segunda-feira, 23 de dezembro
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mulher de Ló

O castigo que Deus impôs à mulher de Ló

Converteu-se numa estátua de sal

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Santidade, de J.C. Ryle, Editora Fiel.


 

As Escrituras descrevem seu fim com simples e poucas palavras. É dito que ela “olhou para trás e converteu-se numa estátua de sal” (Gn 19.26). Um milagre foi feito para executar o julgamento de Deus sobre esta mulher culpada. A mesma mão todo-poderosa que primeiramente concedeu-lhe a vida, tomou aquela vida em um piscar de olhos. De carne e sangue com vida, ela converteu-se em uma estátua de sal.

Aquele foi um fim terrível para uma alma! A morte é algo solene em qualquer momento. Morrer em meio a amigos e parentes amáveis; morrer de modo calmo e silencioso em uma cama; morrer com as orações de homens piedosos ainda ressoando nos ouvidos; morrer com uma boa esperança por causa da graça, com a plena segurança de salvação, dependendo do Senhor Jesus Cristo, apoiado nas promessas do evangelho; mesmo nesses casos, morrer é um assunto sério. Mas morrer de repente e de uma hora para outra, no momento exato em que se está cometendo pecado; morrer em plena saúde e vigor; morrer pela intervenção direta de um Deus irado – isso é realmente terrível. Contudo, este foi o fim da mulher de Ló. Eu não posso censurar o Livro de Ladainhas Católicas por manter a petição: “Da morte impreparada, livra-nos, bom Senhor”.

Esse foi um fim desesperador para uma alma! Existem casos em que uma pessoa pode crer, por assim dizer, contra a esperança, a respeito da alma de alguém que vemos ir para o túmulo. Tentamos persuadir a nós mesmos de que aquele pobre irmão ou irmã que partiu pode ter se arrependido para a salvação em seu último instante e ter se agarrado na orla das vestes de Cristo em seu último segundo. Apelamos para as misericórdias de Deus; lembramos do poder do Espírito; pensamos no caso do ladrão arrependido; cochichamos para nós mesmos que a obra salvadora pode tê-lo alcançado naquele leito de morte, no qual a pessoa moribunda não tem forças para dizer mais nada. Entretanto, existe um fim para todas as esperanças desse tipo quando uma pessoa morre de forma repentina, no exato momento em que está cometendo pecado. A caridade, em si, não pode dizer nada quando a alma é intimada a comparecer ao tribunal, quando está em meio à perversidade, sem tempo sequer para pensar ou orar. Tal foi o fim da mulher de Ló. Foi um fim desesperador. Ela foi para o inferno.

No entanto, notar bem estas coisas é algo bom para todos nós. É bom sermos lembrados de que Deus pode punir de forma repentina aqueles que pecam deliberadamente; e que grandes privilégios, quando usados de forma errada, trazem grande ira sobre a alma. O faraó viu todos os milagres que Moisés executou; Corá, Datã e Abirão ouviram Deus falando no monte Sinai; Hofni e Finéias eram filhos do sumo sacerdote de Deus; Saul presenciou a plenitude do ministério de Samuel; Acabe, com frequência, era admoestado pelo profeta Elias; Absalão desfrutou do privilégio de ser um dos filhos de Davi; Belsazar teve o profeta Daniel ao lado de sua porta; Ananias e Safira se uniram à igreja nos dias em que os apóstolos operavam milagres; Judas Iscariotes era um companheiro escolhido do próprio Senhor Jesus Cristo. Contudo, todos eles pecaram de forma arrogante contra a verdade e o conhecimento, e todos eles foram quebrantados de repente sem que houvesse cura. Eles não tiveram tempo e nem lugar para arrependimento. Da mesma maneira como viveram, morreram; no mesmo estado em que estavam, foram levados rapidamente para se encontrarem com Deus. Eles se foram, carregando todos os seus pecados sobre si, irremissíveis, irregenerados e, indubitavelmente, inapropriados para o céu. E, mesmo depois de mortos, ainda falam. Eles nos dizem, do mesmo modo que a mulher de Ló, que pecar contra a verdade é algo perigoso, que Deus odeia o pecado e que o inferno existe.

