quinta-feira, 12 de setembro

Jesus, o centro teológico do Antigo Testamento

O Antigo Testamento é a sombra, ao passo que Jesus é a realidade

Jesus é o centro teológico do Antigo Testamento. Isso significa que a pessoa e obra de Jesus como o Novo Testamento as apresenta (incluindo seu nascimento, vida, ensinos, morte, ressurreição, ascensão e volta) constituem a realidade singular que unifica e explica tudo que aparece no Antigo Testamento. Talvez nos seja claro que Jesus é o centro teológico ou, pelo menos, a figura central no Novo Testamento. Todavia, Jesus e os apóstolos entendiam também que o centro teológico do Antigo Testamento era o mesmo do Novo Testamento.[i] O Antigo Testamento é a sombra, ao passo que Jesus é a realidade (Cl 2.16-17; Hb 8.5; 10.1). Considere como o apóstolo Paulo escolheu começar sua Epístola aos Romanos:

Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi. (Rm 1.1-3)

Em 1.1, Paulo se identifica como apóstolo e afirma que foi “separado” para as Boas Novas ou o “evangelho de Deus”. Depois, em 1.2-3, Paulo identifica a fonte e o conteúdo desse Evangelho. É importante reconhecer que esse Evangelho não era algo novo, mas algo “outrora prometido”. Seguindo essa afirmação sobre o Evangelho outrora prometido, estão três expressões prepositivas que podem mudar a maneira como pensamos a respeito do Antigo Testamento. Esse Evangelho veio (1) por intermédio dos seus profetas, (2) nas Sagradas Escrituras e (3) dizia respeito a seu Filho. As três expressões prepositivas em 1.2-3 identificam (1) o veículo da revelação do Evangelho, (2) a localização da revelação do Evangelho e (3) o conteúdo da revelação do Evangelho.

Paulo afirma que o Evangelho outrora prometido veio por intermédio dos profetas, que atuavam como instrumentos autoritativos da revelação da aliança de Deus no Antigo Testamento. Além disso, essa revelação estava depositada nas Sagradas Escrituras e, para Paulo, efetivamente constituía as Sagradas Escrituras. A esta altura, é importante lembrar que, quando uma pessoa como Paulo menciona as Escrituras no Novo Testamento, ela se refere ao Antigo Testamento. Portanto, para Paulo, o Antigo Testamento é, fundamentalmente, o Evangelho outrora prometido. A última expressão prepositiva nessa série identifica o conteúdo dessa revelação do Evangelho no Antigo Testamento com Jesus Cristo, o Filho de Deus. Em outras palavras, o Antigo Testamento, que veio por intermédio dos profetas, é o Evangelho outrora prometido, uma vez que tem como sujeito Jesus Cristo, não apenas enquanto Filho eterno de Deus, mas também na qualidade de descendência de Davi “segundo a carne” (1.3).

As afirmações de Paulo a respeito da natureza e conteúdo da revelação do Antigo Testamento são apoiadas por afirmações que Jesus fez e foram relatadas nos Evangelhos. A primeira aparece em Lucas 24.25-27 (veja também 24.44-45). Depois de ressuscitar dos mortos, Jesus apareceu no caminho de Emaús para instruir dois discípulos deveras confusos:

Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.

Considere que esses dois discípulos foram repreendidos como “néscios” e “tardos de coração” porque não acreditavam que o Antigo Testamento dava testemunho da pessoa e obra de Jesus. Nesses poucos versículos, a palavra “tudo” (“todos”, “todas”) é utilizada três vezes para descrever a natureza abrangente dessa realidade — tudo o que os profetas disseram, todos os Profetas e todas as Escrituras. E, então, mais uma vez, encontramos uma expressão prepositiva que identifica o conteúdo dessa revelação profética em “todas as Escrituras”: Jesus disse que todas as Escrituras contêm coisas “a seu respeito”. Em outras palavras, Jesus nos diz que ele é o princípio unificador — ou centro teológico — do Antigo Testamento.

Não é difícil entender o que Jesus diz aqui. Entretanto, para muitos de nós, assim como para os discípulos a quem Jesus falava, é difícil aceitar e compreender como essa realidade funciona ao longo de todo o Antigo Testamento, com suas partes variadas e diversas. Alec Motyer faz o seguinte comentário:

O grande Senhor Jesus veio de fora e se ligou voluntária e deliberadamente ao Antigo Testamento, afirmou que era a Palavra de Deus e se dispôs, a um alto custo, a cumpri-la (Mt 26.51-54). Esse fato dos fatos elimina qualquer suspeita de que a doutrina da autoridade bíblica repousa em um argumento circular como “eu creio que a Bíblia tem autoridade porque a Bíblia diz que tem autoridade”. Não é assim! Foi Jesus que veio “de fora” como o Filho de Deus encarnado; foi Jesus que ressuscitou dos mortos como o Filho de Deus com poder; foi ele que escolheu validar o Antigo Testamento em retrospectiva e o Novo Testamento em perspectiva e que é, ele mesmo, o grande tema do “enredo” dos dois testamentos, o ponto focal que dá coerência ao “retrato” total em todas as suas complexidades. […] Ele é o clímax, mas também a substância e o centro do todo. Nele, todas as promessas de Deus são sim e amém (2Co 1.20).[ii]

