos; eu tinha catorze. Papai e mamãe tinham confiança nos padrões espirituais de ambas as instituições. L. E. Maxwell, fundador e diretor do Praire Bible Institute, era um professor bíblico firme e amigo de nossa família. Os Dubose haviam convidado o nosso tio Charley para falar na HDA; por isso, sabíamos que eles “não podiam ser assim tão inferiores”. Ele nos trouxe uma cópia do anuário deles, cheio de fotos atraentes da linda Flórida — palmeiras, praias de areia branca, lagos tranquilos, moças em vestes formais, rapazes em ternos brancos, classes pequenas sentadas na grama com professores jovens e bonitos. Eu fiquei embebida nessas fotos por horas, vendo-me em uma longa beca em meio às azaleias. Anelei por ir. Falamos sobre isso durante semanas. Um internato? Por quê? Bem, era uma escola cristã. Não havia nenhuma escola cristã diurna de que tivéssemos conhecimento. Eu não tinha amigos cristãos em minha classe na escola pública. Sentia-me muito fora de ambiente. Meus pais esperavam que o treinamento na HDA confirmasse e fortalecesse a educação que eles tentaram me dar (e o fez realmente). Essas pareciam boas razões, mas, em termos de finanças, estava fora de questão. No entanto, a morte do tio Charley não muito depois de colocar papai na posição de editor do Sunday School Times, aumentou seu salário e o capacitou a pagar os trezentos dólares que cobriam quarto, comida e ensino.
A autobiografia de mamãe diz:
Com a partida de Betty e Phil para duas escolas de bases religiosas semelhantes, mas de extremo contraste em aparência exterior e ideias sociais, começou um tempo descrito mais tarde pelo membro mais novo da família como de “fazer subir e descer malas pelas escadas!”. FAZER SUBIR as malas quando os itinerantes retornavam para as férias de verão. BATER e ARRANHAR malas quando desciam as escadas para a partida! Aqueles eram dias em que enxugávamos as lágrimas secretamente quando o West Coast Champion partia em direção ao sul ou o Trail Blazer, em direção ao oeste, ou o ônibus da Greyhound rugia levando uma ou outra de nossas queridas crianças.
Deixar partir não significa abandonar. Mamãe escrevia fielmente para Phil e para mim, uma carta todo domingo e um cartão postal toda quarta-feira. Na academia, a correspondência era colocada nas caixas de correios marcadas em ordem alfabética. Eu pegava as correspondências da letra “H” e as vasculhava avidamente. A visão da letra redonda e suave de mamãe, escrita à mão, me deixava feliz. Sinto muito agora pelo fato de que nunca pensei em guardar aqueles cartões e cartas, nem mesmo uma. Eram sempre cheias de realizações e expressões de amor da família e incluíam usualmente alguma palavra de encorajamento da Escritura, ou um hino, ou um poema que poderiam ajudar-me na situação do momento. Um desses poemas sobreviveu porque eu o memorizei e o copiei em minha Bíblia (não sei a fonte, mas acho que pode ser Martha Snell Nicholson):
De Uma Mãe para o Salvador
Como Tu andaste pelas veredas da Galileia,
Assim, amado Salvador, anda com ela por mim,
Pois, como passaram-se anos e adulta ela está,
Não posso seguir; sozinha ela tem de andar.
Sê, Tu, meus pés, que tenho usado para ficar,
Pois Tu podes acompanhá-la em todo caminho;
Sê, Tu, minha voz quando coisas pecaminosas seduzem,
Instando-a a escolher aquelas coisas que permanecem.
Sê, Tu, minhas mãos, que as dela costumavam segurar,
E todas as coisas mais que mães têm de renunciar.
Quando ela era pequena, eu podia seguir e guiar,
Mas, agora, eu rogo que Tu estejas ao seu lado,
E, como a Tua mãe bendita Te envolveu,
Amado Salvador, envolve a minha moça por mim.
Papai também escrevia para mim de vez em quando. Ele citava para mim um de meus versículos bíblicos favoritos, Isaías 41.10: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel”.
Quando Peter Marshall estava prestes a sair para seu primeiro emprego distante do lar, sua mãe caminhou com ele até ao pequeno portão de ferro.
“Não esqueça seu versículo, meu garoto”, ela disse. “‘Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas’. Há muito tempo que coloquei você nas mãos do Senhor. E não descartarei você, não. Ele cuidará de você. Não se preocupe.”
Também assim meus queridos pais colocaram cada um de nós nessas mesmas mãos e jamais nos descartaram.
O texto abaixo foi retirado do livro Como meus pais nutriram a minha fé, de Elisabeth Elliot, Editora Fiel.
Por: Elisabeth Elliot. ©️Ministério Fiel. Website: ministeriofiel.com.br. Traduzido com permissão. Fonte: Como meus pais nutriram a minha fé. Editor e revisor: Renata Gandolfo.