O texto abaixo foi extraído do livro Diário de David Brainerd, de Jonathan Edwards, reedição da Editora Fiel.
Dia do Senhor, 11 de março. Minha alma, em certa medida, foi fortalecida em Deus nas devoções matinais, de tal modo que fui liberto do receio trêmulo e da aflição. Preguei para minha gente com base na parábola do semeador, em Mateus 13, e desfrutei de alguma ajuda divina em todas as horas do dia. Pude dirigir-me à minha gente com alguma liberdade, afeto e fervor; anelei que Deus tomasse conta de seus corações, tornando-os espiritualmente vivos. De fato, eu tinha tanta coisa para dizer-lhes que não sabia como parar de falar.
Isso sucedeu no último domingo em que Brainerd dirigiu um culto público em Kaunaumeek. Esses foram os últimos sermões que pregou aos índios dali. Os métodos que adotara, em busca da salvação deles, foram descritos em uma carta que escreveu ao Pastor Pemberton, de Nova York.
– J.E.
“Em meus labores com eles, a fim de ‘tirá-los das trevas para a luz’, estudei o que era mais claro e fácil, e melhor adaptado às suas capacidades. Esforcei-me por expor-lhes, com certa frequência, na medida que eram capazes de absorver, as verdades mais importantes e necessárias do cristianismo, como aquelas que diziam respeito à uma imediata conversão a Deus; verdades que eu pensava tendiam ser meios para efetuar uma gloriosa transformação nas vidas deles. Mais especificamente, fiz de escopo e roteiro de todos os meus trabalhos, levá-los a uma total familiaridade com estas duas questões: (1) A pecaminosidade e a miséria do estado em que se achavam naturalmente; a maldade de seus corações, a corrupção de suas naturezas; a pesada culpa sob a qual estavam, e como estavam sujeitos à punição eterna. E também a total incapacidade deles salvarem-se a si mesmos, quer de seus pecados quer das suas misérias, as quais são a justa punição dos pecados; de seu não-merecimento de misericórdia da parte de Deus, diante de qualquer coisa que eles mesmos pudessem ter feito para obter o favor divino, e, em consequência, sua extrema necessidade de Cristo, a fim de serem salvos. (2) Ainda, por muitas vezes procurei mostrar-lhes a plenitude, a toda-suficiência e a liberdade da redenção operada pelo Filho de Deus, com base em sua obediência e sofrimentos, em favor de pecadores que estão perecendo, como essa sua provisão ajusta-se a todas as carências deles; e como Ele os chamava e convidava a aceitarem a vida eterna gratuitamente, não obstante toda a pecaminosidade deles.
Depois de estar vivendo entre os índios já por vários meses, compus diversas formas de oração, adaptadas às circunstâncias e capacidades deles. Com a ajuda de meu intérprete, eu as traduzi para o idioma deles; e logo aprendi a pronunciar as palavras, podendo orar com eles na sua própria língua. Também traduzi diversos salmos, e pouco depois éramos capazes de entoá-los, no culto a Deus.
Quando minha gente já se acostumara com muitas das verdades mais simples do cristianismo, de tal modo que agora eram capazes de receber e entender outras verdades, dei-lhes um relato histórico sobre o trato de Deus com seu antigo povo, os judeus, com alguns dos ritos e cerimônias que eles eram obrigados a observar, como seus sacrifícios, etc., e o que essas coisas simbolizavam; e também alguns dos surpreendentes milagres operados por Deus com vistas à salvação deles, enquanto nEle confiassem. Também mencionei os duros castigos que algumas vezes lhes sobrevieram, quando esqueciam-se de Deus e pecavam contra Ele. Posteriormente, passei a dar-lhes um relacionamento entre o nascimento, vida, milagres, sofrimentos, morte e ressurreição de Cristo, como também sua ascensão e a maravilhosa efusão do Espírito Santo que, em consequência, ocorreu mais tarde.
