Em Efésios 4, Paulo descreveu a famosa lista dos dons que o Cristo exaltado concedeu à igreja – apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres.
E, de modo semelhante, ele disse que o objetivo destes ministérios fundamentais da Palavra é “o aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço” ou “preparar os santos para a obra do ministério” (NVI). As traduções mais antigas colocam uma vírgula entre “preparar os santos” e “para a obra do ministério”, fazendo o versículo significar que o trabalho dos ministros da Palavra era preparar os santos e a obra do ministério. O ministério deles incluía preparar os santos – e não que deveriam preparar os santos para o ministério que os próprios santos exerceriam.
Há boas razões para pensarmos que as traduções mais antigas estão realmente mais próximas do original. Contudo, quando examinamos os versículos seguintes, percebemos que isso faz grande diferença à nossa investigação. Paulo prosseguiu e disse que o alvo de todo este ministério (não importando quem o esteja realizando) é a edificação do corpo de Cristo para a maturidade unificada e doutrinariamente saudável. Não devemos ser levados de um lado para outro por qualquer vento de doutrina; pelo contrário, “seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.15-16).
A figura retratada aqui é a de todas as diferentes partes do corpo realizando sua função própria, cada parte trabalhando com as outras para o crescimento do corpo. Mas o que é comum nesta função multiforme das diferentes partes do corpo é seguir “a verdade em amor”. Podemos, cada um, fazer isso de maneiras diferente, em contextos diferentes e com níveis diferentes de eficiência, mas a metodologia básica de crescimento do corpo é que todos os membros sigam “a verdade em amor”.
Vemos uma figura semelhante quando lemos o capítulo 5 de Efésios. Quando Paulo exortou os crentes efésios a serem cheios do Espírito e não de vinho, o resultado seria que eles falariam uns aos outros em “salmos, hinos e cânticos espirituais”, em contraste com o tipo de discurso e canto que tende a resultar do excesso de vinho. A obra de habitação do Espírito levaria os cristãos efésios a falar de modo espiritual uns com os outros – neste caso, por meio de cantar.
No entanto, não é somente por meio de cantar. Pouco adiante, em Efésios 6.4, os pais foram exortados a criar seus filhos na instrução do Senhor. Ensinar dentro da família é um ministério da Palavra vital exercido por todos os pais (e mães). As exigências para um homem ser um presbítero (em 1 Timóteo 3 e Tito 1) pressupõem que chefes de famílias piedosos estariam ensinando a suas famílias a Palavra de Deus.
Um ensino análogo aparece em Colossenses 3: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (3.16). Desta vez é a Palavra de Deus que habita no meio deles, e não o Espírito, mas o resultado é o mesmo – e não deve surpreender-nos. O que resulta é um falar piedoso e encorajador de uns para com os outros – neste caso, ensinando e admoestando. Se o cantar é um modo como o ensino e a admoestação acontecem ou outro resultado de ter a Palavra habitando ricamente, isso é gramaticalmente difícil de se afirmar. E faz pouca diferença. O fato é que todos os cristãos colossenses deveriam ensinar e admoestar uns aos outros.
Romanos 15.14 também pressupõe que os cristãos ensinarão e instruirão uns aos outros: “E certo estou, meus irmãos, sim, eu mesmo, a vosso respeito, de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros”.
O escritor da carta aos Hebreus expressou duas vezes esta mesma ideia. Primeiramente, no capítulo 3, ele disse:
Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado (vv. 12-13).
Isto só pode significar que Deus quer que todos os cristãos falem uns com os outros regularmente, exortando e encorajando uns aos outros a permanecerem firmes em Cristo. E, no capítulo 10, ele expressou um argumento semelhante, em um dos poucos versículos do Novo Testamento que dizem que os cristãos devem “ir à igreja”.
Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima (vv. 24-25).
Um propósito central de congregar-nos, diz o escritor, é o encorajamento mútuo: estimularmos uns aos outros ao amor e às boas obras, enquanto esperamos o Dia de Cristo. É difícil entendermos como isto pode ser feito sem abrirmos a boca e falarmos uns com os outros.
