O Credo ensina a ressurreição dos mortos no fim dos tempos, e na vida eterna. Logo, cremos firmemente que, tal como Cristo “ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive para sempre”, assim também os fiéis,“depois da morte, viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele os ressuscitará no último dia”.[i] Tal como aconteceu com Jesus Cristo, também a nossa ressurreição será obra da Trindade: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Rm 8.11).
Alister McGrath escreveu: “Cristo ressuscitou e nós também seremos ressuscitados como participantes do que é dele. Quando pensamos na ressurreição de Cristo, estamos (…) vislumbrando nossa ressurreição futura no último dia”.[ii] Quando pensamos na ressurreição da carne e na vida eterna, lembramos que, de acordo com o Credo, ao morrermos, só temos dois caminhos a serem trilhados: o caminho com Cristo, esperando a sua vinda e a ressurreição do corpo, ou a perdição eterna. Quando o Credo diz que “creio no Espírito Santo”, conectando-o ao perdão dos pecados, à ressurreição do corpo e à vida eterna, este documento confessional está excluindo completamente noções como a reencarnação e a transmigração da alma. Toda noção de que o nosso destino eterno pode ser mudado por algum tipo de obra realizada neste lado da existência é excluída completamente.[iii]
Quando o Credo ensina que o Espírito Santo nos assegura a ressurreição do corpo e a vida eterna, somos lembrados de que o que fazemos neste lado da existência é determinante para o que vai acontecer depois da nossa morte, e na vinda do nosso salvador, Jesus Cristo. Portanto, a morte é aquele momento definidor, em que não se pode mais mudar o destino eterno. Então, para uns a morte é a entrada no estado de bem-aventurança, em que se aguarda a ressurreição do corpo e a entrada na vida eterna. Ou será um estado pavoroso de preparação para o juízo vindouro. Nesse caso, o cristão é esperançoso. Tratamos pouco deste tema bíblico na atualidade, mas essa é uma virtude bem importante para a vida cristã.[iv] Se esperamos a ressurreição do corpo e a vida eterna, então temos esperança. Assim sendo, o cristão sabe que não é a corrupção, a violência, a heresia ou a falha moral de pastores que dará a última palavra. É Jesus Cristo, agindo por meio do Espírito, quem dará a última palavra. Então, sabemos que ainda que caiamos, a nossa causa será vitoriosa. Aliás, ela já é vitoriosa. Para usar uma analogia da história militar: Na II Guerra Mundial, em 6 de junho de 1944, americanos, ingleses, belgas, holandeses, franceses e poloneses invadiram as praias da Normandia, na França ocupada pelos alemães. A Alemanha perdeu a guerra quase um ano depois em 1 de maio de 1945, mas todo o alto comando alemão já sabia que quando os aliados desembarcaram nas praias francesas, a guerra estava irremediavelmente perdida. Jesus Cristo é vitorioso na cruz. Nossos inimigos continuam lutando contra a igreja, mas eles já estão derrotados, nossa causa já é vitoriosa. Nós, agora, membros da igreja católica, a comunhão dos santos, recebemos não só o perdão dos pecados, mas esperamos a ressurreição da carne e a vida eterna. Então, somos chamados a manter a esperança, porque, com a ressurreição dos mortos e a vida eterna, receberemos a “salvação perfeita”, e louvaremos a Deus por toda a eternidade – como ensina de forma tão bela o Catecismo de Heidelberg (Questão 58).
Conectando o que aprendemos no segundo artigo, com o que é dito no terceiro artigo, somos ensinados que, se Jesus Cristo ressuscitou, os que creem serão ressuscitados também (cf. Jo 5.28-29). E precisamos ter em mente que as imagens de céu, na Escritura, são palpáveis. Por exemplo, Jesus compara o reino dos céus “às bodas” (Mt 22.2-14; 25.1-13; cf. Ap 19.7,9). As bodas eram as festas de casamento judaicas. E nestas festas havia carneiro na brasa, muitas frutas, muito vinho, e muita alegria. As pessoas brincavam, riam, dançavam, cantavam, jogavam, comiam. Quando Jesus fala que os céus serão como as bodas, ele estimula nossa imaginação para termos uma imagem do céu como lugar. Jesus ensina que nos céus haverá um banquete, uma refeição entre os muitos que virão “do Oriente e do Ocidente” com Abraão, Isaque e Jacó (Mt 8.11). “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos” (Mt 22.32). Todas essas imagens ensinam que, se Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos, se ao terceiro dia nosso salvador levantou da tumba que o prendia, assim acontecerá com os que creem.“Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1Co 15.20).
