O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Converse com seus filhos, de William P. Smith, Editora Fiel (em breve).
Talvez você fique um pouco nervoso em contar a seus filhos algumas de suas lutas passadas. Talvez você esteja pensando como uma mãe que me disse: “Tenho medo de que se eu compartilhar muito sobre o meu passado, então meu filho pense que está tudo bem em fazer o que ele está fazendo, pois eu o fiz e me saí bem; ou ele perderá o respeito por mim pelo que eu fiz”.
O apóstolo Paulo parece pensar que o risco vale a pena. Ele não apenas descreve suas lutas em Romanos, mas, em outros lugares, também confessa de bom grado o que fez para se qualificar como o “principal” dos pecadores (1Tm 1.15). Quando leio essas passagens, nunca sinto que tenho um passe livre para pecar, e minha estima por Paulo só aumenta cada vez que ele arrisca sua reputação só para me ajudar a enxergar Jesus um pouco melhor.
Essa também tem sido a minha experiência com meus filhos. No mínimo, eles parecem me respeitar mais e estão mais abertos a compartilhar a vida comigo à medida que eu compartilho a minha com eles. Dito isso, há várias coisas que você aprende nas Escrituras que devem orientar como você fala com seus filhos sobre o seu passado.
Em primeiro lugar, você precisa dar detalhes o suficiente para que seus filhos acreditem que você realmente entende o que é estar no lugar deles, mas não dar tantos detalhes a ponto de os convidar a pecar vicariamente por meio de sua recontagem.
Quando Deus lhe conta a história de Davi seduzindo Bate-Seba em 2Samuel 11, você sabe exatamente o que aconteceu quando ele olhou para ela do outro lado do terraço, mas nunca uma única vez você recebe detalhes que fiquem no limiar do pornográfico. A história não incita sua imaginação nem o seduz a ficar ao lado de Davi e a entregar-se a fantasias sexualizadas como ele fez.
Pelo contrário, você sabe o que aconteceu e sente repulsa. Da maneira como a história é contada, nada do que Davi faz tem o mínimo de atraente. Do seu descumprimento do dever, seu voyeurismo até suas múltiplas traições sem fé, tudo aquilo é feio e você sente isso.
Ao compartilhar suas histórias de fracasso com seus filhos, tome cuidado para não fazer com que o mal involuntariamente pareça bom ou agradável, ou que valha a pena, ou que seja divertido ou gratificante. Proteja seu coração especialmente da tentação de se fazer parecer inteligente, poderoso, ousado, espirituoso ou desejável.
Histórias de fofocas e calúnias não devem terminar com você tendo a última palavra. Histórias de bullying não devem terminar com a outra pessoa recebendo o que merecia. Histórias de roubo não podem terminar com você tendo lucro.
Histórias de conquistas sexuais ou comerciais não podem terminar com você sendo bem-sucedido.
As histórias de pecado precisam mostrar a quebra que resulta da recusa de viver à maneira de Deus no mundo de Deus. Aponte os efeitos horizontais da depravação, como você trouxe danos aos outros e também a si mesmo. Não se esqueça de falar das consequências internas que são mais difíceis de ver, como os sentimentos de culpa, arrependimento, tristeza, embaraço, vergonha ou, pior ainda, uma consciência cauterizada e endurecida.
Em outras palavras, fale sobre o que você fez de uma maneira que revele a natureza verdadeira e feia do mal pelo que ele é (Ef 5.11). Quando você fizer isso, seus filhos não vão querer correr para o pecado a fim de experimentá-lo. Pelo contrário, eles ansiarão pela redenção, por alguém que virá e redimirá o que você arruinou.
Então, em segundo lugar, você lhes fala do Redentor. Conte sua história de tal forma que Jesus seja o herói e não você; caso contrário, você ensinará a seus filhos que eles devem ser os futuros heróis de suas próprias histórias. Isso significa que você não lhes conta histórias para “assustá-los diretamente” com base nas coisas que aconteceram com você. Nem conta parábolas modernas e contos de advertência que terminam com uma lição moralista: “Não seja como eu quando eu tinha sua idade”.
A única razão pela qual você está disposto a mergulhar no seu passado é para mostrar como você precisa de um Deus que salva os pecadores do falso culto ao qual eles se escravizaram. Essa é a verdadeira história da Escritura. Não se trata de paradigmas humanos de virtude que triunfam ou de estudos de caso de vilões que encontram maus caminhos. Trata-se de um Deus justo e redentor que invade a vida de seu povo, contra todas as probabilidades, a fim de resgatá-los e de restaurar o que eles quebraram. Contar sua história de qualquer outra maneira colocará de lado o arco narrativo do que Jesus está fazendo ao longo da história humana.
