“Sacerdote” é o único título dado a Jesus que tem praticamente um livro inteiro do Novo Testamento dedicado a explicá-lo — a Carta aos Hebreus. Hebreus é uma carta anônima. O seu autor descreve-a como uma breve palavra de encorajamento ou exortação.[i] No centro desse encorajamento, está a sua exortação a “considerar Jesus”,[ii] a “olhar para Jesus”[iii] e, em especial, a enxergá-lo como o nosso sumo sacerdote.
Enfrentando as provações
Por que isso era importante para esses hebreus?
Eles passaram pelas mesmas provações pelas quais Paulo passara quando se tornou cristão.
Primeiro, eles teriam sido deserdados. Eles “perderam todas as coisas”.[iv] Esse deve ter sido o destino de muitos judeus que aceitaram a fé em Jesus como o Messias. Ainda hoje, quando um membro de uma família judia ortodoxa rígida se torna cristão, pode ser literalmente deserdado. Assim, é evidente que muitos desses novos cristãos sofreram grandes privações materiais como resultado da sua fé em Cristo.[v] Não só foram pessoalmente deserdados, mas também foram banidos da comunhão social e espiritual.
Coloque-se no lugar deles. Você é um cidadão honesto e cumpridor dos seus deveres em Goiânia, ou Recife, ou Manaus, ou Edimburgo, ou Londres — ou onde quer que seja. Todavia, por causa do seu compromisso com Jesus Cristo, você é deserdado. O que se segue automaticamente? Você se torna uma persona non grata em todas as sociedades, clubes, círculos de amigos e de conhecidos (até em escolas infantis) que constituíam a estrutura da sua vida. Tudo isso agora está fechado para você. Você está banido da família e da sociedade.
Além disso, há o local de adoração que você frequentava desde a infância. As pessoas, os cultos, as cerimônias, as músicas, a liturgia e todas as suas atividades estavam profundamente enraizadas em sua vida. Só agora, quando você não está mais lá, é que percebe até que ponto essas coisas definiam a sua identidade. Mas agora você não é mais bem-vindo lá. Essa igreja — que ainda existe como um lembrete da comunidade que o criou e da identidade que você já teve como parte dela — é aquela da qual você não faz mais parte. Em vez disso, você agora tem encontros com várias outras pessoas na sala de estar de um amigo. Todas as coisas de que você gostava — antes, tão “significativas” para você —, rituais, ministros oficiantes, liturgias, música, grupos de adoração, grandes multidões, dias especiais de celebração — todas elas se foram. Agora você se encontra na casa de alguém, e essa pessoa nem tem piano.
Essa foi a situação dos primeiros leitores de Hebreus. O culto deles não era mais marcado pela grandiosidade do templo, pelo coral, pelos momentos especiais. Eles já não conseguiam ver o sumo sacerdote — o único homem que, uma vez por ano, no Dia da Expiação, tinha permissão de entrar na sala sagrada para pedir o perdão de Deus para o povo. Eles já não esperavam que ele reaparecesse e levantasse as mãos nas palavras históricas da bênção de Arão, assegurando-lhes a bênção do Senhor e a sua paz, pois “com ele está o perdão”. Aquela sensação visível de que seus pecados haviam sido mais uma vez cobertos e de que a face de Deus sorria para eles como seu povo da aliança — tudo se foi, para nunca mais voltar, a menos que…
Tentados a voltar
A menos que o quê? A menos que eles voltassem atrás. Alguns deles ficaram tentados a voltar.
Talvez você esteja em uma igreja que toda a congregação ama profundamente, onde a adoração é centrada em Deus, a pregação é bíblica, a comunhão é atenciosa, a visão para missões mundiais é forte, e as necessidades espirituais do rebanho são atendidas. Você teve amigos queridos cuja empresa os transferiu para outro local. Eles procuram por uma nova igreja onde estão. Porém, sempre que você fala ao telefone com eles e pergunta como estão, eles dizem: “Tudo bem, exceto… ah, se ao menos pudéssemos voltar à nossa antiga igreja; nós simplesmente não conseguimos encontrar nada parecido aqui.”
Essa foi a situação dos primeiros leitores de Hebreus. Antigamente, eles podiam ver, tocar e até sentir o cheiro dos cultos de adoração — o grande número de pessoas, a música, todos os aspectos gloriosos da adoração do Antigo Testamento que Deus dera. Agora tudo se foi.
Tudo acabou por nada? Qual era a resposta? Como poderia o autor de Hebreus escrever algo para encorajá-los nessa situação? Sua resposta é dizer:
Não voltem atrás. Se vocês se sentem tentados a fazer isso, estão olhando na direção errada. Vocês têm visto as coisas da perspectiva errada. Vocês não estão se esforçando para entender o suficiente. Vocês não estão vendo com clareza suficiente. Vocês não veem o que é realmente importante? Tirem os olhos dos edifícios, das liturgias, das multidões e da música. Fixem seus olhos em Jesus!
Ouça algumas das coisas que ele diz sobre Jesus para encorajá-los:
Eles têm um grande sumo sacerdote:
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna.[vi]
Eles têm uma salvação verdadeira:
Ora, aqueles são feitos sacerdotes em maior número, porque são impedidos pela morte de continuar; este, no entanto, porque continua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável. Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.[vii]
Eles têm um sumo sacerdote perfeito:
Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu.[viii]
Eles têm um sumo sacerdote melhor:
Os quais [sumos sacerdotes de Israel] ministram em figura e sombra das coisas celestes, assim como foi Moisés divinamente instruído, quando estava para construir o tabernáculo; pois diz ele: Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte. Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas.[ix]
Eles têm um sacrifício final:
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção.[x]
Eles têm um santuário melhor:
Ora, não tendes chegado ao fogo palpável… Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel.[xi]
O autor está, na verdade, dizendo-lhes:
O que os manterá no caminho do Evangelho de Jesus Cristo é ter um vislumbre de sua grandeza e porque ele é um grande sumo sacerdote. Vocês não perderam; vocês ganharam. Vocês não têm menos; vocês têm mais. Cristo fez tudo o que gerações de sumos sacerdotes não puderam fazer. Eles eram apenas sombras; Jesus é a realidade!
Este artigo é um trecho adaptado do livro Nome acima de todo nome, de Alistair Begg e Sinclair Ferguson, Editora Fiel.
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[i] Hebreus 13.22
[ii] Hebreus 3.1
[iii] Hebreus 12.2
[iv] Filipenses 3.8
[v] Hebreus 10.32-34
[vi] Hebreus 4.14-16
[vii] Hebreus 7.23-25
[viii] Hebreus 7.26-27
[ix] Hebreus 8.5-6
[x] Hebreus 9.11-12
[xi] Hebreus 12.18-24