O apóstolo Paulo foi um grande soldado. Sua luta foi, em parte, contra inimigos externos — contra dificuldades de todas as espécies. Por cinco vezes, foi açoitado pelos judeus; e três vezes, pelos romanos, Naufragou quatro vezes; esteve em perigos de água, em perigos de salteadores, em perigos por parte de seus compatriotas, em perigo na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos. E, finalmente, chegou ao término lógico de uma vida de combatentes, morrendo ao fio da espada. Dificilmente, diríamos que essa foi uma vida pacífica; pelo contrário, foi uma vida de aventuras ferozes.
Suponho que Lindbergh se emocionou muito quando atravessou sensacionalmente o oceano, de avião, e aterrissou em Paris. Em nossos dias, as pessoas vivem à procura de emoções fortes; mas, se alguém deseja encontrar uma sucessão realmente ininterrupta de emoções, penso que não poderia fazer nada melhor do que vaguear pelo império romano do século I, em companhia do apóstolo Paulo, que se ocupava do negócio impopular de transtornar o mundo.
No entanto, os transtornos físicos não eram a principal batalha do apóstolo Paulo. Muito mais árdua era a sua luta contra os inimigos de seu próprio campo. Sua retaguarda vivia ameaçada pelo paganismo que a tudo envolvia ou pelo judaísmo pervertido que nunca compreendeu o verdadeiro propósito da lei do Antigo Testamento. Leia-se as suas epístolas com cuidado e ver-se-á Paulo em conflito constante. Em certa ocasião, ei-lo a lutar contra o paganismo na vida do indivíduo que nutre a idéia errônea de que todas as condutas são legítimas para o crente, atitude essa que faz da liberdade cristã um motivo para a licenciosidade pagã. Noutra ocasião, ei-lo a lutar contra os conceitos pagãos — ou seja, contra o aprimoramento da sublimação da doutrina cristã da ressurreição do corpo na doutrina pagã da imortalidade da alma.
Os instrumentos humanos que Deus emprega nos grandes triunfos da fé não são pacifistas, e sim, grandes soldados semelhantes a Paulo. O grande batalhão dos consideradores de conseqüências tem pouquíssima afinidade com o nobre apóstolo — ou seja, todos os transigentes, antigos ou modernos. Os companheiros autênticos de Paulo são os grandes heróis da fé. Mas, quem são esses heróis? Não são todos eles verdadeiros lutadores? Tertuliano se lançou em batalha titânica contra Márciom; Atanásio combateu Pelágio; e Lutero pelejou corajosamente contra reis, príncipes e papas, na defesa da liberdade do povo de Deus. Lutero foi um bravo combatente; e o amamos por esse motivo. Assim também foi Calvino, bem como John Knox e muitos outros da mesma estirpe. É impossível a alguém ser um verdadeiro soldado de Jesus Cristo e não ser um combatente.
Todavia, nesse conflito, não penso que podemos ser bons soldados apenas por estarmos resolvidos a lutar. Pois esta é uma batalha de amor; e nada prejudica tanto o serviço prestado pelo crente como o espírito de ódio.
Não! Se quisermos aprender o segredo desta guerra, teremos de olhar com maior penetração; e não podemos fazer nada melhor do que contemplar aquele grande lutador, o apóstolo Paulo. Qual era o segredo de seu poder neste conflito gigantesco? Como ele aprendeu a lutar?
A resposta é um paradoxo, mas é muito simples. Paulo era um lutador notável porque se sentia em paz. Aquele que recomendou: “Combate o bom combate” também falou sobre a “paz de Deus que excede todo o entendimento”. É justamente nesta paz que encontramos o vigor de sua guerra. Paulo lutava contra os inimigos externos, porque usufruía de paz no íntimo; havia um santuário interno em sua vida, inatingível por qualquer adversário. Essa, meus amigos, é a verdade central. Ninguém pode lutar com sucesso contra as feras, a exemplo de Paulo em Éfeso; ninguém pode combater com sucesso contra indivíduos perversos ou contra o diabo e seus poderes espirituais da maldade nos lugares celestiais, a menos que, enquanto combate tais inimigos, esteja em paz com Cristo.
Mas, se alguém está em paz com Cristo, pouco lhe importa o que os homens possam fazer. E pode afirmar juntamente com os apóstolos: “Antes importa obedecer a Deus que aos homens”. E dizer, em companhia de Lutero: “Aqui estou. Não posso agir de outro modo. Deus me ajude. Amém”; ou declarar como Eliseu: “Mais são os que estão conosco do que os que estão com eles”. Ou, ainda, dizer juntamente com Paulo: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará?” Sem a presença da paz de Deus em seus corações, vocês infundirão pouco terror entre as hostes dos inimigos do evangelho de Cristo. Não há outra maneira para o crente ser realmente um bom combatente. Ninguém pode lutar na batalha de Deus contra os seus inimigos, a menos que esteja em paz com Ele.
Muito mais fácil é obter o favor do mundo, por abusar daqueles de quem o mundo abusa, e falar contra a controvérsia em uma atitude de espectador, contemplando de longe a luta em que estão engajados os servos do Senhor.
Que Deus nos livre de uma neutralidade como essa! Tem certa aparência mundana de urbanidade e caridade. Mas quanta crueldade isso demonstra para com as almas sobrecarregadas; quanta ruindade para os pequeninos que esperam da Igreja uma mensagem viva de Deus! Deus os livre, portanto, de serem tão cruéis, tão destituídos de amor e tão frios! Antes, que Deus lhes conceda que, com toda a ousadia, e dependendo sempre dEle, possam combater o bom combate da fé. Na verdade, vocês já possuem aquela paz de Deus que ultrapassa todo o entendimento. Mas essa paz não lhes foi outorgada para que vocês sejam pacíficos espectadores neutros, nesta grande batalha, e sim para que sejam combativos soldados de Jesus Cristo.