quarta-feira, 12 de março
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Homossexualidade é pecado?

Considerando a homossexualidade à luz da antropologia bíblica

A Torre de Pisa é conhecida ao redor do mundo pela sua inclinação involuntária. No século 12, essa torre de sino foi construída sem precisar de apoios. Infelizmente, porém, o projeto estava errado desde o início: o alicerce tinha apenas três metros, e o solo era fraco e instável.

Assim que a construção avançou para o segundo andar, o edifício começou a afundar de um lado, pois o solo era muito leve. Em seu pior estado, a torre ficou perigosamente inclinada cinco graus e meio. Na década de 1990, engenheiros temeram que ela desmoronasse. Depois de a endireitarem um grau e meio (45 cm), a estrutura foi estabilizada, mas apenas de modo temporário.[1]

Ao considerar nossa sexualidade, é de extrema importância começarmos com o alicerce correto. Quando eu era criança, minha mãe me ensinou um famoso provérbio chinês: “Chā zhī háo lí, shī zhī qiān lǐ”[“Um desvio de um milímetro leva a uma perda de mil quilômetros”]. Se, de início, o ponto de partida estiver um pouco errado, o desvio no final pode ser gigantesco.

Quando se trata de sexualidade, o ponto de partida deve sempre ser a imagem de Deus e a doutrina do pecado. Nenhum cristão deve jamais questionar esses princípios fundamentais. No entanto, ao abordar a sexualidade, alguns sofrem de amnésia quanto à compreensão bíblica de quem somos. Esse erro leva a conclusões que aparentam estar a mil quilômetros de distância da verdade.

Permita-me explicar com alguns exemplos.

Condenação arrogante

Antes de vir a Cristo, minha percepção como gay era de que os cristãos nos consideravam como merecedores do lugar mais quente do inferno. Jesus precisaria ficar pendurado na cruz um pouco mais para pagar pelo pecado de nossos relacionamentos homossexuais. Muitos não cristãos têm a impressão de que os seguidores de Jesus veem os relacionamentos entre pessoas atraídas pelo mesmo sexo como o pior pecado existente. Porém, as Escrituras afirmam que há apenas um pecado imperdoável: blasfemar contra o Espírito Santo, e não o comportamento homossexual (Mt 12.31-32; Mc 3.28-29; Lc 12.10).

Gostaria de ilustrar essa ideia. Certa vez, após palestrar em uma igreja próxima de uma base militar, fui abordado por um senhor de idade que dizia ter lutado na Guerra do Vietnã. Ele assistiu a todas as minhas palestras no culto de domingo e até voltou naquela noite. Ele não planejou comparecer a nenhuma de minhas palestras. Na verdade, estava incomodado até com o fato de a igreja estar perdendo tempo com esse assunto. “O que mais precisa ser dito? É pecado!”

Durante o culto, contudo, quando ele ouviu o testemunho de meus pais e o amor deles por seu filho gay, o Espírito Santo lhe deu “um soco no estômago”. Esse era o mesmo senhor que havia dito: “quando era jovem, se soubesse que outro soldado era gay, atirava nele pelas costas durante o combate”. Ele se dizia cristão.

Sua voz vacilou e seus olhos se encheram de lágrimas ao afirmar: “Hoje, percebo que estava errado. Você me perdoa?”. Nunca esquecerei aquele emocionante momento em que ele me abraçou e chorou em meu ombro. Paulo nos diz em Romanos 2.4: “A bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento”. Para começar essa jornada de maneira certa, devemos humildemente reconhecer e nos arrepender de nossa própria pecaminosidade.

Paulo compreendia que era o principal dos pecadores, mas Deus o usou como “exemplo a todos que vierem a crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.16, NVT). Mais fundamental ainda é: mesmo o pecador culpado dos crimes mais hediondos continua sendo alguém criado à imagem de Deus. Quanto mais percebemos o quão pecadores somos, mais humildes devemos nos tornar e mais Deus pode nos usar como exemplo do Evangelho.

Devemos alertar os outros sobre os perigos do pecado? Claro que devemos! Mas como estamos fazendo isso? Diz-se que o grande evangelista do século 19, Dwight Lyman Moody, era o mais qualificado para pregar sobre o inferno e a ira de Deus, porque o fazia com lágrimas.

