sexta-feira, 22 de novembro
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O perigo de tornar-se fatigado na batalha

Não há entre nós falta de evidências de que os bons crentes estão sofrendo de algum tipo de fadiga espiritual. Em nossa comunhão cristã, raramente o ferro afia o ferro. Muito da pregação ortodoxa carece daquele tom de convicção necessário para incuti-la nas consciências dos pecadores. Uma mansidão culposa abafa o nosso zelo. As orações dos crentes são previsíveis e monótonas. O fogo apostólico perdeu a vitalidade e parece estar se apagando. O evangelho, mesmo onde ele é realmente pregado, está vestido com as ameaçadoras roupas da polidez excessiva e da respeitabilidade. Freqüentemente, nossos sermões não passam de uma homilia gentil ou uma conversa tranqüila a respeito de bons conceitos religiosos. Lenta e imperceptivelmente, os evangélicos estão se conformando, em suas emoções e em seu intelecto, com o espírito desta época. Embora não devêssemos nos importar com o falar desta maneira, traímos nosso desespero íntimo de ver um avivamento ou mesmo uma reversão da tendência presente em direção ao declínio.

Esta fadiga de alma não é difícil de ser explicada. Um profundo desapontamento tem paralisado muitos crentes em nossos dias. Muitos dos ouvintes e dos pregadores estão desanimados. A recuperação, em alguns anos atrás, das doutrinas da ortodoxia genuína, ainda não foi conjugada com uma restauração do poder espiritual ou da influência na sociedade. O mundo ignora muitas igrejas excelentes, fazendo-o com tanto desinteresse, em nossos dias, como o fazia quando o liberalismo teológico reinava entre elas e antes que um novo ministério fundamentado nas Escrituras tivesse começado nelas. Pregadores que deveriam ser ouvidos por multidões têm se contentado com menos do que cinqüenta ouvintes.

A visão que alguns tinham há apenas alguns anos atrás não foi compreendida. A miragem não se tornou um poço de águas. As promessas de Deus estão aparentemente em divergência com suas providências. Um desnorteamento e uma confusão vieram sobre nós. Existe um sentimento universal de que algo está errado. Enquanto isso, nós estamos envelhecendo. Existe uma indescritível concordância de que a luta está muito árdua para nós. Quando seremos capazes de nos retirarmos do cenário de batalha com, pelo menos, alguma aparência de honra?

A sonolência espiritual é muito sedutora. A atmosfera logo fica impregnada com ela. A vida de atividade e de realizações, antigamente tão notável, pouco a pouco definha, à medida que um crente após outro sucumbe ao espírito de sonolência. Assim como as criancinhas, uma após outra, cessam a sua voz em um berçário, na hora de descanso, assim também o testemunho ativo do povo de Deus se torna gradualmente silencioso em um tempo de sonolência.

A Bíblia retrata para nós tempos em que o povo de Deus atravessa um período de sonolência coletiva. A época em que Moisés nasceu foi um desses períodos. Israel havia se estabelecido no Egito. Nem mesmo a escravidão árdua retirou-lhes o amor pelo estilo de vida do Egito. Os israelitas se mostraram muito relutantes em seguir Moisés para o deserto. Eles haviam alimentado muitos sonhos mundanos e não queriam abandonar os alhos e as cebolas, em troca da perspectiva incerta de receberem a sua “Terra Prometida”. Quatrocentos anos de silêncio haviam deixado Israel muito sonolento.

Os dias dos Juízes foram outro período em que o povo de Deus ficou em ampla sonolência. Ficamos admira- dos quando lemos o Antigo Testamento e percebemos quão flagrantemente Israel desobedeceu a Palavra de Deus na época dos Juízes. Os israelitas pareciam estar cegos para os claríssimos ensinos que haviam sido entregues, em tempos bem recentes, por Moisés. Até alguns dos próprios juízes tiveram erros sérios em sua fé e em seu comportamento. “Cada um fazia o que achava mais reto.” Se exigirmos uma explicação para o estilo de vida praticado naquela época, certamente a encontraremos na ampla e quase universal sonolência espiritual.

