Como já vimos, a palavra hipocrisia deriva-se do vocábulo grego que expressa a idéia de “desempenhar um papel”. A palavra comum que descrevia um ator no palco era a palavra hipócrita. Nas tragédias de Sófocles ou nas comédias de Aristófanes, os atores – os hipócritas – desempenhavam seus diferentes papeis usando máscaras. A transgressão moral da hipocrisia também envolve desempenhar um papel e vestir uma máscara. Mas existe ocasiões em que Deus nos chama a cumprir um papel.
A cultura contemporânea tolera quase todo tipo de comportamento, exceto a hipocrisia. Nossa sociedade não tem problemas com alguém que é homossexual ou usa a pornografia. Mas se um ativista contra a legalização do casamento gay é descoberto na homossexualidade, ou se um pastor que prega contra a pornografia é achado com pornografia em seu computador, toda zombaria, indignação e desaprovação social cai sobre ele. Não por causa do seus erros, mas porque ele se opunha aos erros que ele mesmo tem; por vestir uma máscara de virtude quando ele mesmo não é virtuoso; por ser um hipócrita.
Os cristãos precisam esperar esse tratamento. A hipocrisia é certamente errada. Mas a incoerência entre o crer e o comportamento não é, sempre, hipocrisia. Ninguém odeia mais o pecado do que aquele que está lutando sinceramente contra o pecado em sua própria vida.
Muitos fariseus na época do Novo Testamento e dos legalistas de nossos dias consideram-se tão boas pessoas que julgam não necessitarem do perdão de Deus. Mas eles precisam realmente. Cristãos que são honestos consigo mesmos e com Deus – que, não levando em conta os seus pecados – podem ser chamados a “desempenhar um papel”.
Deus redime pessoas por meio de Cristo e, depois, chama-as a viver sua fé em suas profissões. Ele chama os cristãos a amar e servir o seu próximo em suas múltiplas vocações, que são as arenas de santificação e crescimento espiritual.
Na vocação, Deus coloca-nos em certos “ofícios”, em alguns dos quais compartilhamos de sua autoridade. Algumas desses ofícios exigem que “desempenhemos um papel”, incluindo vestir uma máscara. Isso é expresso no costume antigo de que certas vocação são caracterizada com roupa especial. Como um cidadão normal, um juiz não tem mais direito do que qualquer outra pessoa de mandar alguém para a cadeia. Mas, quando ele veste a sua “toga de ofício”, está agindo em sua capacidade oficial como um agente da lei e, de acordo com Romanos 13, ele tem realmente autoridade para punir criminosos em favor do estado como um todo.
Em muitas igrejas, o pastor veste alguma tipo de toga, significando que, quando ele está no púlpito, nós, que estamos nos bancos, não devemos considerá-lo nosso bom amigo e companheiro de pescaria, embora ele posa ser isso. Quando ele está agindo em seu ofício, está ensinando não a sua palavra, mas a de Deus, que ele estudou e está autorizado a pregar.
Houve um estudo de pacientes que foram atendidos por um médico que usava jeans e camiseta de mangas curtas, em vez de seu tradicional jaleco branco. Os pacientes rejeitaram de modo geral! Nenhum deles queria um médico que parecia um homem comum da rua para lhes ministrar avaliação clínica. O jaleco branco é um símbolo de vocação, o qual o médico está autorizado a usar por virtude de sua vocação, seu treinamento, seu ofício.
Essa é a razão por que os policiais vestem uniformes. É também a razão por que há padrões diferentes na Convenção de Genebra quantos aos soldados que usam uniformes em seus países – e isso se relaciona à cadeia legítima de comendo que retrocede a autoridade dos magistrados, descrita em Romanos 13. O mesmo se aplica aos combatentes como os terroristas que lutam com base em sua própria autoridade e não usam qualquer uniforme.
Às vezes, os deveres de nossa vocação – e nem todas as vocações demandam uniformes – exigem que desempenhemos uma função, ainda que isso vá contra a nossa natureza. Um pai tem de disciplinar seu filho. Talvez ele não queira. Pode até sentir-se em conflito porque ele cometia o mesmo erro que está corrigindo, quando era criança. Um pai que fumava maconha em sua adolescência não está sendo hipócrita quando pune seu filho adolescente por usar drogas. Está cumprindo a sua função como pai.
Contra as suas inclinações, mas cumprindo os deveres de suas funções, às vezes os professores têm de dar notas baixa; os patrões, despedir empregados incompetentes; os pastores, exercer disciplina até contra uma bom amigo. Um jovem recém-formado na academia militar tem de assumir autoridade sobre uma companhia de combatentes veteranos que são mais velhos do que ele. Ele pode ficar nervoso e sentir-se fora de lugar, mas ele veste a máscara de comando e ordena as seus subalternos que prestem atenção. Os cônjuges podem não sentir-se sempre maridos ou esposas amáveis, mas, ao “desempenhar o seu papel”, eles cumprem sua vocação e a vontade de Deus para seu casamento.
Se a vocação exige que vistamos máscaras, devemos lembrar que Lutero ensinava que aqueles que amam e servem a seu próximo, em sua profissão, são eles mesmos “máscaras de Deus”. Avultando-se por trás do fazendeiro, do médico, do soldado, do pastor e dos pais, está o próprio Deus, provendo diariamente pão cotidiano, curando, protegendo, ministrando e dando vida.
Os papéis que desempenhamos podem ser, de fato, hipócritas. Mas, quando Deus nos pede que o desempenhemos, ele o está fazendo por meio de nós.