Você já percebeu o que acontece em sua igreja ao final dos cultos? Quando dezenas ou centenas de pessoas se levantam dos bancos no salão e começam a se movimentar em direção à saída? É como a movimentação de um formigueiro: as pessoas seguem em direção à porta, mas, pelo caminho, vão se encontrando, se cumprimentando, trocando livros — às vezes, alguma guloseima — e, nesse fluxo, o que mais se nota é que elas conversam. Mas… sobre o que falam?
Falam sobre o que acabaram de aprender no culto; falam sobre como a semana anterior foi cheia de demandas; falam de doenças, de relacionamentos, do trabalho, das férias, das coisas da vida. E, enquanto falam, trocam ideias, compartilham conceitos e valores. Falam e escutam. Pensam. Meditam. Concordam — ou não. E, assim, semana após semana, essas conversas se repetem.
Você já parou para pensar que, em todas essas conversas, há algum tipo de conselho sendo dado? Uma pessoa fala, a outra escuta e responde. A grande questão é: com o que os cristãos estão se aconselhando ao final do culto? O que estão ensinando uns aos outros?
O conselho — ou ensino — pode vir de uma tradição familiar, de um ditado popular, de uma crença antiga aprendida com algum professor. Nós aconselhamos com aquilo que aprendemos e acreditamos ser verdade. Mas os cristãos deveriam ter uma cosmovisão bíblica tão profundamente enraizada no coração que todo e qualquer conselho ou ensino oferecido fosse fruto da Palavra de Deus.
O conselho que oferecemos é uma forma de ensino. Discipular e aconselhar fazem parte daquilo que podemos chamar de ministério particular da Palavra — aquilo que a Bíblia descreve como a prática do “uns aos outros”. Você já notou quantas vezes esse princípio aparece no Novo Testamento? Muitas vezes! Esse conceito é conhecido como mutualidade.
Os crentes em Cristo Jesus ministram uns aos outros, ensinam uns aos outros, aconselham uns aos outros. Mas qual é o conteúdo desse ensino, desse conselho? Os crentes em Cristo Jesus devem oferecer conselhos que fluem da Palavra de Deus — e não de idealismos seculares, opiniões pessoais ou impressões emocionais. O que estamos dizendo a você é que, o tempo todo, estamos instruindo uns aos outros. Esse é o discipulado informal, que acontece naturalmente, quando pessoas estão juntas, conversando e trocando ideias.
Em resumo, o discipulado cristão é baseado na Palavra de Deus. Oferecemos Cristo em nosso discipulado: a sabedoria de Cristo, o ensino de Cristo, a vida de Cristo, a pessoa de Cristo. O discipulado cristão oferece Cristo como modelo — aquele a quem devemos ser moldadas. Devemos imitar Cristo em seu caráter, em seus afetos, em suas ações. Cristo é o nosso padrão de vida. Discípulas de Cristo desejam ser reconhecidas como pessoas parecidas com o Mestre.
Desenvolvendo uma cultura de discipulado saudável na igreja
É preciso reforçar, no entanto, o que é discipulado e o que estamos definindo como cultura do discipulado: “Discipulado é chamar as pessoas à fé e à esperança em Jesus Cristo em meio a esta presente era perversa”.[i]
Quanto mais pessoas discipuladoras na igreja, mais oportunidades serão oferecidas aos membros para conhecerem melhor Cristo e viverem uma vida cristã genuína.
Novamente citando Marshall e Payne,[ii] podemos entender melhor o conceito de cultura, que é “a maneira como fazemos as coisas por aqui”, ou seja, é o sistema de crenças das suas práticas, tradições, preferências e até mesmo a linguagem entre os membros. A cultura é algo que se desenvolve ao longo do tempo, e que molda a forma que as pessoas vivem, pensam e se expressam. A cultura, portanto, é como as pessoas vivem, é o que a igreja é e como funciona. Nas palavras de Marshall e Payne, “não conseguimos mudar a cultura trabalhando na cultura, porque a cultura é uma descrição do que a igreja se torna”.
Na prática, a mudança cultural necessária para que a igreja se torne uma igreja discipuladora pode ocorrer de muitas formas diferentes. No entanto, algo que eu (Renata) tenho experimentado pessoalmente é começar do menor para o maior. Se tenho a visão de uma igreja discipuladora, esse movimento tem de começar em mim, depois alcançar outra pessoa, ou um pequeno grupo, e então se expandir. À medida que outras mulheres se envolvem e percebem os benefícios do discipulado, novas visionárias são formadas, e, a partir de um grupo pequeno de mulheres, outros grupos são alcançados, até que essa cultura seja absorvida conquistando discípulo por discípulo.
Jesus também tinha um pequeno círculo de discípulos mais chegados a ele e um grupo mais amplo de seguidores, não tão próximos, que andavam com ele e aprendiam o que ele ensinava. Assim eu enxergo o discipulado: um movimento ressonante, como os círculos que se formam quando uma pedrinha é lançada em um lago.