Tendo-me esforçado assim para abrir o caminho por meio de uma série de fatos, passei a ler e expor diante deles o evangelho de Mateus (pelo menos a sua substância), passo a passo. Por meio disso adquiriram uma visão melhor daquilo sobre o que antes tinham apenas uma noção generalizada. Eu me encarregava dessas exposições quase a cada noite, quando eles reuniam-se em um bom número, exceto quando eu mesmo tinha de ausentar-me, a fim de aprender mais da língua indígena com o Pastor Sergeant. Além desses meios de instrução, funcionava também uma escola de inglês, que o meu intérprete fazia funcionar constantemente entre os índios. Eu costumava frequentar essas aulas, para dar às crianças e aos jovens algumas instruções apropriadas, de acordo com suas idades.
O grau de conhecimento obtido por alguns deles era considerável. Muitas das verdades cristãs pareciam fixas em suas mentes, especialmente em alguns aspectos, pois falavam comigo e perguntavam sobre tais verdades, sendo necessário proporcionar a elas maior simplicidade e clareza para o seu entendimento. As crianças e os jovens que frequentavam a escola também tornaram-se bastante eficientes (pelo menos alguns deles) em seu aprendizado, de tal maneira que se entendessem bem a língua inglesa, teriam sido capazes de ler facilmente alguma coisa no saltério.
Mas o que era mais desejável, transmitindo-me grande encorajamento em meio às minhas muitas dificuldades e horas de desconsolo, era que as verdades da Palavra de Deus pareciam, às vezes, ser acompanhadas por algum poder espiritual nos corações e consciências dos índios. Isso parecia especialmente evidente em alguns poucos deles, os quais foram despertados para algum senso de seu estado miserável por natureza, parecendo solícitos em obter sua libertação. Vários deles vinham, voluntariamente, conversar comigo acerca dos interesses de suas almas; e alguns deles, entre lágrimas, indagavam o que deveriam fazer para serem salvos.”
Visto que os índios de Kaunaumeek eram poucos, depois que Brainerd já havia labutado entre eles por cerca de um ano, e tendo-os persuadido a deixarem Kaunaumeek e mudarem-se para Stockbridge, para viverem constantemente sob o ministério do Pastor Sergeant, ele pensou que agora poderia prestar um maior serviço a Cristo, entre índios de outros lugares. Assim, Brainerd foi para Nova Jersey, para colocar a questão aos representantes da missão. Reunidos em Elizabeth Town, eles resolveram que Brainerd deveria partir de Kaunaumeek para trabalhar com os índios do Rio Delaware.
Pelo número de convites recebidos então por Brainerd, parece que não foi por necessidade, nem por falta de oportunidades para estabelecer-se como ministro, que ele resolveu abandonar todos os confortos externos que poderia ter gozado, a fim de passar a sua vida entre os selvagens, enfrentando as dificuldades e abnegações de uma missão entre os índios. Exatamente quando estava de partida de Kaunaumeek, Brainerdrecebeu um urgente convite para estabelecer-se em East Hampton, uma das cidades mais agradáveis de Long lsland. As pessoas dali mostraram-se unânimes em seu desejo de tê-lo como pastor, e durante bastante tempo continuaram a insistir com ele, quase sem quererem desistir de seus esforços e de sua esperança de tê-lo como pastor. Ainda, ele recebeu o convite de pregar em um povoado, em Millington, perto de sua cidade natal, em meio a amigos seus. Brainerd também não escolheu o trabalho de missionário entre os índios, em lugar dos convites mencionados, por não ter conhecimento das dificuldades e sofrimentos que faziam parte de tal serviço; porquanto ele já tivera experiência com essas dificuldades no verão e no inverno, tendo passado cerca de um ano, numa floresta isolada, entre aqueles selvagens, onde experimentou dificuldades extremas, sujeito a uma série de tristezas externas e internas, mas ainda bem frescas em sua memória.
Depois disso, ele continuou por dois ou três dias em Nova Jersey, sentindo-se muito doente, e então retornou a Nova York, e dali partiu para a Nova Inglaterra, dirigindo-se à sua cidade natal de Haddam, onde chegou no sábado, 14 de abril. Mas ali continuou queixando-se amargamente da falta de privacidade. Enquanto esteve em Nova York, expressou-se desta maneira: “Oh, não são os prazeres deste mundo que podem consolar-me! Se Deus negar-me sua presença, de que me adiantam os prazeres da cidade? Uma hora de doce comunhão solitária com Deus é melhor do que o mundo inteiro”. – J. E.