Poderíamos ter esperado algo melhor do povo de Deus na época do Novo Testamento. Mas isto não aconteceu. Por muitos séculos, até que Lutero se levantou na Alemanha, a igreja da Europa dormia profundamente, enquanto a Bíblia, o evangelho e a graça de Deus permaneciam ocultos aos olhos do povo. Apenas em um ou outro lugar, havia um clamor de advertência proveniente de um remoto pregador italiano chamado Lollardo. Mas, em sua totalidade, a Europa dormia. Noite de trevas cobria o único continente da humanidade que deveria ter levado a tocha da verdade evangélica a todas as partes do mundo.

É importante recordar as palavras de Jesus que nos mostram, com clareza, que o último grande período da História da humanidade será novamente caracterizado por ampla sonolência espiritual — “Foram todas tomadas de sono e adormeceram” (Mt 25.5). Não somente a igreja nominal, representada pelas cinco virgens néscias, estará dormindo, quando o Noivo retornar, mas também a verdadeira igreja, embora esteja preparada, certamente estará mergulhada em cansaço e sonolência, um pouco antes que chegue o dia das bodas.

Estas ocorrências (que não são as únicas que podemos citar) são evidências suficientes para nos recordar que uma onda de sonolência pode cair sobre grandes partes da igreja visível, em determinadas épocas. Este é um fato absoluto da História, um fato que a Palavra de Deus nos apresenta tendo em vista a nossa advertência. Sem dúvida, existem muitos que dormem nas melhores épocas do evangelho ou mesmo sob a mais ardente pregação. Sem dúvida, a sociedade, em qualquer época, tem permanecido pouco acordada para os deveres morais e espirituais da Palavra de Deus. Entre- tanto, parece evidente a lição das Escrituras ensinando-nos que algumas épocas são caracterizadas por um sono quase universal.

O sono é um fenômeno admirável; é um tipo de morte com animação. No sono, estamos mortos para o mundo real. O ladrão pode estar às nossas portas, ou o fogo pode estar começando a queimar as cortinas do nosso quarto. Mas, quando estamos adormecidos, não observamos, não sabemos, nem nos preocupamos com o que está acontecendo. Por outro lado, nos sonhos nos preocupamos com aquilo que é irreal e ilusório. Os homens fogem de animais selvagens, pulam de penhascos e navegam à procura de ilhas do tesouro. Nossa atenção é tomada por aquilo que é fictício e imaginário.

Isto também acontece com o sono que sobrevêm às almas dos homens, em épocas quando o evangelho não tem vigor. Exércitos de heresias ameaçam a igreja e o povo de Deus; mas os sentinelas da igreja caem em sonolência tão rapidamente, que nem compreendem, nem se importam com tais exércitos. Quando, em algum lugar, uma voz fiel se levanta para advertir, existe um clamor geral e uma exigência de que o silêncio seja mantido. Ou pode acontecer algum abuso escandaloso que ameaça manchar a reputação e a credibilidade da igreja. Quando, porém, o sono coloca no descanso as faculdades da alma, os homens se ressentem de questões impopulares e procuram abafar o saudável espírito de investigação. Nada é tão desagradável para um homem sonolento quanto o alarme que o convoca a sair de sua cama.

Quando a sonolência de alma se espalha por todos os lados, todos os homens contentam-se com sonhos infantis e trivialidades vazias. Eles fazem muito barulho e algazarra a respeito de questões de procedimentos e de ordem correta. Mas, eles podem menosprezar as grandes questões da justiça, da misericórdia e da verdade com tanta facilidade quanto os fariseus que coavam “um mosquito” e engoliam “um camelo” (Mt 23.24). O clamor de todos — ou de quase todos — é: “Mais sono”; e ai daquele que tenta despertá-los!

