sábado, 27 de abril
Atos

O livro de Atos

Várias maneiras de esboçar Atos

Estrutura e esboço

Os esboços de narrativas podem tanto esclarecer quanto distorcer. Os melhores esboços enfatizam o que o autor pretendia enfatizar e minimizam questões terciárias do autor. Portanto, um bom esboço esclarece os principais assuntos. No entanto, uma vez que um bom esboço praticamente não menciona pontos terciários, mesmo um bom esboço distorce ligeiramente o conteúdo do livro, na medida em que eleva muito os assuntos principais e subenfatiza os pontos terciários, já que não são mencionados.

Existem várias maneiras razoáveis de esboçar Atos. A conclusão sobre o melhor esboço está relacionada à visão dos propósitos primários e secundários de Lucas. Apresentarei várias opções de esboço abaixo e concluirei que o esboço “geográfico” de Atos é o mais útil.

Esboço biográfico focado em Pedro e Paulo

I. Pedro (1–12)

II. Paulo (13–28)

Como observa Guthrie, “uma das características mais impressionantes de Atos é dizer tão pouco sobre os outros apóstolos e tanto sobre Pedro e Paulo”.  Além disso, há muitos paralelos entre Pedro e Paulo. Os exemplos incluem os dois curando aleijados (At 3.7-8; 14.8-10), pregando (2.14-40; 13.26-41) e sendo libertados milagrosamente da prisão (12.7-10; 16.25-30).  Embora Pedro esteja principalmente associado aos judeus, enquanto Paulo, aos gentios, ambos interagem com judeus e gentios.  Pode-se argumentar que Pedro leva a narrativa de Jerusalém a Antioquia (At 1–12), ao passo que Paulo, de Antioquia a Roma (At 13–28). Todas essas considerações confirmam uma Igreja unificada. 

Alguns estudiosos favorecem esse esboço biográfico devido à tese de Baur de que Atos é uma tentativa de reunir os partidos de Pedro e Paulo.  Outros simplesmente veem a ênfase em Pedro e Paulo como uma forma de destacar a unidade da Igreja, especialmente no que diz respeito à missão aos gentios. Werner Georg Kümmel reclama que esse esboço “não é a intenção do autor, que não busca objetivos biográficos”.  Além disso, esse esboço parece ignorar a importância de Atos 1.8 e do Concílio de Jerusalém (At 15.1-35).

Espírito Santo — esboço de eventos

I. Jerusalém, Judeia, Samaria, confins da terra (1.8)

II. Pentecostes, judeus (helenísticos e palestinos) (2.1-4)

III. Samaritanos convertidos; conexão com a igreja de Jerusalém (8.14-17)

IV. Paulo e Ananias; conexão com os gentios (9.15-19)

V. Cornélio e Pedro; gentios; Pedro se reporta à igreja de Jerusalém (10.44-46)

VI. O concílio de Jerusalém; gentios e judeus (15.8)

VII. Os discípulos de João Batista e Paulo (19.1-7)

Esse não é um esboço em si; no entanto, vale a pena notar que as ocorrências dos “eventos” do Espírito Santo se encaixam com alguns dos principais temas de Atos. Alguns estudiosos veem o próprio Espírito Santo como um tema principal no livro. Como pode ser visto acima, os eventos do Espírito Santo estão relacionados a Atos 1.8, ao Pentecostes, a resolver divisões intrajudaicas, aos samaritanos, aos gentios, ao Concílio de Jerusalém e aos convertidos de João Batista. Isso enfatiza a unidade e expansão da Igreja de forma étnica e histórico-redentiva.

Esboço das seis declarações sintéticas

I. Atos 1.1–6.7 

Resumo: “Crescia [αὐξάνω] a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava [πληθύνω] o número de discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7). Isso segue o desacordo dos judeus helenísticos e palestinos e o comissionamento dos apóstolos para pregar.

II. Atos 6.8–9.31 

Resumo: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número [πληθύνω]” (At 9.31). Esse resumo segue a conversão de Paulo e a confirmação de que ele não mais persegue a Igreja.

III. Atos 9.32–12.24 

Resumo: “Entretanto, a palavra do Senhor crescia [αὐξάνω] e se multiplicava [πληθύνω]” (At 12.24). Isso segue a morte de Herodes.