A humildade é um ótimo ponto de partida, sobretudo quando nosso objetivo é direcionar pessoas a Cristo. Ainda não encontrei ninguém que tenha se convertido por considerar alguém mais santo do que ele! Somente quando nos vemos como pecadores é que somos capazes de ver outros pecadores como Deus os vê.

Diagnóstico incorreto

Uma das tristes consequências de ter o sistema imunológico enfraquecido devido ao HIV é que sou mais propenso a ficar doente do que a maioria das pessoas. Quando não estou me sentindo bem, a primeira coisa que desejo é um diagnóstico médico exato do meu problema. Diagnóstico correto significa tratamento correto. Diagnóstico incorreto, por sua vez, significa tratamento incorreto. Discernir a raiz do problema é a chave para uma resposta adequada. O mesmo processo se aplica a todos os aspectos da condição humana.

A homossexualidade tem sido diagnosticada de forma incorreta há décadas. Você, provavelmente, já ouviu dizer que as causas primárias da homossexualidade são a ausência do pai, a dominância da mãe ou traumas passados. Em outras palavras, a infância deficiente e imperfeita é a culpada por pessoas se atraírem pelo mesmo sexo.

Meu irmão mais velho e eu tivemos infâncias muito semelhantes. Ele, contudo, nunca teve de lidar com atração por pessoas do mesmo sexo. Eu nunca fui sexualmente abusado, mas, ainda assim, a atração homossexual faz parte da minha realidade. Muitas pessoas parecem ter uma criação cristã quase perfeita e, mesmo assim, sentem atrações não desejadas pelo mesmo sexo.

Os cristãos parecem ter aceitado cegamente essas supostas causas, com pouca reflexão crítica e bíblica. Os estudos citados para apoiar as alegações geralmente mostram alguma correlação. Correlação, no entanto, não constitui causa. Certamente, os pais podem ter influências positivas ou negativas na vida de seus filhos, mas influência não é o mesmo que causa. O abuso tem efeitos graves sobre um indivíduo, mas acontecimentos prejudiciais não são a causa da luta de ninguém contra o pecado.

Não conheço, com sinceridade, nenhum outro pecado em que a culpa seja colocada exclusivamente nos pais. A última coisa de que pais que estejam sofrendo precisam é a acusação injusta de que causaram a atração de seus filhos pelo mesmo sexo. O diagnóstico de que a homossexualidade é um transtorno psicológico e de desenvolvimento induzido por uma má criação pelos pais não condiz de forma alguma com as Escrituras. Ele é mais freudiano do que bíblico. Não lutamos contra o pecado porque tivemos uma criação imperfeita, mas porque somos pecadores.

Os cristãos reconhecem que o pecado original é a causa de qualquer outro pecado. No caso da homossexualidade, no entanto, eles parecem abrir uma exceção ao dizer que a atração por pessoas do mesmo sexo é, sobretudo, um resultado da criação familiar, e não da Queda. Se fosse nosso ambiente que nos fizesse pecar, não precisaríamos de Jesus. Tudo aquilo de que precisaríamos seria um ambiente melhor. Desta forma, a morte de Cristo na cruz se torna insuficiente, enquanto a justificação e a santificação se tornam dependentes do esforço humano. Não estamos debatendo sobre opiniões diferentes aqui. A suficiência de Cristo está em jogo, e esse não é um assunto trivial.

Para aqueles que são pais e estão sobrecarregado de culpa, questionando o que fizeram de errado ou como poderiam ter evitado isso, peço que me escutem, por favor: não é culpa sua. É evidente que os pais querem influenciar seus filhos para melhor, e não para pior, mas a paternidade ou maternidade perfeita não garante filhos perfeitos. Observe: Adão e Eva tinham um Pai perfeito e foram criados em um ambiente perfeito, mas, mesmo assim, se rebelaram! O que nos faz pensar que podemos fazer melhor?

O objetivo principal da paternidade cristã não é necessariamente gerar filhos piedosos, mas, acima de tudo, ser pais piedosos. Pais, vocês não são Deus! Os dons da fé, santificação e vida eterna não são dados pelos pais. Somente Deus pode dar vida e redimir.

