O relato das pragas no livro de Êxodo começa um tema que aparece repetidamente ao longo das Escrituras. Por exemplo, o modelo das pragas é obviamente visível na narrativa da arca de 1 Samuel 4–7.30. Nesse relato, os filisteus derrotam Israel e capturam a arca da aliança. A arca, portanto, jaz em sujeição em uma terra estrangeira. Uma das consequências desse evento é que Deus traz uma praga sobre os filisteus, da mesma forma que infligiu as pragas sobre o Egito, a fim de assegurar que a arca seja liberta da opressão (veja 1Sm 6.4, onde aparece a palavra “praga”). Existe uma correspondência definida entre os dois relatos.
As afinidades entre os dois eventos ficam evidentes tanto no nível linguístico quanto temático. No que tange à linguística, grande parte do vocabulário de destaque usado nas duas histórias é o mesmo. Isso é particularmente marcante em 1 Samuel 5.6–6.4. Por exemplo, quando Deus lança a praga de tumores sobre os filisteus, o texto usa a palavra “feriu/atingiu” (נכה em 1Sm 5.6, 9, 12), um verbo usado com frequência no relato do êxodo (e.g., Êx 9.15). O termo usado para “praga” em 1 Samuel 6.4, embora não seja uma palavra muito comum no dicionário hebraico, aparece em Êxodo 9.14 como um termo que resume todas as pragas lançadas sobre o Egito. A palavra hebraica para “terror” também não é um termo normalmente usado no Antigo Testamento, mas aparece duas vezes no episódio da arca (1 Sm 5.9, 11) e em Êxodo 14.24, quando Deus lançou o exército do Egito em grande confusão. Em 1 Samuel 5.7, os homens de Asdode declararam que a mão do Senhor era “dura” (קשה) sobre eles. Essa também é uma palavra importante nas narrativas do êxodo (Êx 6.9; 13.15), sendo usada como um dos termos-padrão para designar o endurecimento do coração de Faraó (e.g., Êx 7.3).
Uma expressão curiosa aparece duas vezes em 1 Samuel 5.10-11, onde os ecromitas respondem à praga que veio sobre eles. O texto hebraico é traduzido literalmente como: “para matar a mim e ao meu povo”. O que torna a afirmação estranha é o uso dos pronomes singulares “mim” e “meu” quando, na verdade, eram os ecromitas (plural) que estavam falando. Alguns argumentam que talvez um representante esteja falando em nome dos ecromitas ou que talvez o singular carregue um sentido coletivo. Deve-se observar, entretanto, que as expressões “eu e meu povo” ou “Faraó e seu povo” aparecem mais de 20 vezes na história do êxodo. Êxodo 8.8, por exemplo, cita Faraó: “Rogai ao Senhor que tire as rãs de mim e do meu povo; depois, deixarei ir o povo, para que sacrifiquem ao Senhor.” Consequentemente, o texto de 1 Samuel 5.10-11 parece se referir ao relato do êxodo e demonstra que o modelo das pragas fundamenta o episódio da arca.
O escritor de 1 Samuel reconhece esse padrão e cita os filisteus para estabelecê-lo. Os sacerdotes e adivinhos dizem ao povo: “Por que, pois, endureceríeis o coração, como os egípcios e Faraó endureceram o coração? Porventura, depois de os haverem tratado tão mal, não os deixaram ir, e eles não se foram?” (6.6). Mesmo no meio das pragas, os filisteus reconhecem o eco quando lamentam: “Ai de nós! Quem nos livrará das mãos destes grandiosos deuses? São os deuses que feriram aos egípcios com toda sorte de pragas no deserto” (4.8). Embora os filisteus se confundam com o monoteísmo hebraico, eles veem corretamente o paradigma das pragas egípcias representado na situação deles.
O tema do relato das pragas de Êxodo alcança um crescente no livro de Apocalipse, onde as pragas atingirão os seguidores de Satanás no final dos tempos (cf. Ap 16). Em outras palavras, a narrativa das pragas serve como um paradigma do juízo que sobrevirá sobre todos os não crentes um dia. Por exemplo, Apocalipse repete a primeira praga do Egito na segunda e terceira taças da cólera, que são descritas como segue: “Derramou o segundo a sua taça no mar, e este se tornou em sangue como de morto, e morreu todo ser vivente que havia no mar. Derramou o terceiro a sua taça nos rios e nas fontes das águas, e se tornaram em sangue” (Ap 16.3-4). As similaridades entre essas descrições e as narrativas de Êxodo são óbvias. O apóstolo João cita outras pragas também, tais como a sétima praga do granizo: “também desabou do céu sobre os homens grande saraivada, com pedras que pesavam cerca de um talento; e, por causa do flagelo da chuva de pedras, os homens blasfemaram de Deus, porquanto o seu flagelo era sobremodo grande”(Ap 16.21). O tamanho das pedras de granizo em Apocalipse sublinha a intensidade e a gravidade da praga no fim dos tempos; ela é muito maior do que a praga no Egito. Na realidade, o desastre que recai sobre os egípcios é apenas um aperitivo do juízo final no fim dos tempos. Em outras palavras, as pragas de Êxodo ecoam até o livro de Apocalipse e prefiguram o que virá sobre os inimigos de Deus nos dias finais.