IV. Atos 12.25–16.5

Resumo: “Assim as igrejas eram fortalecidas na fé, e, dia a dia, aumentavam em número [περισσεύω]” (At 16.5). Isso vem depois do Concílio de Jerusalém e da entrega da carta que visava à unificação de judeus cristãos e gentios.

V. Atos 16.6–19.20 

Resumo: “Assim a palavra do Senhor crescia [αὐξάνω] e prevalecia poderosamente” (At 19.20). Esse resumo segue a implantação da igreja de Éfeso, que é a última em Atos.

VI. Atos 19.21–28.31 

Resumo: Por dois anos, Paulo esteve “pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo.” (At 28.31). Isso segue a chegada de Paulo a Roma e sua pregação enquanto estava em prisão domiciliar.

As declarações sintéticas acima ocorrem nos temas principais de Atos.  Observe as declarações paralelas da “palavra de Deus/do Senhor” e de “igrejas” em crescimento. Ben Witherington não usa essas seis declarações sintéticas para determinar um esboço em si, mas para “fornecer pistas razoáveis da maneira como Lucas desenvolve seu material e cria subseções nele”. Ele conclui: 

I. Igreja Primitiva em Jerusalém (1.1–6.7)

II. Judeia e Samaria (6.8–9.31)

III. Evangelho aos gentios (étnicos, não geográficos) (9.32–12.24)

IV. Ásia e mudança para missões gentílicas (12.25–16.5)

V. Europa (mas com um retorno a Éfeso) (16.6–19.20)

VI. Para Roma (19.21–28.31)

Essas declarações sintéticas enfatizam temas-chave de Atos. A Igreja é unificada através das diferenças étnicas e geográficas, de maneira que, apesar da oposição e dos problemas, cresce pela palavra de Deus.

Esboço geográfico

I. A igreja em Jerusalém (1.1–7.60)

II. A igreja na Judeia, Samaria e Antioquia (8.1–12.25)

III. A primeira viagem missionária de Paulo (Nordeste do Mediterrâneo) (13.1–14.28)

IV. O Concílio de Jerusalém (15.1-35)

V. A segunda viagem missionária de Paulo (Mar Egeu) (15.36–18.22)

VI. A terceira viagem missionária de Paulo (Mar Egeu) (18.23–21.16)

VII. De Jerusalém a Roma (21.17–28.31)

Como afirmado acima, o objetivo principal de Atos é confirmar Teófilo e outros na fé cristã, apresentando um relato histórico da providência especial do Deus trino sobre a Igreja Primitiva. Um propósito secundário proeminente é que há uma Igreja unificada que, pela palavra de Deus, se expande de forma geográfica, étnica e histórico-redentiva. Nenhum esboço pode mostrar tudo isso, mas o geográfico mostra melhor a expansão da Igreja unificada, além de se encaixar bem com as outras opções de esboço. 

O contorno geográfico parece ter Atos 1.8 como base: “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”. Como David Peterson comenta: “Atos 1.8 é uma predição e promessa de como esse plano divino será cumprido, em vez de uma ordem. O resto de [Atos] mostra como isso aconteceu”. 

A distinção acima entre a segunda e a terceira viagem missionária, embora verdadeira, não é especialmente enfatizada por Lucas. A transição entre Atos 18.22 e 18.23, ou seja, entre a segunda e a terceira viagem, não é destacada nesse ponto do texto, e Paulo viaja para o mesmo local básico do Mar Egeu. Por outro lado, há alguma ênfase na terceira viagem missionária porque Atos 19.20 é um versículo sintético, e um dos “eventos” do Espírito Santo ocorre em Atos 19.1-7.

O artigo acima é um trecho retirado e adaptado com permissão do livro Introdução Bíblico-teológica do Novo Testamento, Robert J. Cara, Editado por Michael J. Kruger, Editora Fiel (em breve).


Autor: Robert Cara

Dr. Robert J. Cara é diretor acadêmico e professor de Novo Testamento no Reformed Theological Seminary. Robert também é pastor na Associate Reformed Presbyterian Church.

Ministério: Editora Fiel

Editora Fiel
A Editora Fiel tem como missão publicar livros comprometidos com a sã doutrina bíblica, visando a edificação da igreja de fala portuguesa ao redor do mundo. Atualmente, o catálogo da Fiel possui títulos de autores clássicos da literatura reformada, como João Calvino, Charles Spurgeon, Martyn Lloyd-Jones, bem como escritores contemporâneos, como John MacArthur, R.C. Sproul e John Piper.

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