Sinto-me constrangido ao falar abertamente com meus leitores sobre assunto do inferno. Permita-me usar a oportunidade que a mulher de Ló nos proporciona. Creio que já chegou a hora em que é realmente um dever falar claramente sobre a veracidade e a eternidade do inferno. Uma enxurrada de falsas doutrinas tem irrompido sobre nós ultimamente. Os homens estão começando a dizer que Deus é misericordioso demais para punir as almas para sempre, e que o amor de Deus é mais profundo do que o inferno, e que toda a humanidade, não importando o quão perversos e ímpios alguns possam ser, será salva, mais cedo ou mais tarde. Somos convidados a deixar as antigas veredas do cristianismo apostólico. Dizem que a visão de nossos pais a respeito do inferno, do diabo e do castigo é obsoleta e fora de moda. Temos de adotar aquilo que é chamado de “teologia do amor” e tratar do inferno como sendo uma fábula pagã ou uma história de bicho papão para assustar crianças e tolos. Contra este falso ensino, em particular, quero protestar. Por mais dolorosa, triste e desoladora que esta discussão possa ser, não devemos evitar ou nos recusar a encarar este assunto. Eu, particularmente, estou decidido a manter a velha posição e a afirmar a veracidade e a eternidade do inferno.

Acredite, esta não é uma mera questão de especulação. Ela não pode ser classificada como uma disputa acerca de liturgias e formas de governar a igreja. Não é uma questão que pode ser colocada na mesma posição que os problemas de mistério, como o significado do templo de Ezequiel ou os símbolos apocalípticos. Esta é uma questão que se encontra, de fato, no alicerce de todo o evangelho. Todos os atributos de Deus, sua justiça, sua santidade, sua pureza, estão envolvidos nesta questão. Estão em jogo, a necessidade da fé pessoal em Jesus Cristo e a santificação do Espírito Santo. Permita que a velha doutrina a respeito do inferno seja subvertida, e todo o sistema do cristianismo será desestabilizado, desajustado, desestruturado e entrará em desordem.

Acredite, esta questão não é do tipo que nos obriga a recuar diante das teorias e invenções do homem. As Escrituras falam de forma clara e detalhada sobre o inferno. Eu defendo que é impossível lidar com a Bíblia de maneira honesta e evitar as conclusões a que ela nos levará a respeito desse ponto. Se as palavras significam alguma coisa, então, tal lugar chamado inferno existe. Se os textos devem ser interpretados de forma razoável, então, existem aqueles que serão lançados no inferno. Se a linguagem possui algum sentido, o inferno é para sempre. Creio que o homem que encontra argumentos para escapar das evidências bíblicas sobre esse assunto chegou a um estado mental em que o raciocínio é inútil. De minha parte, argumentar que a Bíblia não ensina sobre a veracidade e a eternidade do inferno é tão absurdo quanto argumentar que nós não existimos.