Quando nos lembramos corretamente da doutrina bíblica do pecado, percebemos que todo pecado (como a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo) e toda luta contra o pecado (como resistir ao desejo sexual por pessoas do mesmo sexo) têm uma única causa: o pecado original. As coisas do nosso passado são catalisadores secundários, não a fonte primária. Não é uma ideia nova. É apenas ortodoxia. Além disso, não há evidências bíblicas de que a Psicoterapia de Desenvolvimento Humano resolverá ou diminuirá nossas tentações pecaminosas.

Pelágio, nos séculos 4 e 5, era um asceta praticante de um moralismo rígido. Ele se opôs à teoria de Agostinho sobre o pecado original e ensinou que o pecado de Adão não tinha nenhum impacto sobre o restante da humanidade. O Concílio de Cartago, em 418 d.C., condenou Pelágio e suas perspectivas sobre o pecado e a humanidade como heréticas.

O pecado original é essencial para a compreensão bíblica da justificação. Ao rejeitá-lo, as pessoas rompem com a ortodoxia. No entanto, a base de muitas ideias que circulam no cristianismo popular é mais semelhante ao pelagianismo do que à verdade bíblica. Afirmar que a raiz principal da homossexualidade é qualquer coisa além do pecado original é negar a ortodoxia.

A ideia ainda tem paralisado muitos pastores com a mentira de que, sem treinamento profissional, eles não podem ajudar pessoas atraídas pelo mesmo sexo. É evidente que os pastores devem se esforçar para se informar melhor e que o aconselhamento bíblico é benéfico. No entanto, é triste e problemático quando a única resposta pastoral para pessoas atraídas pelo mesmo sexo é um encaminhamento médico. Todo pastor deveria saber como ministrar a alguém que está lutando contra o pecado.

A raiz da atração por pessoas do mesmo sexo é o pecado original e, como tal, não é tão excepcional assim. Todos temos distorções pecaminosas da nossa sexualidade. A homossexualidade é normalmente considerada anormal, mas a forte realidade é que, para alguns, na verdade, ela parece bastante normal e até mesmo natural.

O fato é que, em geral, o pecado parece normal e natural para todos. Isso o torna tão atraente, viciante e enganoso. O que não é normal é matar o pecado que habita em nós (Rm 7.23; 8.13). Todas as tentações e os comportamentos pecaminosos são para nós uma verdadeira luta e batalha.

Você pode se questionar: “como posso ajudar alguém com atração por pessoas do mesmo sexo se eu não luto com isso?”. A resposta é: desde quando precisamos lutar com um pecado específico para podermos ajudar outra pessoa que o enfrenta? Será que eu preciso cometer adultério para poder ministrar a um adúltero? Preciso me envolver com pornografia para poder ajudar um viciado em pornografia? Preciso fofocar para poder ajudar um fofoqueiro? Se você conhece a Jesus e já teve alguma vitória sobre o pecado, pode ajudar outro pecador.

A homossexualidade não é um transtorno psicológico nem um problema de desenvolvimento. Pensar dessa forma é uma tentativa fútil e centrada no ser humano de apagar a realidade do pecado original. Chamemos o pecado pelo nome. Ao fazermos isso, percebemos que a resposta não é centrada no ser humano. A única resposta para o pecado é Jesus Cristo. O pecado é o grande problema; Jesus é a grande solução.


O artigo acima é um trecho adaptado e retirado com permissão do livro Sexualidade santa, de Christopher Yuan, Editora Fiel (em breve).

CLIQUE AQUI para ler mais artigos que são trechos deste livro.

[1] Editores da Encyclopaedia Britannica, “Leaning Tower of Pisa”, Encyclopaedia Britannica, 2017. Disponível em: www.britannica.com/topic /Leaning-Tower-of-Pisa. Acesso em 29 de nov. de 2024. Organizadores da New World Encyclopedia, “Leaning Tower of Pisa”, New World Encyclopedia, 2018. Disponível em: www.newworldencyclopedia.org/p/index.php?title=Leaning_Tower _of_Pisa&oldid=1012531. Acesso em 29 de nov. de 2024.


Autor: Christopher Yuan

Christopher Yuan ensina no Moody Bible Institute há mais de dez anos. Seu livro mais recente é Holy Sexuality and the Gospel: Sex, Desire, and Relationships Shaped by God’s Grand Story

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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