É escandaloso como a doutrina da ressurreição foi, simplesmente, relegada a segundo plano em nosso discurso. Aqueles que faleceram em Cristo já desfrutam da bem-aventurança, já veem a Deus, “limpos de coração” (Mt 5.8). Vamos encontrá-los! Os cristãos ressuscitarão, para se banquetear, para celebrar por toda a eternidade. Os cultos fúnebres de cristãos precisam ser uma celebração. Lembramos as boas memórias que temos daquele cristão que faleceu, choramos, nos entristecemos (cf Jo 11.35), mas celebramos que aquela pessoa será levantada dentre os mortos. Nós a reconheceremos e seremos reconhecidos por ela. Nós celebraremos juntos a graça triunfante de Jesus Cristo por toda a eternidade.
Como o mártir Inácio de Antioquia escreveu:
É bom para mim morrer em (…) Cristo Jesus, mais do que reinar dum extremo ao outro da terra. É a Ele que eu procuro, Ele que morreu por nós: é a Ele que eu quero, Ele que ressuscitou para nós. Estou prestes a nascer (…). Deixai-me receber a luz pura: quando lá tiver chegado, serei um homem.5[v]
Assim sendo, a ressurreição do corpo lembra que o céu não é apenas um estado, é um lugar. A Escritura fala de novo céu e nova terra, da“cidade santa” (Ap 21.2), onde Javé Shamá, “o Senhor está ali” (Ez 48.35). As imagens bíblicas do céu comunicam a noção de que haverá descanso para uns, trabalho para outros. E haverá a perfeita paz, como ensinou o profeta (Is 11.6-9):
O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SEnhOR, como as águas cobrem o mar.
O céu será um lugar de completa harmonia, o“paraíso reconquistado” ( John Milton). Confessamos crer na ressurreição de Jesus Cristo e, agora, esperamos a ressurreição dos nossos que creram em Cristo e nossa própria ressurreição. A criação será renovada. Cristo ressuscitou, portanto, temos uma grande esperança, a esperança do triunfo final.
O artigo acima é um trecho extraído com permissão do livro Credo dos Apóstolos, de Franklin Ferreira, Editora Fiel.
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[i] Catecismo da Igreja Católica, p. 279
[ii] Alister McGrath, Creio (São Paulo: Vida Nova, 2013), p. 133
[iii] Este ponto precisa ser bem enfatizado: a Igreja cristã nunca ensinou ou creu na reencarnação. Isto pode ser facilmente confirmado numa consulta ao Didaquê 16.6 e às obras de Inácio de Antioquia (Trall. 9.2), Clemente de Roma (1 Clem. 24-26), Justino (1 apol. 18s.), Irineu de Lião (Adv. haer. 1.6.2; 1.27.3; 5.1.2), Tertuliano (De ressurr. carn.) e Orígenes (De princ. 2.10; 3.6.6). A reencarnação foi ainda repetidamente rejeitada pelos Concílios de Lião (1274) e Florença (1439), bem como pelo do Vaticano II (1965, Lumen Gentium, 48). Em anos mais recentes, Rudolf Bultmann tentou negar a historicidade da ressurreição, tentando reinterpretá-la em termos de linguagem mitológica, sendo refutado pelos trabalhos de Oscar Culmann (Christ and time; Immortality of the soul or resurrection of the body?) e Herman Ridderbos (Bultmann), entre outros. A importância da doutrina da ressurreição na pregação e ensino cristãos pode ser facilmente comprovada a partir do estudo das obras de cristãos com métodos teológicos tão diferentes como Agostinho de Hipona (Enchir. 84-87; De civ. dei 22.20.1; 22.19), Tomás de Aquino (Expositio super Symbolo Apostolorum), João Calvino (Inst. 3.25) e Karl Barth (Church Dogmatics 3.2.47; 4.1.59), ou com uma consulta aos principais catecismos e confissões de fé da Igreja cristã.
[iv] Cf., por exemplo, Thomas Schirrmacher, Esperança para a Europa: 66 propostas (Nürnberg: VTR, 2003)
[v] Inácio de Antioquia, Rom. 6,1-2, citado em Catecismo da Igreja Católica, p. 285