Ninguém que esteja apenas meio acordado precisa de explicações que lhe esclareçam o estado de nossa sociedade moderna. O verdadeiro cristianismo está banido das salas de aula e dos meios de comunicação. O extermínio de crianças abortadas prossegue como um holocausto diário. As autoridades se reúnem para legalizar a quebra do dia de descanso e para legalizar a sodomia. A lepra está irrompendo em todos os membros do corpo político, e não há médico capaz de curá-la. Raramente surge, nas classes elevadas, uma voz que chame os homens ao arrependimento. Esse tipo de voz, quando aparece, não é ouvida, e as pessoas não lhe tributam qualquer atenção. Pobres nações! Infelizmente, uma civilização tão grande quanto a nossa pode se aprofundar tanto em sua sonolência espiritual!

Não é surpreendente que, em nossa época, os verdadeiros crentes sentem-se entorpecidos pela fadiga da batalha. Também não será um grande milagre, se eles, sendo apanhados pelo espírito geral de dormência, forem tentados a se entregarem irresistivelmente ao cochilo, nesta época. Mas isto é exatamente o que temos de nos recusar a fazer, custe o que custar.

De uma maneira ou de outra, os crentes têm de conseguir manterem-se acordados e de pé, nestes dias. Se, para fazer isso, tivéssemos de jogar fora a televisão ou cortar nosso braço direito, seria preferível agirmos assim. Cair no sono, nesta hora, é uma traição para com Cristo e as nossas almas; significa perder nosso “completo galardão” (2 Jo 8) ou, pior ainda, perder nossa recompensa e nossa alma.

O caminho para evitarmos o sono, quando o gás venenoso enche a sala, é correr para o ar fresco e respirar profundamente. Para com Deus e para com a salvação de nossa alma, temos o dever de correr em busca de oxigênio para a alma, na crise presente. O que pode impedir todos nós de uma radical reavaliação de nosso estilo de vida atual?

Ao invés de nos reunirmos simplesmente com objetivos sociais, não poderíamos, como crentes, nos reunir para lermos bons livros uns para os outros. O tempo que regularmente dedicamos a ouvir e assistir tranqüilamente a televisão, não poderíamos dedicar, pelo menos uma parte dele, à oração secreta, ou familiar, ou coletiva? As horas que temos desperdiçado em criticar cruelmente o pregador, poderiam, no futuro, ser melhor utilizadas no estudo diligente de livros que edificam nossa alma. Uma parte das energias que antes gastamos em recreação e sociabilidade excessivas poderia ser gasta mais produtivamente em visitar viúvas em suas aflições (Tg 1.27) e em consolar os abatidos.

Acima de tudo, os pregadores têm de clamar por graça para permanecerem acordados nesta hora. Devem mergulhar suas cabeças nas águas frias da Palavra de Deus, até que seus sonhos de comodidade mundana sejam lançados fora. O mundo nunca precisou tanto de um ministério de despertamento como agora. Nunca houve uma hora tão crucial para galgarmos as alturas e tocarmos altissonante a trombeta do evangelho. Todo o céu está atento, enquanto nos esforçamos para ficar acordados, quando todos os outros dormem. Será lançado como nosso crédito eterno, se nos mantivermos em nosso posto. Mais breve do que pensamos, talvez aconteça a aurora de um dia novo e melhor. O servo vigilante um dia se assentará em honra à mesa de seu Senhor (Lc 12.37).


Autor: Maurice Roberts

Rev. Maurice Roberts estudou na Durham University. Depois de ensinar o latim e o grego nas escolas secundárias da Escócia, cursou teologia no Free Church of Scotland College, em Edimburgo. Ele foi ministro da Ayr Free Church of Scotland de 1974 a 1994, e depois da Greyfriars Congregation, Inverness, desde 2000, uma congregação da Free Church of Scotland. Foi editor da revista The Banner of Truth de 1988 a 2003 e é autor de alguns livros pela mesma editora. Foi também moderador da Assembléia Geral de sua denominação em 2007 e se aposentou do ministério pastoral em dezembro de 2010. É professor de grego e Novo Testamento no Free Church Seminary desde 2002. Roberts é casado com Sandra e tem uma filha e dois netos.

Ministério: Ministério Fiel

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Ministério Fiel: Apoiando a Igreja de Deus.

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