Você precisa experimentar novamente o evangelho quando seus filhos o virem falhar
Anos atrás, um amigo me lembrou do papel crucial que nossas palavras desempenham para ajudar as pessoas a verem esse Jesus que invade nosso mundo. Essa conversa me fez questionar quão bem minha esposa e eu estávamos nos saindo em comunicar isso aos nossos filhos. Por isso, quando estiver em dúvida, pergunte. Enquanto almoçávamos todos juntos num domingo, falando sobre a importância de nossas palavras, perguntei: “Onde vocês acham que mamãe e eu somos bons em ajudá-los a ver Jesus quando falamos com vocês?”.
As crianças falaram sobre como nos achavam gentis, compassivos e amorosos com eles. Então Cass acrescentou: “Vocês também nos ajudam a vê-lo mais claramente quando nos perdoam… bem, pelo menos a mamãe faz isso”. Depois, olhando para mim, ela disse: “Você não é tão bom nisso”.
Eu acenei com a cabeça. “Sim, você está certa. Ela é muito melhor nisso do que eu. E eu estou realmente feliz que você tenha dito isso porque está nos levando à segunda pergunta que eu queria fazer: onde vocês três enxergam que nós ainda precisamos crescer para mostrar Cristo a vocês?”.
Havia muita coisa que eles puderam dizer e que tinham o potencial de ajudar Sally e eu a nos tornarmos melhores pais. Foi uma boa conversa, mas também havia um perigo oculto que tinha o potencial de minar nossa parentalidade. Teria sido tão fácil ignorarmos o evangelho e transformarmos os comentários deles em admoestações moralistas como: “Pai, trabalhe mais arduamente para perdoar”.
Ora, eu preciso crescer em minha habilidade de perdoar? Com certeza. Mas será que posso fazer isso à parte do meu Redentor? De forma alguma. O caminho para longe do moralismo está, em primeiro lugar, na conexão com Cristo. O motivo pelo qual sou tão ruim em perdoar é que eu não aprecio plenamente ou não tenho a experiência de ser perdoado. Se eu o fizesse, o perdão fluiria mais naturalmente de Cristo para mim, e de mim para os meus filhos.
Isso não me dá licença para ficar amargurado e impassível quando estou chateado com meus filhos. Mas quando me recuso a perdoá-los, minha frieza para com eles precisa me fazer consciente do quanto preciso do Deus cujas morte e ressurreição apagam o meu pecado.
O que está acontecendo quando dou um gelo nos meus filhos? Estou tentando fazê-los pagar pelo que fizeram, congelando-os no relacionamento. Naquele momento, não são eles que mais precisam do meu perdão. Sou eu quem mais precisa do perdão de Deus. Não estou mais tentando entrar no mundo deles e tratando-os como tenho sido tratado. Em vez disso, estou retendo deles exatamente a mesma coisa que tenho tido tanto prazer em receber.
Isso significa que eu preciso experimentar novamente o perdão de Deus para meu coração duro e me surpreender mais uma vez com sua infinita graça em minha vida e seu compromisso para comigo. Preciso experimentar mais uma vez a realidade de que nada pode me separar dele (Rm 8.31-38) — nem mesmo minha atual indelicadeza para com minha família. E interagir com ele, sendo perdoado, me transforma. Eu me torno mais rápido em perdoar ao perceber o quanto fui perdoado. E fico mais disposto a ouvir que ainda tenho um longo caminho a percorrer.
É nada menos que um milagre da graça dele o fato de que minha família pudesse ter aquela conversa ao redor da mesa de almoço naquela tarde. Por muito tempo, eu pensei que a crítica construtiva era uma espécie de oxímoro: as pessoas podiam ser construtivas ou críticas, mas não as duas coisas. Por ter construído meu valor e minha identidade pessoal sobre o quanto eu estava indo bem na vida, eu não suportava ouvir falar de momentos em que eu não estava indo bem. Essa é uma receita para o desastre como pai.
Como você passa de ser esse tipo de cara fechado e defensivo para alguém que está disposto a ouvir seus filhos dizerem: “É, você não é um pai tão bom às vezes”? É saber que nada pode separá-lo do amor de Deus. O que me mudou — o que continua me mudando — é a Palavra de Deus, falada do Pai para mim, seu filho.
Suas palavras me ajudam a conhecer seu coração: que estou absolutamente seguro com ele. Que minha reputação está segura, porque ele me protege. Que eu sou muito mais profundamente amado do que já ousei imaginar. Que ele está trabalhando em mim agora e não desistirá até que eu seja puro e perfeito, assim como Cristo é. Que ele levou embora todas as coisas erradas que eu já fiz contra ele e também a penalidade por ter feito o errado. Que neste exato momento, ele não está zangado comigo. Que ele gosta de mim e quer ser meu amigo.
E, à medida que a realidade do que ele diz é filtrada em minha alma, não me importo de dizer a você onde estive e o que fiz, não para que você fique impressionado comigo, mas para que fique impressionado com ele. Seus filhos precisam ouvir o mesmo de você, especialmente naqueles momentos em que você precisa falar honestamente com eles sobre os fracassos deles.
Para saber mais sobre este assunto recomendamos os livros:
Pastoreando o Coração da Criança, de Tedd Tripp
Pais fracos, Deus forte, de Elyze Fitspatrick