Em 1525, em Wittenberg, Alemanha, um ex-monge casou-se com uma ex-freira: Katharina von Bora (nascida em 29 de janeiro de 1499) tornou-se esposa do Dr. Martinho Lutero. De algumas formas, esse ato foi tão significativo quanto o de Lutero afixando as 95 teses à porta da igreja. Conforme William Lazareth escreve: “O casamento de Lutero permanece, até hoje, como o símbolo evangélico central da libertação e da transformação da Reforma na vida cristã de cada dia”. Os escritos de Lutero sobre a vida doméstica sacudiram a cultura da cristandade ocidental, conduzindo a uma nova visão acerca da família, que, mais tarde, foi nutrida por outros reformadores. Martin Brecht escreve: “Não se pode subestimar o efeito dos escritos de Lutero sobre o casamento, pois eles deram início a uma mudança na sociedade”. Na verdade, os estudiosos acreditam que os ensinamentos éticos de Lutero tiveram maior impacto sobre o relacionamento familiar do que sobre outro aspecto qualquer da vida comum.
Lutero havia herdado a visão medieval do casamento como um sacramento ou meio especial de graça sobrenatural dispensado pela igreja. Esse ponto de vista fora afirmado pelo Papa Inocêncio III no início do décimo terceiro século e confirmado no Concílio de Florença (1439). Em 1519, Lutero ainda afirmava que o casamento era um sacramento cristão. Porém, em 1520, Lutero publicou Do cativeiro babilônico da igreja, obra em que propôs que somente o Batismo e a Ceia do Senhor eram sacramentos divinamente instituídos com promessa de graça salvadora. Assim, ele não via mais o casamento como um sacramento, ainda que o visse como um símbolo do “mistério” (sacramentum) de Cristo e de sua igreja (Efésios 5.31-32).
Paradoxalmente, conquanto o cristianismo medieval afirmasse ser o casamento um sacramento, geralmente degradava as mulheres e a sexualidade humana. O Adversus Jovinianum, de Jerônimo, tornou-se o “livro-texto básico medieval para o antifeminismo”, embora Agostinho tentasse trazer mais equilíbrio ao assunto em seu De Bono Conjugali. Prevaleceu a negatividade, embora, na prática, muitas pessoas reconhecessem a igualdade essencial entre homens e mulheres, e também seu lugar indispensável na vida cotidiana.
Pedro Lombardo disse que a primeira mulher foi criada do lado de Adão, “para que se demonstrasse que ela foi criada para parceria de amor, pois, se tivesse sido tirada da cabeça, seria vista acima do homem no domínio; e, se tivesse sido tirada de seus pés, estaria sujeita à servidão”. Porém, apesar de vozes moderadas, uma atitude negativa para com as mulheres, o sexo e o casamento prevalecera e crescera no que B. J. van der Walt chama de “coro de desprezo”, alimentado pela contínua influência de antigos escritores pagãos, entre outros fatores.
A Reforma fez a igreja voltar a uma visão mais cristã, que procurava honrar a criação da mulher por Deus à sua imagem e a instituição do casamento. Os escritos e o exemplo de Lutero, diz Martin Brecht, resultaram no fato de “o casamento e as mulheres serem mais valorizados”.
Lutero fora criado crendo que o santo serviço de Deus exigia o celibato. No fim da Idade Média, a igreja exigia que seus sacerdotes não se casassem, embora alguns casos de concubinato clerical e imoralidade fossem notórios por toda a Europa. Mais tarde, Lutero rejeitou o celibato monástico e mandatório para pastores como não bíblico, mas permaneceu celibatário por diversos anos depois que a Reforma teve início. Ele recomendava o celibato aos que tinham a “graça da castidade”, pois é a “mais refinada vida… que se pode ter”. E, embora fosse encorajado por amigos a se casar, ele não tinha planos nesse sentido, “já que imaginava que logo teria de enfrentar a morte” nas mãos de seus perseguidores.
No entanto, Lutero cada vez mais viu que, para ser coerente com o próprio ensinamento sobre a liberdade dos cristãos de se casar, ele mesmo faria bem em entrar no matrimônio. Em abril de 1525, visitou seus pais, que o encorajaram a se casar. No entanto, quando alguns dos amigos de Lutero ouviram sobre seu casamento iminente, não o apoiaram, mas Lutero levou a ideia adiante.
Martinho Lutero casou-se com Katharina von Bora numa terça-feira, 13 de junho de 1525, na presença de cinco testemunhas. O banquete de casamento foi realizado duas semanas depois, para que os visitantes pudessem chegar de lugares distantes. A cidade deu aos recém-casados vinte gulden de prata e um barril de cerveja.
O casamento exigia de Lutero uma adaptação, mas era abençoado. Em seu primeiro ano de casamento, ele disse que teve de se acostumar com “um par de tranças deitado a seu lado”. Aprendeu a ser paciente quando Katharina interrompeu seu intenso estudo teológico. O casamento também era uma adaptação para Katharina; ela descobriu que a palha da cama de Lutero não era trocada havia mais de um ano e estava podre de suor. Mesmo assim, depois de seis anos de casamento, Lutero disse: “Eu não trocaria Katy pela França ou por Veneza”.
Anos depois, ele declarou: “Morrerei como quem ama e louva o matrimônio”.
Lutero sobre casamento e sexualidade
Lutero baseava sua doutrina de casamento em Gênesis 2.22 Observou: “A legítima junção de um homem e uma mulher é uma ordenança e uma instituição divina… Casamento é um tipo divino de vida porque foi estabelecido pelo próprio Deus”. Mais tarde, Lutero ofereceu a seguinte definição: “O casamento é a união divinamente instituída e legítima de um homem e uma mulher”. E, embora a definição do casamento por Lutero tivesse muito em comum com a de seus antepassados cristãos, ele desenvolveu sua própria doutrina acerca do casamento, em contraste à exaltação medieval do celibato como um estilo de vida mais nobre para o cristão. Com Paulo (1 Timóteo 4.1-3), ele argumentou que as influências satânicas haviam levado as pessoas a pensarem no casamento como algo impuro e concessão à fraqueza humana; um dos frutos da Reforma foi a restauração da honra do casamento e uma avaliação mais realista do celibato como praticável apenas por aqueles que tivessem “maior dom que o de gente comum”.