Você precisa ter convicção pessoal do que é o discipulado. Você precisa, antes de tudo, ser uma discípula de Cristo — ter uma vida de adoração (culto público), de comunhão e de obediência a Cristo. A cultura do discipulado precisa ser conhecida por meio da Palavra de Deus, observando como os primeiros discípulos seguiam Jesus de perto. Eles não apenas ouviam seus sermões, mas viam como Jesus vivia, como reagia às demandas da vida.
Jesus, o Mestre, tinha uma pedagogia única. Ele deixou um modelo de discipulado para ser copiado e reproduzido pela igreja, de forma que ela fosse conformada ao que ele ensinou.
É importante saber o que o discipulado proporciona na vida das pessoas — e penso que isso ficou profundamente enraizado em minha própria cultura, pois eu mesma sou fruto de um discipulado robusto e intencional, no início de minha nova vida em Cristo. O discipulado promoveu mudanças em minha forma de pensar — e, consequentemente, no meu comportamento. Ele me ensinou a viver uma nova vida. Ao nos tornarmos discípulas de Jesus, ganhamos uma família espiritual, participamos do Corpo de Cristo e entramos em um Reino desconhecido. Se alguém pode nos ajudar a conhecer esse Reino, nosso progresso na vida cristã será muito mais rápido e mais leve.
A mudança cultural deve começar em você, com convicção pessoal, expressa na prática do discipulado. Depois, essa convicção contagia os que estão próximos, formando um pequeno grupo que compartilha e vive essas mesmas verdades.
Assim, a prática do discipulado se inicia em um círculo pequeno de pessoas e vai se expandindo conforme seus frutos são reconhecidos. As convicções transformam a nossa visão. A visão transforma a prática. A prática transforma a cultura. E, quando isso acontece, uma nova memória de como as coisas são feitas é formada — e a cultura do discipulado se consolida.
No contexto do ministério feminino, portanto, a mudança de cultura de discipulado pode ser implantada por meio de pequenos grupos de estudo da Palavra de Deus, em que cada participante tem a oportunidade de aprender as doutrinas cristãs, envolver-se no crescimento espiritual de outras mulheres e aprofundar-se no conhecimento de Deus.
Uma mulher que foi discipulada é uma potencial discipuladora — seja em grupo, seja em encontros individuais. Isso porque discipular é o ministério particular da Palavra de Deus, e todo crente em Cristo, todo discípulo, é chamado a praticá-lo. Trata-se de um processo. E cada contexto terá um ritmo diferente para que essa cultura seja plenamente transformada. É preciso discernir o que deve ser reforçado na cultura atual e o que precisa ser eliminado.
A transformação acontece por meio de pequenas mudanças, aplicadas com intencionalidade. O mais importante é iniciar o processo e manter a constância.
E, assim, o que acontece quando a igreja adota a mentalidade de discipular? Maravilhas acontecem! O Corpo de Cristo é edificado à medida que cada crente cresce à imagem e à semelhança de Jesus. A verdade nos habilita para toda boa obra (2Tm 3.17). E, quando é proclamada em amor, cada membro cresce em santidade. As pessoas se tornam completas em Cristo (Cl 1.28), e o nome de Deus é glorificado.
Mas nada disso é possível sem esforço. E falaremos mais sobre o custo do discipulado na segunda parte deste livro. Para que isso aconteça, as pessoas têm de investir tempo, abrir suas casas e, acima de tudo, investir intencionalmente em sua própria santificação, para, então, ajudar outras pessoas a crescerem à imagem de Cristo.
É um trabalho intenso de dedicação: investir sua vida na vida de outra pessoa, ensinando, corrigindo, exortando, confortando. Porém, o mais alto custo — e talvez o mais difícil de assumir — é morrer para si mesmo e oferecer-se como sacrifício vivo. A igreja é a arena na qual Deus nos afina e santifica. Cada relacionamento se torna uma oportunidade de cuidarmos uns dos outros.
E, claro, a cultura do discipulado é um movimento que deve ser ministrado do púlpito. Embora todo cristão seja chamado a cuidar dos outros, os pastores são chamados a capacitar os santos para os ministérios da igreja (Ef 4.12). Pastores e líderes devem investir no crescimento espiritual do rebanho que lhes foi confiado por Deus. Essa é a base da cultura do discipulado na igreja.
Deus ordenou que a igreja, sendo coluna e fundamento da verdade (1Tm 3.15), tivesse pastores e líderes para zelar por seu povo. Esses líderes é que devem equipar o rebanho de Cristo (Ef 4.12) por meio do ministério da Palavra, para que os crentes cuidem uns dos outros.
Assim, quando a igreja proclama Cristo — de forma pública (no púlpito) ou particular (um a um) —, ela se torna uma igreja que, intencionalmente, cria caminhos para que uma cultura saudável de discipulado seja semeada e cresça em virtude e graça.

O artigo acima foi extraído do livro Discipulado na prática – mulheres cuidando de mulheres na igreja local, de Renata Gandolfo e Luciana Sborowski, Editora Fiel.
[i] 1 Colin Marshall e Tony Payne. Projeto Videira: cultivando uma cultura de discipulado
(São José dos Campos: Fiel, 2019).
[ii] 2 Ibidem.