Mas de todas as partes do Novo Testamento que lidam com o assunto do ministério dos poucos e dos muitos, a mais clara e mais instrutiva é a primeira carta de Paulo aos coríntios, arrogantes, talentosos, divididos e inclinados ao pecado.
Ora, os coríntios tinham problemas reais, tanto a respeito da natureza de liderança quanto a respeito de como cada membro deveria contribuir para a edificação da igreja. Em ambos os casos, eles pareciam pensar elevadamente – muito elevadamente de diferentes líderes, de modo que surgiram facções na igreja, dependendo de que líder alguém seguisse; e muito elevadamente de si mesmos e de seus dons, de modo que suas reuniões se tornaram um exercício caótico de competição, em que cada pessoa se focalizava mais em usar seus dons e não em encorajar realmente os outros.
Paulo aborda a questão de liderança em 1 Coríntios 1 a 4. Sua mensagem básica é que o evangelho de Cristo crucificado estabelece o modelo para a liderança cristã no ministério. É um ministério exercido em aparente fraqueza e insensatez, mas que, pelo poder do Espírito de Deus, traz salvação. Paulo e Apolo eram apenas trabalhadores braçais na lavoura de Deus. É Deus quem dá o crescimento, e, por isso, qualquer divisão baseada nas qualidades de líderes diferentes é absurda.
Nos capítulos 11 a 14, Paulo aborda a conduta das reuniões congregacionais dos coríntios e a contribuição que cada membro deveria fazer. Existe, é claro, uma longa história de debates quanto aos muitos detalhes destes capítulos (a natureza dos dons miraculosos e do falar em línguas, sem mencionar as instruções referentes a cobrir a cabeça, no capítulo 11, e o lugar da mulher no ministério). Todavia, em relação à nossa investigação sobre o “ministério dos muitos”, os pontos importantes são claros e poderiam ser resumidos assim:
• O capítulo 11 pressupõe que tanto homens quanto mulheres orarão e profetizarão em suas reuniões.
• O capítulo 12 enfatiza que, embora haja uma variedade de dons e de ministérios, todos nós somos membros de um único corpo em Cristo Jesus.
• O capítulo 13 dá o critério singular para o exercício destes dons: o amor. Cada um de nós faz sua contribuição não ao nosso próprio bem e sim ao bem dos outros. Isto significa (como diz o capítulo 14) que devemos buscar e exercer aqueles dons que promovem mais bem aos outros, aqueles dons que edificam a congregação. A profecia recebe classificação elevada (acima de língua, por exemplo) porque consiste de palavras inteligíveis e edificantes.
O versículo que serve como resumo é 14.26:
Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação.
Estes capítulos recompensam uma leitura cuidadosa porque expressam de maneira admirável a singularidade e a diversidade do ministério de cada membro da congregação. Não somos todos iguais. Nem todos são “mestres” ou “profetas”, e a maneira de trazermos encorajamento e edificação à congregação pode variar de acordo com a capacitação dada por Deus. Mas todos nós devemos buscar o mesmo alvo: edificar a congregação em amor. E esta edificação acontece por meio do falar (ou seja, do falar inteligível), quer seja uma palavra de exortação, um hino, uma revelação, uma interpretação de língua ou uma profecia.
Todos nós edificamos de maneiras diferentes, mas todos somos edificadores. Não temos todos a mesma função, mas somos todos exortados a que sejamos abundantes “na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). É interessante que Paulo usou a mesma linguagem para descrever, alguns versículos depois, seu próprio ministério e o de Timóteo: “E, se Timóteo for, vede que esteja sem receio entre vós, porque trabalha na obra do Senhor, como também eu” (1Co 16.10).
Apenas por ser um discípulo de Cristo e cheio do Espírito Santo da nova aliança, todo cristão tem o privilégio, a alegria e a responsabilidade de estar envolvido na obra que Deus está fazendo em nosso mundo, a “obra do Senhor”. E a maneira fundamental como fazemos isto é por falarmos a verdade de Deus às outras pessoas em dependência do Espírito Santo.