O encontro no caminho de Emaús não foi a primeira vez que Jesus fez uma afirmação tão clara e ousada sobre a natureza e conteúdo do Antigo Testamento. Em um discurso dirigido àqueles que se opunham a ele antes de sua morte, Jesus disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39-40). Mais uma vez, somos instruídos por Jesus no Novo Testamento quanto ao fato de que aqueles que “examinam” e estudam o Antigo Testamento devem compreender que essas Escrituras “testificam” (μαρτυρέω) de Jesus. Isso é o mesmo que o autor do livro de Hebreus afirma depois de um longo relato da história do Antigo Testamento em Hebreus 11 — incluindo Abel, Abraão, Moisés, o povo de Israel, Raabe, Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os profetas. Essas pessoas são chamadas de “grande nuvem de testemunhas” (μαρτύρων) em Hebreus 12.1. Observe que esses homens e mulheres não são chamados de “grande nuvem de exemplos”, mas de testemunhas, que testificam ou dão testemunho da pessoa e obra de Jesus e que nos chamam não a imitá-los, mas a fixar nossos olhos com eles no “Autor e Consumador da fé, Jesus” (12.2).

Os testemunhos de Jesus e do Novo Testamento são claros. Jesus é o centro teológico do Antigo Testamento. Ele é a unidade que dá sentido a todo o conteúdo diverso encontrado nas Escrituras do Antigo Testamento. Descobriremos que, como “o primeiro” e “o último” (Is 44.6), como o Alfa e o Ômega (Ap 1.8; 21.6; 22.13), Jesus é o segundo Adão, a semente da mulher, o descendente de Abraão, o Soberano de Judá, o Israel fiel, o Mediador de uma aliança melhor, nosso eterno Sumo Sacerdote, o Juiz que salva de uma vez por todas, o herdeiro de Davi, o Profeta semelhante a Moisés, a Sabedoria de Deus, a Palavra de Deus encarnada. Ele não estava brincando quando declarou a respeito de si mesmo: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (Jo 14.6). Nunca compreenderemos totalmente o Antigo Testamento se nos recusarmos a fixar nossos olhos em Jesus quando lermos as Escrituras.

Goldsworthy está correto quando argumenta:

O centro da Igreja e da vida do crente é Jesus Cristo, o Senhor crucificado e ressurreto. Ele não é apenas o centro hermenêutico de toda a Bíblia, mas, de acordo com o testemunho bíblico, ele dá o significado definitivo para todos os fatos do universo. Ele é, portanto, o princípio hermenêutico de toda realidade… fornecendo o centro que mantém tudo unificado.[iii]

Goldsworthy vai além da compreensão de Jesus apenas como o centro teológico do Antigo Testamento ou da Bíblia como um todo. Ele estende esse princípio e o faz incluir toda a realidade, incluindo “todos os fatos do universo”. Para começar a compreender o Antigo Testamento — ou a Bíblia, ou a vida em geral —, devemos, primeiro, avaliar nossa visão da pessoa e obra de Jesus conforme apresentada nas Escrituras. Talvez nossa incapacidade de compreender a totalidade e a unidade da Palavra de Deus inspirada tenha origem em nossa pequena estima da Palavra de Deus encarnada (Jo 1.1-3, 14).

O trecho acima foi retirado com permissão do livro: Introdução Bíblico-teológica ao Antigo Testamento, editado por Miles V. Van Pelt, Editora Fiel (em breve).


[i] Contra Marshall, que representa uma grande parte do evangelicalismo: “Segue que o AT dificilmente pode ser chamado de ‘um livro sobre Jesus’ como se ele fosse o principal assunto. Onde há uma esperança futura, ela é centrada no próprio Deus e, em alguns lugares, em uma figura messiânica não identificada. Jesus não está explicitamente presente” (I. Howard Marshall, “Jesus Christ”, The New Dictionary of Biblical Theology, ed. T. Desmond Alexander e Brian S. Rosner [Downers Grove: InterVarsity Press, 2000], p. 594).

[ii] Alec Motyer, Look to the Rock: An Old Testament Background to Our Understanding of Christ (Grand Rapids: Kregel, 1996), p. 21-22.

[iii] Graeme L. Goldsworthy, “Biblical Theology as the Heartbeat of Effective Ministry”, em Biblical Theology: Retrospect and Prospect, ed. Scott J. Hafemann (Downers Grove: IVP Academic, 2002), p. 284.


Autor: Editorial online do Ministério Fiel

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
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