  1. É bom sermos lembrados de que Deus pode punir de forma repentina aqueles que pecam deliberadamente O mesmo capítulo que declara “Deus amou ao mundo de tal maneira”, também declara que sobre o incrédulo “permanece a ira de Deus” (Jo 3.16, 36). O mesmo evangelho que vem ao mundo com as novas abençoadas: “Quem crer e for batizado será salvo”, ao mesmo tempo proclama: “Quem, porém, não crer será condenado” (Mc 16.16).
  2. Guarde bem em sua mente, que Deus nos tem dado prova sobre prova, na Bíblia, de que Ele punirá os de coração endurecido e os descrentes e que tomará vingança dos seus inimigos, ao passo que mostrará misericórdia aos arrependidos. O afogamento do mundo todo pelo dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra pelo fogo, a derrota de faraó e suas hostes no mar vermelho, o julgamento de Corá, Datã e Abirão, a completa destruição das sete nações de Canaã – tudo isso ensina a mesma verdade terrível. Tudo isso são sinais e advertências de que não podemos provocar a Deus. Essas coisas têm a intenção de levantar a ponta da cortina que encobre as coisas que hão de vir e de nos lembrar de que a ira de Deus existe. Elas nos dizem de forma clara que “os perversos serão lançados no inferno” (Sl 9.17).
  3. Guarde bem em sua mente, que o próprio Senhor Jesus Cristo falou muito sobre a veracidade e a eternidade do inferno. A parábola do rico e Lázaro contém coisas que deveriam fazer os homens estremecerem. E não foi só isso. Não houve lábios que usassem tantas palavras para descrever os horrores do inferno como os lábios dAquele que falava como nenhum homem jamais falou, o qual disse: “A palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou” (Jo 14.24). Inferno, fogo do inferno, a condenação do inferno, condenação eterna, ressurreição do juízo, fogo eterno, o lugar de tormentos, destruição, trevas exteriores, o verme que nunca morre, o fogo que não se apaga, o lugar de pranto, choro e ranger de dentes, castigo eterno – estas, exatamente estas são as palavras que o próprio Senhor Jesus Cristo emprega. Fora com essas besteiras que as pessoas falam hoje em dia, as quais nos dizem que os ministros do evangelho nunca devem falar sobre o inferno! Eles só demonstram sua própria ignorância ou sua própria desonestidade ao falarem de tal maneira. Nenhum homem pode ler os evangelhos de forma honesta e não enxergar que aquele que deseja seguir o exemplo de Cristo deve falar sobre o inferno.
  4. Em último lugar, guarde bem em sua mente que as ideias confortadoras que as Escrituras nos dão a respeito do céu chegam ao fim uma vez que neguemos a veracidade e a eternidade do inferno. Não existe uma residência futura separa- da para aqueles que morrem na perversidade e na impiedade? Todos os homens, após a morte, estarão juntos e misturados em uma multidão confusa? Porque, se assim for, o céu não será céu afinal! É completamente impossível que duas pessoas habitem felizes juntas se não estiverem de acordo. Haverá um tempo em que os termos inferno e céu deixarão de existir? Os perversos, após eras de miséria, serão aceitos no céu? Porque, se assim for, a necessidade da santificação do Espírito será lançada fora e desprezada! Tenho lido que os homens podem ser santificados e preparados para o céu enquanto estão na terra; não tenho lido nada sobre algum tipo de santificação no inferno. Fora com essas teorias sem fundamento, que estão em desacordo com as Escrituras! A eternidade do inferno é tão claramente afirmada na Bíblia quanto a eternidade do céu. Uma vez que você admita que o inferno não é eterno, estará também dizendo que o céu não é eterno. A mesma palavra grega usada na expressão “castigo eterno” é a palavra usada pelo Senhor Jesus na expressão “vida eterna”, e pelo apóstolo Paulo, na expressão “Deus eterno” (Mt 25.46; Rm 16.26).

Sei que tudo isso pode soar mal a muitos ouvidos. Isso não me admira. Entretanto, a única pergunta que precisamos fazer é esta: “Isto é bíblico?” “Isto é verdadeiro?” Eu declaro, com firmeza, que sim, e afirmo que muitos que se dizem cristãos precisam ser lembrados sempre de que eles podem estar perdidos e ir para o inferno.

Sei que é fácil negar todo ensino claro a respeito do pecado e fazê-lo odioso através de nomes hostis. Sempre ouço os termos “visão de mente curta” e “noções antiquadas”, “teologia do enxofre” e outros semelhantes. Com frequência, dizem que o que se deseja hoje em dia é uma visão “tolerante”. Desejo ser tão tolerante quanto a Bíblia; nem mais, nem menos. Eu digo que quem tem uma teologia de mente curta é aquele que remove tais trechos da Bíblia, à medida que eles desagradam aos seus desejos naturais, e rejeitam qualquer porção do conselho de Deus.

Deus sabe que nunca falo sobre o inferno sem sentir dor e tristeza. Eu ofereceria com alegria a salvação ao pior dos pecadores. Eu, de boa vontade, diria à pessoa mais vil e devassa da humanidade, em seu leito de morte: “Arrependa-se, creia em Jesus e será salvo”. Contudo, Deus proíbe que eu oculte dos homens mortais que as Escrituras revelam tanto um inferno como um céu e que o evangelho ensina que o homem tanto pode perder-se como ser salvo. A sentinela que fica em silêncio quando vê o fogo é culpada de negligência grave; o médico que nos diz que estamos indo bem, quando na verdade, estamos morrendo, é um amigo falso, e o pastor que oculta o inferno de seu povo em seus sermões não é um homem fiel, nem amoroso.

Que amor há em se ocultar qualquer porção da Palavra de Deus? O amigo mais amoroso é aquele que me diz a extensão total do perigo em que me encontro. Onde está a utilidade de se ocultar o futuro das pessoas impenitentes e ímpias? Se não lhes dissermos que “a alma que pecar, essa morrerá” será o mesmo que ajudar o diabo. Quem sabe se a negligência desprezível de muitas pessoas batizadas não surge exatamente disso; do fato de elas nunca terem sido claramente ensinadas a respeito do inferno. Quem garante que milhares de pessoas não iriam se converter, se os pastores fossem mais fiéis em insistir para que elas fugissem da ira vindoura? Na verdade, acho que muitos de nós somos culpados nesta questão; existe uma ternura mórbida em nosso meio que não é a ternura de Cristo. Temos falado da misericórdia, mas não do julgamento; temos pregado muitos sermões a respeito do céu, mas poucos sobre o inferno; temos sido levados pelo medo desprezível de sermos chamados de “fracos, vulgares e fanáticos”. Temos nos esquecido de que quem nos julga é o Senhor e de que o homem que ensina a mesma doutrina que Cristo ensinava não pode estar errado.

Se você é um cristão bíblico saudável, imploro que tome cuidado com qual- quer pastor que não pregue de forma clara sobre a veracidade e a eternidade do inferno. Tal pastor pode ser agradável e ser como um lenitivo, mas é mais provável que ele o embale para dormir, do que o leve a Cristo ou edifique sua fé. É impossível deixar de fora alguma porção da verdade de Deus sem corromper o todo. Dê-me uma pregação que não oculte absolutamente nada daquilo que Deus revelou. Você pode achar que isso é severo e cruel; você pode nos dizer que assustar as pessoas não é a maneira de fazer o bem para elas. Mas está se esquecendo de que o maior objetivo do evangelho é persuadir os homens a “fugirem da ira vindoura” e que é inútil esperar que os homens fujam, a menos que estejam com medo. Seria bem melhor para muitos cristãos professos que eles estivessem mais amedrontados com respeito às suas almas do que eles estão agora!

Se você deseja ser um cristão saudável, considere, com certa frequência, como será o seu fim. Ele será de felicidade ou de miséria? Ele será a morte do justo ou uma morte sem esperança, como foi a morte da mulher de Ló? Você não pode viver para sempre; tem de haver um fim algum dia. Um dia, o último sermão será ouvido; um dia, a última oração será proferida; um dia, o último capítulo da Bíblia será lido; as intenções, os desejos, as esperanças, os planos, as soluções, as dúvidas, as hesitações – no final, tudo acabará. Você terá de deixar este mundo para encontrar-se com um Deus Santo. 

Oh! que você seja sábio! Que você considere o seu futuro fim!


Autor: J. C. Ryle

J. C. Ryle (1816-1900) foi bispo da Igreja da Inglaterra, em Liverpool. Conhecido por sua erudição e piedade, Ryle era também um escritor prolífico, um pregador vigoroso e um ministro fiel. Dentre suas obras, a Editora Fiel tem publicado o "Santidade" e a série de meditações nos quatro evangelhos.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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